icon-plus
Postado em 30/07/2015 - 6:33
Duras poesias

Imortalizadas na música “Sampa”, de Caetano Veloso, problemáticas da capital paulista inspiram curadoria da exposição Avesso do avesso do avesso do avesso, em cartaz na Sé Galeria

Sé - Do Avesso - Imagem 2

Legenda: “Ensacamento”, do coletivo 3Nós3. (Foto: Divulgação)

No encerramento da 11ª Virada Cultural, em São Paulo, Caetano Veloso fez o último show da turnê Abraçaço. Durante o bis, o público atingiu o pico de êxtase ao soar da famosa frase “alguma coisa acontece no meu coração”. Quem tem familiaridade com a dinâmica da capital paulista percebe que “Sampa”, música emblemática de 1978, fala dos elementos caóticos e belos, “a dura poesia de suas esquinas” da maior cidade da América do Sul. Poucas palavras são mais precisas do que “coisa” para definir a sensação provocada pela metrópole. É justamente essa coisa, esse “estado de atravessamento”, como define a curadora Maria Montero, que norteia a exposição “Avesso do avesso do avesso do avesso”, em cartaz na Sé Galeria.

Localizada no centro histórico de São Paulo, a galeria traz obras que, de alguma maneira, refletem sobre problemáticas da própria vizinhança do espaço expositivo. “Desde minha mudança para o centro da cidade, as percepções que tenho sobre sociedade, cidade e alteridade, viraram do avesso. Se a classe mais privilegiada, moradora desta mesma cidade, vive em estado de alienação, aqui faz-se impossível ignorar. Nosso espírito anímico-blasé se vê atravessado por um mal-estar, uma crise ética-moral”, comenta Montero no texto sobre a mostra.

Com o vídeo “Sem título”, Gustavo Ferro apresenta imagens de um homem, sem rosto e com mãos mecânicas, discursando acerca de tópicos que vão de trabalho a amizades, elucidando um tipo comum da região central da capital. O tom político da exposição aumenta em trabalhos como “Ensacamento”, composto por quatro fotografias do coletivo 3Nós3 (Hudinilson Jr., Mario Ramiro e Rafael França). As imagens registram uma ação do trio na qual cabeças de monumentos paulistanos foram ensacadas, em uma alusão clara à ditadura e censura.

A partir de um eixo curatorial voltado para questões especificamente paulistanas, a exposição fala também de assuntos sensíveis do cenário brasileiro. A curadora comenta no mesmo texto: “Não há mestiçagem mais potente do que aquela que se vê na Praça da Sé. Porque não se trata de uma questão de raça. É densa mistura complexa: sanidade e lucidez, Deus e diabo, bêbados, poetas, sábios, semi-deuses, bandidos, prostitutas, sangue, trabalhadores, fé e morte”. Neste contexto de personagens anônimos e elementos anárquicos, uma história se constrói, ainda que seja ignorada por aqueles de “espírito anímico-blasé”. Mas como cantou Caetano: “é que Narciso acha feio o que não é espelho”.

Serviço

Sé Galeria
Até 19 de setembro.
Rua Roberto Simonsen, 108, Centro, São Paulo
Quartas, quintas e sextas, das 14h às 19h. Sábados das 12h às 17h.
Grátis