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Postado em 20/03/2012 - 9:03
De longe e de perto
Juliana Monachesi, em NY

Tom Friedman, Kim Dong Yoo, Adel Abdessemed e o engano das aparências

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Legenda: Escultura de Tom Friedman na galeria Luhring Augustine, em Chelsea

Falso ou verdadeiro? Real ou virtual? Apocalíptico ou integrado? Algumas individuais em galerias de Chelsea no início de março dão o que pensar sobre o estatuto de verossimilhança de obras, materiais, discursos e ideologias endossados pelo establishment da arte contemporânea. Tom Friedman, por exemplo, em exposição individual na influente galeria Luhring Augustine, exibe um conjunto com pouca ou nenhuma conexão entre seus distintos elementos, a não ser pelo fato de nenhum deles ser exatamente o que parece.

A câmera de vídeo foi esculpida em madeira e pintada de cinza. As maças mordidas são feitas de isopor e pintadas. Os pés calçando meias e tênis que pressupõem o restante de uma figura humana logo na entrada da galeria são de plástico pintado. O monitor de televisão pixelizado é construído a partir de minúsculos pedaços de papel pintados em diferentes tons de cinza e recortados com precisão cirúrgica. E assim por diante. 

A técnica é impressionante, mas ela já alcançara o apogeu com Auto-Retrato (1994), esculpido em uma aspirina, e Monster Fly (2008), uma mosca feita de cabelo e algodão. Um dos novos trabalhos, uma espécie de Sol feito de varetas de madeira pintadas de amarelo, não causa maior impacto que a explosão de uma estrela que ele construiu em 1995 a partir de 30 mil palitos de dente. Então o que essa mostra acrescenta ao pensamento sobre a arte ou mesmo à trajetória do artista?

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Legenda:L’Avenir Est aux Fantômes (2011), de Adel Abdessemed, obra exposta na galeria David Zwirner

Em uma encruzilhada semelhante parece se encontrar o artista argelino Adel Abdessemed, que apresentou, até o dia 17 de março, novos trabalhos na galeria David Zwirner. A exposição individual tomava as duas amplas sedes da galeria nos números 525 e 533 da rua West 19, em Chelsea. L’Avenir Est aux Fantômes (O Futuro Pertence aos Fantasmas), uma instalação de mais de 30 microfones feitos de vidro soprado – assim como seus respectivos pedestais agigantados -, funcionam como “alegoria do ideal de transparência na comunicação e diálogo aberto”, segundo o pressrelease, e ainda fazem referência ao filósofo francês Jacques Derrida, que caracterizava uma série de fenômenos como “fantasmas”.

A crítica do New York Times Roberta Smith se deu o direito de discordar, descrevendo a obra como “uma floresta de microfones refeitos em vidro soprado [que] é puro artesanato enfeitado com um título ambíguo retirado de Derrida”. A exposição mereceu de Smith o epíteto de “objetos politicamente ardentes ainda que inertes, artisticamente confusos, de matriz ambiciosa e cheia de concessões” que permitem “enumerar muitos dos clichês endêmicos na escultura realista conceitualmente motivada que se tornou algo como um estilo internacional ultimamente”.

Difícil eleger o que é menos clichê aqui: certamente não as esculturas da instalação Décor (2011-2012), cristos construídos com arame farpado, inspirados na Crucificação (1506-1515) do pintor alemão renascentista Matthias Grünewald. São quatro esculturas que reproduzem em detalhe virtuosístico até a torção das mãos do Cristo – que na obra de Abdessemed dispensa a cruz -, mas de resto extremamente kitsch porque o prateado do arame farpado faz com que as esculturas pareçam aquelas peças de quinta feitas de sucata por artistas naïf equivocados.

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Legenda:Pintura do artista coreano Kim Dong Yoo, exposta na galeria Hasted Kraeutler, em NY

Um retrato de John F. Kennedy composto de microrretratos de Marilyn Monroe. Outro, de Audrey Hepburn, é feito de pequenos Gregory Peck. Duas ou três pinturas já seriam o suficiente para dar conta do recado, mas a galeria expõe mais de dez. A ideia de reforçar ou contradizer o conteúdo do retrato por meio dos elementos mínimos que o compõem é razoável, mas a repetição e os diálogos frouxos entre forma e conteúdo e também entre as obras torna tudo maçante. A última sala da exposição tem as duas melhores pinturas: a Rainha Elizabeth II feita de Dianas e a Nossa Senhora Maria feita de Madonnas.

(Fotos: Juliana Monachesi / estúdio seLecT)

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