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Postado em 10/09/2012 - 12:39
drama e delírio @ dOCUMENTA(13)
Juliana Monachesi

A 13ª edição da Documenta de Kassel chega ao fim na próxima semana envolta pelas sombras de guerras do passado e de ruínas do futuro

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Legenda: Esculturas do argentino Adrián Villar Rojas ocuparam o remoto parque Weinberg Terraces (Foto: Alessandra Monachesi Ribeiro)

Termina no próximo domingo, 16. E seLecT faz o balanço desta Documenta que foi incensada como a exposição mais importante do século.

Duas convicções se assomam ao longo da experiência da dOCUMENTA(13) e, mais importante, sedimentam-se com o passar do tempo após a maratona de percorrer em poucos dias mais de 30 espaços expositivos para ver as obras de mais de 180 artistas espalhadas pela (não tão pequena, afinal) cidade de Kassel. 

Primeira: o projeto da curadora Carolyn Christov-Bakargiev tem a densidade necessária para instaurar a reflexão a que se propôs sobre os contextos de conflito, guerra e estados de exceção em geral – passados e presentes – do nosso mundo. Segunda: dispersar a exposição por tantos locais – alguns fora de Kassel (e da Alemanha), inclusive – e plataformas enfraqueceu a proposta, chegando mesmo a esvaziá-la em alguns casos – como no infame parque de casinhas de boneca em que foi transformado o imponente Karlsaue.

(Trataremos do parque das infames casinhas de boneca em outro post, em breve.)

Uma atmosfera de tragédia, terror, colapso e trauma, mas também de protesto, renascimento e cura domina a dOCUMENTA(13) de ponta a ponta.

Está nos desenhos de maçãs de Korbinian Aigner (no museu Fridericianum), nos rostos de feridos na Primeira Guerra e artefatos africanos remendados da instalação de Kader Attia (também no Fridericianum), nos desenhos confessionais de Aníbal López (na Neue Galerie), nas foto documentais pró-direitos de minorias de Zanele Muholi (também na Neue Galerie), no teatro de sombras de Nalini Malani (na Documenta-Halle), nos desenhos e pinturas de Gustav Metzger (também na Documenta-Halle), no monumento em defesa de um rio mexicano em perigo por Maria Thereza Alves (no Ottoneum, o museu de história natural de Kassel), na obra de arte pública sobre enforcamentos históricos de Sam Durant (instalada no parque Karlsaue), nas tapeçarias de Hannah Ryggen, nos organogramas conspiratórios de Mark Lombardi (ambos no Fridericianum), nos excepcionais vídeos de Omer Fast (no Karlsaue) e Willie Doherty (na Hauptbahnhof), entre tantos outros exemplos.

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Legenda: Pintura sobre placa de aço de Gustav Metzger exposta na Documenta-Halle junto de uma série de desenhos que foram encontrados em 2010 no porão da casa de um parente do artista em Londres e que nunca haviam sido expostos (Foto: Juliana Monachesi / estúdio seLecT)

Apesar da conexão mais forte estabelecida com o Afeganistão, onde a dOCUMENTA(13) se desdobra fisicamente, e com Breitenau – campo de concentração nazista localizado 15 km ao sul de Kassel, local visitado por grande parte dos participantes da exposição em etapas de pesquisa e preparação de seus projetos, a convite de Christov-Bakargiev -, é com o Líbano que se estabelece o vínculo mais profundo desta Documenta, a começar pelos objetos danificados durante a Guerra Civil Libanesa (1975-1990) expostos na rotunda do Museu Fridericianum. 

Obras que em princípio haviam parecido especialmente dramáticas tornam-se teatrais à luz da memória. Enquanto que os trabalhos de efeito mais duradouro no espírito revelam-se os que pareceram mais sutis (e também os mais obscenos), a maioria assinada por artistas libaneses. Portanto, com base na prova do tempo de maturação, arrisco cravar que os trabalhos mais pungentes da exposição vêm do Líbano: The Pixelated Revolution (2012), de Rabih Mroué, Scratching on Things I Could Disavow (2007-em curso), de Walid Raad, e Time Capsule (2012), de Akram Zaatari.

O primeiro consiste em uma coleção de vídeos encontrados por Mroué no YouTube que flagram a morte de oponentes ao regime na Síria. Detalhe: o que unifica os vídeos – todos de baixa resolução, capturados por câmeras de celular – é o fato de terem sido feitos pelas próprias vítimas. Raad, em registro menos obsceno, pesquisa e colige as histórias de artistas e instituições de arte árabes para esboçar uma história da arte do mundo árabe. 

O formato de apresentação desta imprecisa e lacunar linha do tempo – exposta em um edifício de armazenamento que foi parcialmente reformado para abrigar uma mesquita e, como espaço expositivo da dOCUMENTA(13), identificado apenas pelo endereço, Untere Karlsstrasse 14 – é sobre painéis semidestruídos suspensos por cabos de aço no já pouco acolhedor galpão que abrigou a exposição de Walid Raad. Finalmente, a cápsula do tempo de Zaatari é constituída por uma estrutura que abriga duplicatas de fotos da coleção da Arab Image Foundation (AIF) encerrada em um bloco de concreto que foi enterrado pelo artista perto do rio Fulda.

Confira na galeria acima algumas imagens de obras citadas aqui e acompanhe a cobertura de seLecT ao longo desta semana.