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José Olympio (Foto: Giovanna Querido / Fundação Bienal de São Paulo)
Postado em 08/12/2021 - 2:00
“Dessa vez quero mais ideias fora da caixa”
Reeleito para a presidência da Fundação Bienal de São Paulo, José Olympio Pereira elenca a arte indígena contemporânea como o maior legado da 34ª edição

Em reunião realizada ontem, 7 de dezembro, o Conselho de Administração da Fundação Bienal de São Paulo reelegeu o atual presidente da instituição, José Olympio da Veiga Pereira, para um segundo mandato, que se estenderá de 2 de janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2023. Em entrevista à seLecT, Pereira, que é Presidente do Banco Credit Suisse Brasil, elenca a arte indígena contemporânea como o maior legado da 34ª edição e destaca o enfrentamento dos desafios impostos pela pandemia da Covid-19 no âmbito digital. Na exposição Faz Escuro Mas Eu Canto e durante as atividades preparatórias on-line, chegou-se a uma visitação digital inédita, com 1,7 milhão de interações no Instagram e 1 milhão de pageviews no site da mostra. Sua primeira e mais importante decisão em início de mandato será a escolha do curador da 35ª Bienal de São Paulo, prevista para 2023. “Da outra vez, eu tinha uma ideia do que gostaria de fazer, agora estou mais aberto a outras ideias que curadores possam ter para a gente fazer uma coisa inovadora e diferente”.

Na última mesa da FLIP 2021, “Cartografias para adiar o fim do mundo”, Ailton Krenak disse que, quando lhe perguntaram se a Covid-19 havia nos ensinado alguma coisa, respondeu: “Por que você acha que a Covid deveria nos ensinar alguma coisa? A pandemia não vem pra ensinar, vem pra devastar as nossas vidas. Me perdoem os que são brancos, mas eu não sei de onde vem essa mentalidade de que o sofrimento ensina alguma coisa”. Uma visão surpreendente e desestabilizadora, como são as narrativas indígenas. Mas, no caso da 34ª Bienal, há lições a tirar da pandemia?

José Olympio Pereira: A maior lição que eu tirei é como usar uma crise como oportunidade. Ou, no dito popular brasileiro, como transformar o limão numa limonada. Nós vivemos momentos de grande incerteza, você se lembra, abrimos a Bienal em 8 de fevereiro de 2020, com a exposição individual da Ximena Garrido-Lecca e com a performance do Neo Muyanga e, a partir de março, tudo mudou. Vimos que não seria possível abrir a Bienal em setembro e, com esperança, adiamos para outubro, mas isso logo ficou evidente que não seria possível. E aí, o que fazer? Decidimos tomar partido desse tempo para nos aprofundar nos temas e questões propostos pela Bienal e criamos o programa A Bienal Tá On. Tivemos diversas visitas virtuais a ateliês de artistas, a publicação das cartas dos curadores, enfim, acho que nenhuma Bienal foi tão discutida e aprofundada quanto essa. Como aprendizado, eu diria “olhe as coisas como oportunidade”, que foi o que a gente fez.

O que será aproveitado dessa experiência digital em 2022?
A Bienal foi precursora no uso da internet. Isso foi uma iniciativa de 1996, que a gente fez lá atrás em parceria com o UOL. Só que, de novo, essa nova crise nos deu oportunidade de aprofundar o uso das mídias digitais. Nós tínhamos, no início de 2019, 90 mil seguidores no Instagram. Com os investimentos que fizemos, estamos com 360 mil seguidores e a meta é um milhão. Colocamos uma meta de chegar a 500 mil até o final de 2022 e a um milhão até o final de 2024. Passamos a olhar o Instagram não só como ferramenta de divulgação da Bienal, mas como um lugar para se falar de arte contemporânea em geral. Essa questão digital veio pra ficar, porque vimos o poder de acesso dessa ferramenta. A gente tinha aquelas visitas virtuais à Bienal, que eu acho ainda uma experiência muito fraca e que pode ser melhorada.

Mesmo o público presencial foi expressivo: sob a pandemia, a 34ª Bienal encerrou com um público de 700 mil pessoas (400 delas no Pavilhão e 300 nas instituições da rede de parceiras), considerando que a 33ª teve 736 mil visitantes. A que atribui esse desempenho?
Acho que havia uma ânsia de sair, de visitar, de ver arte, porque a nossa abertura coincidiu com um primeiro momento de abertura. Havia uma demanda reprimida e, mesmo com as restrições impostas pela pandemia, a gente teve um público notável.

Em quais cidades brasileiras e estrangeiras está prevista a itinerância da 34ª Bienal?
Estaremos indo para cidades onde nunca estivemos antes, como Belém, São Luís e Fortaleza. E as tradicionais: BH, Brasília, Campinas, São José do Rio Preto… Estou muito animado de dar acesso presencial ao público de outras cidades do Brasil.

Os atrasos em aprovações da Lei Rouanet começaram em 2020 e já previam um apagão da Cultura em 2021. A situação se torna ainda mais dramática neste fim de ano, com planos anuais de várias instituições indeferidos. Como a Fundação está se preparando para a grande paralização da política cultural? Qual foi a percentagem de recursos da 34ª Bienal oriundos de leis de incentivo e qual a perspectiva de captação para a próxima gestão?
Para a 34ª, nós conseguimos ampliar nossa rede de parceiros. Prorrogamos o nosso plano anual de 2021 para 2022, o que vai nos permitir captar dentro da Lei Rouanet, mas tem essa situação do decreto, que precisa ser regulamentado, e que está gerando muita ansiedade. A gente tem um diálogo construtivo com a Secretaria de Cultura e estamos dizendo a eles que isso tem de ser feito. Mas, concordo com você, existe muita preocupação sobre como a Lei Rouanet vai funcionar no futuro. A Lei Rouanet é o elemento fundamental de financiamento da cultura nesse país. A renúncia fiscal proporcionada por ela, do ponto de vista do tamanho de recursos, é ínfima, da ordem de R$ 1,2 a 1,3 bilhões… se comparado aos números que circulam de orçamentos e de emendas, tem-se a dimensão. É importante que ela seja mantida. Se não tivermos a Lei Rouanet funcionando, pode ser um impacto devastador no sistema da cultura do país.

Que outras fontes de recursos garantem a Bienal?
Nós temos 50% de recursos incentivados, dos quais o principal é a Lei Rouanet, e 50% vêm de verbas não incentivadas, das quais a principal é o aluguel do Pavilhão, prédio que temos em comodato por 40 anos. E a Prefeitura também nos dá uma subvenção para cuidar do prédio, o que é importante. Além disso, temos várias doações livres, como por exemplo dos membros do nosso Conselho Consultivo Internacional, e outras instituições brasileiras e internacionais, que são muito importantes, porque são parcerias institucionais que transcendem as gestões.

O que é o Conselho Consultivo Internacional, criado pelo senhor em 2016, por quem ele é formado e qual o peso dessas doações para o orçamento da Bienal hoje?
É relevante, ele é formado basicamente por pessoas do circuito das artes globais e colecionadores, que fazem contribuições anuais que levantam cerca de R$ 500 mil por ano como verba livre. Mas, mais importante que os recursos, é a conexão que os integrantes do Conselho Consultivo Internacional nos proporcionam no mundo. Isso, na época, foi uma sugestão minha, que o Conselho abraçou. Fui o primeiro presidente desse conselho, que hoje é dirigido pela Maguy Etlin. Mais importante que os recursos, era divulgar e conectar a Bienal com o mundo. São 16 membros de lugares como Holanda, França, EUA, Espanha, Argentina, Japão… que formam um network muito importante.

O senhor entrou no conselho administrativo em 2009, um ano após a curadoria de Ivo Mesquita deixar um andar inteiramente vazio, evidenciando uma das mais graves crises institucionais e financeiras vividas pela Fundação. Quais foram e são os principais instrumentos de gestão para recolocar a Fundação no trilho, com a devida sustentabilidade financeira?
De novo, toda crise tem a capacidade de criar uma oportunidade ou promover mudança. E foi o que aconteceu. A partir de 2009, a gente teve uma renovação na Bienal, primeiro com a liderança do Heitor Martins na diretoria, depois com uma renovação importante no Conselho. Nesses 10 anos houve um fortalecimento institucional muito grande. Nós criamos a figura do diretor superintendente, hoje com um profissional de altíssimo gabarito, que é o Antonio Lessa. E a maior conquista foi essa consolidação institucional da Fundação, com seu corpo técnico, suas equipes, seu profissionalismo, sua governança. A envergadura da Fundação Bienal cresceu muito, o que nos traz uma oportunidade de fazer mais coisas. Quando assumi, na primeira gestão, tinha planos de avançar na questão do Arquivo Wanda Svevo. Avançamos menos do que eu gostaria, então temos esse desafio. Tem outras ideias sendo gestadas, que vamos anunciar no ano que vem, para contribuir com o circuito das artes, usando a nossa força institucional. A gente tem condição hoje de fazer mais do que apenas organizar os eventos bianuais e a representação do Brasil nas bienais de Veneza.

Como será escolhido o projeto curatorial da 35ª Bienal, que acontecerá em 2023? Há uma chamada aberta de projetos?
A escolha do curador é uma prerrogativa do Presidente. Se você me perguntar qual é a decisão mais importante que eu tenho que tomar, é essa. Porque, se você erra nessa, é difícil consertar. Da outra vez, eu tinha uma ideia do que eu gostaria de fazer, isso foi dito em entrevistas. Convidei, a partir de uma orientação, alguns curadores que apresentaram propostas. A do Jacopo (Crivelli Visconti) foi a que eu julguei mais interessante. O Paulo (Miyada) também tinha apresentado uma proposta e o Jacopo o convidou como curador-adjunto, e a gente teve sucesso. Eu vou fazer um processo semelhante dessa vez, com uma diferença. Dessa vez, eu estou querendo ouvir ideias fora da caixa. A gente precisa fazer uma Bienal inovadora. Tem uma série de critérios que a gente tem que seguir mas, diferentemente da anterior, eu tenho menos orientação a dar e estou mais aberto a outras ideias que curadores possam ter para a gente fazer uma coisa inovadora e diferente, mas que cumpra o objetivo principal da Bienal, que é dar acesso ao público leigo e especializado, brasileiro e internacional, ao que está acontecendo de interessante na arte contemporânea global e brasileira.

Quantos curadores foram convidados para apresentar projetos para a 34ª e a quantos pretende pedir agora, para que venham essas novas ideias?
Eu conversei com vários curadores na última vez e três apresentaram propostas. Desta vez, gostaria de ter pelo menos três propostas. De três a cinco. Mas, também, não vou ter dez! Porque não funciona. A decisão sobre o novo curador tem de acontecer no início ou no primeiro trimestre do ano que vem.

Qual o maior legado, na sua opinião, da 34ª Bienal?
Tem um legado especial, que foi o espaço dado à arte indígena contemporânea. Tivemos oito artistas indígenas – 5 brasileiros e três internacionais – e eu quero crer que essa Bienal tenha contribuído para trazer à tona as questões e os desafios do indígena brasileiro. Outro legado foi a oportunidade de trazer essa figura que passou pelo mundo chamada Jaider Esbell, para articular na Bienal as suas questões. Que o exemplo de liderança e defesa dos direitos indígenas do Jaider inspire outros e que o legado dele fique.