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Postado em 28/02/2013 - 8:02
Desenhos sem fronteira
Fernanda Lopes

Eliminando os limites entre o desenho, a fotografia e a instalação, o artista pernanbucano Kilian Glasner busca a cada trabalho uma maneira nova de ver o mundo


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Legenda: A obra Silêncio (2013, nanquim sobre papel) faz parte da mostra Obscura, que inaugura dia 5 de março na galeria Laura Marsiaj (Reprodução)

A exposição Obscura, que Kilian Glasner inaugura em março na Galeria Laura Marsiaj, no Rio de Janeiro, é quase um resumo no espaço da rotina de vida e de trabalho desse artista recifense durante o ano de 2012. Reunindo cerca de dez trabalhos, a primeira individual de Glasner na cidade divide-se entre os dois espaços expositivos da galeria. Na sala principal estarão os desenhos de grandes formatos, que chegam a medir 1,50 x 2,60 metros. Já no espaço conhecido como Anexo, de dimensões menores, estarão os desenhos em pequenos formatos. “Há um ano me divido entre Berlim e a ilha de Itamaracá (Pernambuco). Berlim é a cidade onde descubro novos materiais, visito grandes exposições, conheço novos artistas. É uma cidade muito rica culturalmente. Já em Itamaracá tenho a oportunidade de estar mais isolado, concentrado, em contato com a natureza, sem interferência do mundo. É uma dinâmica que estimula minha produção. Pretendo ficar mais alguns anos entre os dois países”, explica Kilian Glasner.

“Entre” parece ser o termo-chave para falar da obra do artista. Em Câmera Obscura, ele reúne uma série de imagens que remetem à sua condição de estar em constante deslocamento. Nessa exposição são exploradas apenas paisagens noturnas e assim Glasner faz conviver imagens aparentemente tão distantes quanto cabanas à beira da praia e vistas aéreas de grandes metrópoles, revelando através de pequenos pontos de luz sinais de ocupação. “Entre” também parece ser o lugar onde habita sua ideia do que possa ser um desenho. Quando começou a trabalhar como artista, há 15 anos, ele desenhava. Naquele momento, tudo o que dizia respeito à ideia clássica de desenho lhe interessava. Com o tempo, começou a perceber que seu desenho não precisava ser só bidimensional nem estar confinado à moldura, preso à parede. Começou a pensar o desenho usando fotografia, instalação e vídeo.

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Legenda: A série Do Infinito é composta por 40 desenhos em preto e branco, todos em grandes formatos horizontais, medindo aproximadamente 100 x 200 cm cada. (Reprodução)

Na série Do Infinito (2011-2012), por exemplo, os desenhos em preto e branco criam novas perspectivas fotográficas, por vezes realistas, por vezes fantásticas, a partir da sobreposição de elementos retirados de diferentes fotografias. Já em Rua do Futuro (2008) – contemplado pelo programa Rumos Artes Visuais do Instituto Itaú Cultural em 2009 –, o artista desenhou sobre as paredes de uma casa abandonada e em seguida demoliu parcialmente o imóvel, mesclando o desenho, a arquitetura e o que restou da casa.

Na serie de trabalhos que Kilian Glasner apresenta agora na Galeria Laura Marsiaj, o ponto de luz, branco, é o elemento estrutural das criações. As composições são desenhadas por aglomeração de pontos que se deslocam como se fossem organismos vivos para representar paisagens noturnas, sejam luzes da cidade, estrelas etc. Ao mesmo tempo sombrios e misteriosos, os desenhos contêm uma luz intensa, graças ao forte contraste do branco do papel com o preto do nanquim. A nova técnica usada nesses trabalhos traz de volta à tona o flerte entre desenho e fotografia. O artista aqui deixa de lado o pastel e o carvão sobre o papel para dar lugar ao nanquim e a materiais menos convencionais durante a construção dos desenhos, que lembram muito o processo de captura da imagem por técnicas como a câmera obscura e revelação de uma fotografia analógica. O flerte entre meios vai além em desenhos como Sem Sinal (2012), em que a relação entre positivo e negativo é levada ao extremo. “Para mim, não existem fronteiras entre a fotografia, a instalação e o desenho”, revela Glasner.

É como se seus desenhos fossem “desenhos inconformados”, como definiu a crítica de arte Thais Rivitti: “Se, por um lado, estamos diante de trabalhos realizados em meios tão diversos como a fotografia, o desenho, o vídeo e a intervenção direta no espaço, ouso dizer que estamos sempre diante de desenhos. Poderíamos pensar que, afinal, a grande ambição desses trabalhos é a de deixar de ser desenho. Mas não. Esse solo comum é sua essência, a parte vital dessa produção. É como o artista enxerga o mundo, como se relaciona com ele, foco de onde emana a potência de seu trabalho”.

“Penso na minha obra como uma expressão visual e não verbal. Busco uma imagem que fale por si só, deixando espaço para que o espectador tenha suas próprias interpretações. Meu trabalho vive e sobrevive dessa experiência. A arte está nesse mistério”, explica Glasner.

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* Fernanda Lopes é editora do site ARTINFO Brasil. Ganhadora da Bolsa de Estímulo à Produção Crítica (Minc/Funarte) em 2012, foi curadora da sala sobre o Grupo Rex na 29ª Bienal de São Paulo.

*Publicado originalmente na edição impressa #10.