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Postado em 06/03/2012 - 6:54
Em busca do ovo da serpente
Angélica de Moraes

Em O Cemitério de Praga, Umberto Eco cria um romance de enorme voltagem de denúncia política

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Legenda: Fotos: divulgação.

Não é uma leitura fácil nem o autor pretendeu criar um mero entretenimento. “Apenas editores de livros e alguns jornalistas acreditam que o público quer coisas simples. O público está cansado de coisas simples e quer ser desafiado”, diz Umberto Eco sobre seu romance O Cemitério de Praga.

O novo livro do escritor, teórico da comunicação e bibliófilo italiano situa a ação na segunda metade do século 19 e segue o estilo literário praticado na época, com acréscimos de flash-backs do cinema do século 20. Narra as aventuras farsescas e escusas de Simone Simonini, exímio falsificador de documentos cartoriais que, à noite, se disfarça para assumir a personalidade do abade jesuíta Dalla Piccola.
Eco volta a um de seus temas prediletos: a conspiração. Assim como no seu famoso romance de estreia (O Nome da Rosa, 1980), há um mistério a ser resolvido. O crime? A falsificação de um documento. A dúvida: quem é o falsificador? Nesse momento, como em inúmeros outros ao longo da narrativa, misturam-se fatos reais e inventados. E surge até um doutor Froïde, referência ao pai da psicanálise, Sigmund Freud, contemporâneo da ação narrada.

A falsificação realmente aconteceu e é a questão central de todo o livro. A investigação é pela autoria de Os Protocolos dos Sábios do Sião, texto apócrifo escrito no século 19 para denunciar suposta conspiração dos judeus para dominar o mundo. Esse texto forjado foi amplamente citado como verdadeiro no livro Mein Kampf (Minha Luta), de Adolf Hitler, fornecendo as bases teóricas que resultaram no nazismo e no Holocausto.

Equilibrando-se entre ficção e história, Umberto Eco traça uma envolvente narrativa que busca as origens do antissemitismo. Nota-se que o teórico da comunicação dirige a cena escrita pelo ficcionista. O personagem Simonini/Dalla Piccola encarna todos os preconceitos repugnantes veiculados em Os Protocolos e os defende em minúcias já no início do livro, criando uma barreira quase intransponível aos que não notam esse artifício da ficção de Eco.

A leitura literal apontaria uma defesa do antissemitismo, mas Eco está denunciando pelo avesso e pela ironia mordaz. Afinal, como observa o escritor, o que lhe interessa é a influência dos documentos forjados na construção da história. “Uma das principais características da linguagem humana é a possibilidade de mentir. O cão não mente. Quando ele late, isso significa que há alguém lá fora.”

O Cemitério de Praga, Umberto Eco

Editora Record, 480 págs.
R$ 49,40 (papel)
Breve em e-book

*Publicado originalmente na edição impressa #4.