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Postado em 15/08/2011 - 7:42
Em defesa das instituições
Juliana Monachesi

Resenha apaixonada publicada no NYT demonstra que jornalismo cultural sério pode sair tendenciosamente em defesa de um museu 

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Vista da exposição de tapeçaria no American Folk Art Museum (Marilynn K. Yee/The New York Times)

Na semana em que anuncia a compra de sua sede pelo vizinho MoMA para quitar uma dívida de 32 milhões da construção do edifício na Rua 53 Oeste, o American Folk Art Museum inaugura uma exposição de tapeçaria que a crítica do NYT Roberta Smith qualifica como uma “elegia ao potencial do museu”: “Como com outras áreas da coleção do museu, seu acervo de colchas é extenso e completo. (…) Aquelas em exposição agora confirmam o papel vital que elas tiveram na incrível história da arte folclórica americana. Elas combinam sem esforço histórias pessoais e nacionais com um tipo excepcional de formalismo caseiro, utilizando a todo o tempo tecido disponível e, em geral, humilde. Da mesma maneira que o mobiliário pintado e a cerâmica —ou mais ainda— elas estimulam uma expressão pictórica de livre alcance, fora das fronteiras tradicionais da pintura. Como as mantas Navajo, muitas podem ser incluídas entre exemplos da nascente arte abstrata na América do Norte pós-conquista”.

A resenha de Smith segue elogiosa, tratando a tapeçaria americana como precursora do rigor e da escala minimalistas, por exemplo, e termina conclamando os apaixonados a mudar a sina do museu, que após vender a sede que demorou doze anos para construir vai precisar voltar para sua “subdivisão apertada e incompatível” no Lincoln Square: “Colchas, como toda forma de arte, têm vida própria. Sua linguagem ilimitada prolifera na em-breve-antiga casa do Folk Art Museum na Rua 53 e também em uma mostra adicional de tapeçaria — todas as obras envolvendo estrelas— que pode ser vista em seu espaço na Lincoln Square. Elas desafiam qualquer um que as ame a ajudar este museu a ter sucesso”. Este exemplo de “crítica apaixonada” levanta a reflexão, por aqui bastante necessária, acerca do papel do jornalismo cultural: seria também sua função defender o fortalecimento e a vitalidade das instituições culturais?

Give peace a chance?

Primeiro, o “gancho jornalístico”: começava, no dia em que foi publicada a crítica, a cúpula de educação para a paz de Newark, no Centro de Artes Performáticas de New Jersey, com Dalai Lama como palestrante keynote. No átrio do Newark Museum, em localização próxima a do encontro, quatro monges tibetanos construíram uma mandala de areia colorida que, quase como manda o figurino, seria destruída ao final do evento de três dias (e não ao final da produção da mandala, segundo os “costumes”). A mandala funciona como introdução para o novo display da coleção de arte tibetana do museu, em mostra intitulada Tibetan Collection Centennial Exhibitions.

Como sempre em se tratando de Holland Cotter, a resenha da exposição tem a capacidade de fazer o leitor se deslumbrar com algum tipo de arte bastante inusitado para o comum dos mortais passando os olhos pelo caderno cultural do dia; assim, ficamos sabendo que uma enorme pintura retratando a divindade budista Guru Dragpoche era utilizada em um templo para manter bem distantes as doenças, “o que não espanta; sua imagem provavelmente ainda faz os germes saírem correndo em busca de abrigo”; ou, então, seguindo o argumento de que a exposição procura sugerir algumas das idéias religiosas e culturais que a arte tibetana pretendia transmitir para seu público original, descobrimos que o sábio indiano Atisha, na forma de uma escultura de bronze dourada, atrai a atenção com seu sorriso confiante: “Ele claramente tem algo a nos dizer que ficaremos felizes em saber”. Tudo isso, cúmulo da humildade do bem, o crítico afirma ter aprendido lendo as etiquetas da mostra, detalhe de uma expografia toda bastante elogia no texto. (Quem dera alguns críticos de SP fizessem ao menos isso: ler as etiquetas! Acham desnecessário. Pois um vencedor do Pulizter Prize pela excelência em textos críticos de arte é quem dá a dica…)

“O ressurgimento da coleção tibetana é por si só ocasião para alarido. De esculturas de divindades douradas a palitinhos de prata filigranados, isto são coisas assombrosas. E quase tão assombroso é como poucos nova-iorquinos têm conhecimento de que estes tesouros existem logo do outro lado do Hudson, ou sabem a história de como eles pousaram em Newark cem anos atrás.” Dada a simpática deixa, Cotter ainda faz um retrospecto minucioso de como a coleção se constituiu. E arremata contando que os monges que construíram a mandala vão varrê-la no último dia da conferência e levar o monte de areia em procissão até o rio, onde será despejada, procissão aberta – como a coleção de arte tibetana– a quem se interessa por beleza e por “dar uma chance à paz”. Clichê imperdoável mesmo a um vencedor do Pulitzer? Sim. Mas como censurar esse adorável crítico por ser levado pela empolgação?

Bacon, “leitor” de Soutine?

Soutine

Uma exposição na galeria Helly Nahmad confronta o legado de Soutine (autor da imagem acima, Still Life With Ray Fish, de 1924) com a obra do pintor anglo-irlandês Francis Bacon. “Em 1952, Bacon posou para fotografias com duas laterais de carne bovina presas, como asas, a seu torso nu. O gesto era provocativo, como o vestido de carne de Lady Gaga seria meio século mais tarde, mas também era deferente, um aceno a Chaim Soutine, cujas pinturas de carcaças balançando em baias de açougueiro vinham assombrando o mundo da arte desde uma retrospectiva no Museum of Modern Art em 1950”, escreve Karen Rosenberg, para sintetizar a aposta da exposição Soutine/Bacon, “um emparelhamento intenso das naturezas-mortas, paisagens e retratos de Soutine com as figuras aprisionadas e semi-esfoladas de Bacon”.

Espécie de conversa de mão única, a mostra privilegia a voz de Soutine, o que pode chocar o público em geral, afirma a jovem crítica do NYT, mas não há de espantar pintores em geral, que há tempos vêm extraindo inspiração abstrata e figurativa das “agitadas paisagens de carne de Soutine”. Depois de elencar diversas características que aproximam e distanciam os dois artistas, Rosenberg conclui que a exposição não trata realmente de identidade ou narrativa, ou mesmo temática. “É sobre pintura como ‘um ataque direto ao sistema nervoso’, como Bacon escreveu certa vez.”

Curtas (para o padrão deles, bem entendido)

As críticas breves desta sexta são dedicadas a exposições de Ibrahim El-Salahi, na galeria Skoto; Gillian Wearing, na galeria Tanya Bonakdar; Eric Fischl, na galeria Skarstedt; Carter Mull, na galeria Taxter & Spengemann; e Mark Grotjahn, na galeria Anton Kern.