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Postado em 10/04/2015 - 6:45
Doa-se arte
da Redação

A reportagem de seLecT acompanhou Tadeu Chiarelli na SP-Arte 2015 para a seleção de obras doadas à Pinacoteca do Estado de São Paulo

Quando se fala em feiras de arte, logo vem à cabeça os números, os valores das obras, as negociações, os impostos e tudo que pode ser ligado às finanças, pura e simplesmente. O que poucos conhecem são as ações filantrópicas perpetradas nesses eventos, um desconhecimento explicado, talvez, pela discrição do gesto. A reportagem de
seLecT acompanhou o recém-empossado diretor artístico da
Pinacoteca do Estado de São Paulo, Tadeu Chiarelli, na seleção das obras doadas pela Fundação Edson Queiroz, pela colecionadoraCleusa Garfinkel, pelo Iguatemi São Paulo e pela Galeria Leme (em parceria com o artista Jaime Lauriano) ao acervo da instituição, para compreender quais fatores são levados em conta na escolha. Além, claro, da reação de artistas e galeristas ao serem selecionados.

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Legenda: O artista Emmanuel Nassar e Tadeu Chiarelli observam uma obra de Sidney Amaral, artista representado pela Central Galeria de Arte (foto: Paulo D’Alessandro)

A SP-Arte está para doações assim como um oásis para o deserto, ou seja, acaba funcionando como catalisadora dessas ações por aglutinar num mesmo espaço galerias, artistas, doadores e curadores. Tanto é que, depois de nossa visita com o staff da Pinacoteca no primeiro dia da feira, a instituição ainda foi agraciada com a doação de uma obra de Rochelle Costi (Luciana Brito Galeria) pela colecionadora Renata Paula no sábado, penúltimo dia.

Começamos nosso tour pela Central Galeria de Arte, de onde Chiarelli pinçou um políptico do relativamente jovem Sidney Amaral, às expensas de Cleusa Garfinkel. Claro, a escolha não se deu à toa e nem pelo que o diretor conferiu in loco.

“A Pinacoteca tem uma equipe de curadores, que estudam o acervo, produzem as exposições e os catálogos. Por esse mergulho, eles estão sempre muito dentro da coleção, então conseguem diagnosticar quando ‘está faltando uma peça de fulano’ ou ‘obras de tal período’. A partir disso, vão traçando listas de prioridade nº1, prioridade nº2”, explica Chiarelli. Ou seja, instituição séria mapeia sua coleção para identificar lacunas a serem preenchidas e tendências a serem alimentadas.

No caso dos desenhos de Sidney Amaral, a iconografia remonta aos registros da vida dos negros africanos trazidos como escravos ao Brasil e dialoga com o acervo potente que a Pinacoteca já possui sobre a questão negra no país, com obras que remontam ao século 19 e vão aos anos 1950, 60 e 70, quando nomes como Emanoel Araújo e Rubem Valentim trazem um dado construtivo ao debate. Chiarelli tomou contato com a obra de Amaral em exposições recentes, aproveitando para levar à Pinacoteca nomes de gerações atuais.

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Legenda: Detalhe da obra de obra de Sidney Amaral (foto: Paulo D’Alessandro)

Esse diálogo entre períodos é crucial para manter o acervo de uma instituição vivo. É por meio da aquisição de novos artistas que os núcleos temáticos têm suas obras anteriores atualizadas. “O Sidney Amaral faz um trabalho de muita qualidade, e ao mesmo tempo conversa com artistas como Glauco Rodrigues, então pode trazer muita coisa para pesquisa, para estudo e para exibição”.

Também para os galeristas, o aval de uma grande instituição é mais que valorização de mercado: é o posicionamento do artista de forma significativa dentro da própria história da arte. Por isso, Wagner Lungov comemorou a aquisição da obra de Sidney Amaral: “Essa obra em especial esteve em Histórias Mestiças, no Tomie Ohtake e depois veio pro Museu Afro, então era uma obra que a gente queria que tivesse um destino legal. Indo para a Pinacoteca, é maravilhoso”.

Ainda no stand da Central, topamos com Emanuel Nassar, da Millan, um dos adquiridos pela Pinacoteca (doação da Fundação Edson Queiroz). Nassar teve sua primeira obra adquirida para o acervo da instituição, razão pela qual era um dos nomes da lista de prioridades nº1. “Veio em boa hora, estou feliz”, declarou o artista.

Precinho camarada

Ao ser perguntado sobre os valores das doações, Chiarelli repassa: “Quem conversa sobre valores é o Paulo (Vicelli, diretor de relações institucionais da Pinacoteca). Vou escolhendo, ele vai negociando”. Vicelli, por sua vez, sai pela tangente na hora de dizer os preços, mas concorda que os trabalhos giram em torno dos R$ 50 mil cada. Será suficiente?

“Eu chego pros marchands e falo ‘olha, eu não quero saber quanto custa, eu tenho R$ 50 mil, R$ 20 mil’; (eles respondem) ‘não, mas esse dinheiro não dá’; eu falo: ‘não quero saber, tô falando que tenho x’. Senão você não compra nada (risos)”, diz Tadeu.

Como todos os galeristas foram unânimes em dizer, na hora da negociação cada caso é um caso, mas há um exercício maior de boa vontade quando o cliente é um espaço de peso. “Ainda mais quando é uma instituição pública com credibilidade”, completou Lungov. Tadeu admite que, na hora da negociação fica claro o reconhecimento da representatividade de um museu, por sua função social e histórica.

Na Zipper, por exemplo, o diferencial ao fechar a venda financiada pela Fundação Edson Queiroz foi o desconto da comissão da galeria. “Todo o dinheiro irá direto pro artista”, diz o galerista Lucas Cimino. Que, no caso, é João Castilho, fotógrafo ganhador da primeira edição da Bolsa Zum IMS (2013), cujo corpo de jurados incluía o próprio Tadeu. Castilho comemora: “Fiquei feliz demais. É uma instituição que frequento desde que comecei a estudar arte, a fazer arte, e um dos objetivos do artista é ter suas obras no acervo de instituições onde possam ser bem guardadas, bem expostas, estudadas na posteridade, na contemporaneidade.”

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Legenda: Tadeu Chiarelli, Fábio Cimino e Lucas Cimino, da Zipper Galeria (foto: Paulo D’Alessandro)

A questão financeira realmente parece ficar em segundo plano. Nem artistas pensam no quanto ganharam nem galeristas cobram o de sempre quando negociam com instituições. Embora seja inegável o papel na valorização da obra do artista acarretado pelas aquisições feitas por essas entidades. “Eu sei que valoriza, mas não gosto de pensar assim”, diz André Millan. “Gosto de pensar que pro artista é muito bom estar numa instituição e para a instituição é muito bom ter uma obra do artista. Não dá para medir a questão de valor pontualmente. No caso do Emanuel (Nassar), há uma trajetória de 30 anos de trabalho, e é ela que se desdobra e leva à valorização.”

Focos de pesquisa

Na gestão de Chiarelli, a interdisciplinaridade e a produção tridimensional serão outros aspectos ressaltados no acervo. Daí a compra de uma grande escultura de parede de Daniel Acosta na Casa Triângulo, doação do Iguatemi São Paulo. “A interdisciplinaridade é uma coisa que me interessa. Quer dizer, eu entrei na Pinacoteca essa semana, né (risos). Mas acho que o próprio interesse de ter um Daniel Acosta por parte da instituição sinaliza o foco nessas relações.”

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Legenda: Obra que o Iguatemi São Paulo comprou do artista Daniel Acosta, representado pela Casa Triângulo (foto: Paulo D’Alessandro)

Para Ricardo Trevisan, ainda comemorando a aquisição, baixar o preço de uma obra para facilitar a compra por uma grande instituição é praxe. “Isso é normal, é básico no mercado do mundo inteiro”.

Também complementando o núcleo afro-brasileiro contemporâneo, Jaime Lauriano foi comprado com doação de Cleusa Garfinkel na Galeria Leme. O que era para ser aquisição única acabou saindo no esquema “leve dois e pague um” graças à colaboração de Eduardo Leme e do artista.

“Essas obras são uma grande alegoria sobre o papel do negro no Brasil. Essa aqui é uma muda de pau-brasil (dentro de uma caixa de vidro, doação de Garfinkel) e a ideia é que ela cresça e quebre essas amarras. Não é um diálogo óbvio, mas é uma outra faceta da questão racial no Brasil. Já o desenho desse Brasil negro e dessa África branca abre possibilidades de significação fantástica. Imagine numa exposição onde estejam todos esses artistas, você ter esse trabalho. Eu fiquei entusiasmado e o Edu (Leme) foi de uma generosidade incrível. Eu falei: você não quer doar? E ele falou: claro que sim, lógico, têm tudo a ver os dois trabalhos”, conta Chiarelli.

Leme não se vê como benemérito: “não sei se eu doei ou o artista doou (a obra de Jaime Lauriano). O Tadeu é um super parceiro, um cara excelente, e a Pinacoteca dispensa comentários. Tem tudo a ver as duas obras juntas. O Tadeu acha, o Paulo acha, a galeria acha, o artista acha, então é uma coisa boa pra todo mundo, principalmente pra Pinacoteca”. Certamente, ao visitar as exposições futuras do museu paulistano, o público vai concordar.

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Legenda: Tadeu Chiarelli e Marcelo Araújo trocam figurinhas no estande da Galeria Leme (foto: Paulo D’Alessandro)