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Postado em 28/07/2012 - 7:23
Entrevista com Amir Taaki
Nina Gazire

Diretor e co-fundador do projeto Bitcoin na Inglaterra fala sobre ativismo, software livre e de alternativas para o sistema financeiro atual

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Amir Taaki tem apenas 24 anos, mas possui uma carreira de peso no mundo do software livre. Antes de ter seu nome associado ao projeto Bitcoin, Taaki era um hacker e atendia pela alcunha Gengix, desenvolvendo videogames por meio da plataforma open source Crystal Space_ que permite criar animações e ambientes virtuais em 3D. 

Apesar de ser um dos nomes proeminentes do mundo da informática,  Taaki não tem celular, iPad, nem participa redes sociais. “Não tenho Facebook, nem celular, só um email”, ele afirmou antes de começarmos a entrevista realizada durante o 13º Fisl. Consigo, Taaki carrega apenas um monte de cadernos onde constantemente faz anotações. “A tecnologia tende a me tirar o foco”, ele explicou.

Foi em 2009, quando ganhava a vida como jogador profissional de poker on-line, que Taaki tomou conhecimento do projeto Bitcoin. Para quem não sabe o Bitcoin é uma moeda virtual criada por meio de um programa código aberto. As transações acontecem em redes Peer to Peer, permitindo a propriedade e transferência de valores de maneira anônima.

Criada em 2009 por Satoshi Nakamoto, a moeda pode ser trocada por bens e serviços em lugares que a aceitam ou ser convertida em dinheiro. Além disso, os usuários podem transferir e trocar Bitcoins entre si, sem intermediários. “O dinheiro passa direto de uma pessoa para outra através do sistema P2P, sem agências intermediárias repassando as fichas”, explicou Taaki durante sua participação no 13º Fórum de Software Livre, onde falou sobre a importância do projeto Bitcoin como sistema econômico alternativo e sobre como o software livre pode ajudar na criação desse novo modelo.

Por se tratar de um projeto de software livre, o Bitcoin possibilita que a criação de novas plataformas de transação e foi isso o que Taaki, ao lado de seu sócio Donald Norman, fez ao criar uma versão de câmbio britânica do Bitcoin, que ficou conhecida como Britcoin. Imbuído de um espírito ativista Taaki prega que o Bitcoin é uma das primeiras tentativas de criar uma moeda do mundo real, sem governos, sem bancos centrais, onde não há regras que resultem na especulação e dominação de uma minoria.

Em entrevista a revista seLecT, Amir Taaki falou sobre o projeto e sobre a semelhanças que os processos de criação de interfaces de programação possuem com o processo artístico e ativismo.

Você trabalhava com animação e videogames. Como você envolveu com a cultura de software livre?

Antes de mais nada, durante toda a minha vida eu estive envolvido com a cultura do ativismo e do software livre. Eu acho que esses são dois fatores fundamentais dos tempos de hoje. Temos esses dois modos de produção que são diferentes de tudo o que aconteceu até então. Programar é uma forma de arte. Se você pensar, a invenção da imprensa por Gutemberg levou a Europa a uma revolução cultural que deu origem ao iluminismo e ao protestantismo. E acho que o surgimento das linguagens programação estão gerando um efeito similar na atualidade. É como uma forma de arte onde cada programador acaba imprimindo nos códigos criados suas características pessoais e seu modo de pensar. O interessante_ e o que de fato realmente me atrai_ é que diferentemente de tempos anteriores, esses processos são colaborativos. Quando eu trabalhava como designer de videogames, eu me questionava se seria possível criar um videogame aberto, livre para outras pessoas transformá-lo.

Porque o Bitcoin pode ajudar nesse processo de criação colaborativa do qual você fala?

Antes de mais nada, existe um problema com a internet atualmente. Como viver dela sem ter que transformá-la em um supermercado? Você vê, por exemplo, o New York Times fechando o seu conteúdo e tendo que viver de anúncios publicitários. Diante desse cenário, como é possível financiar a cultura digital? O sistema financeiro atual não funciona. Bitcoin é uma alternativa, porque assim que você injetar um pouco de dinheiro na produção cultural sem impostos, intermediários, taxas. Por exemplo, durante dois anos eu vivi como jogador profissional de poker on-line. Se você chega as rodadas de apostas mais altas, você recebe dinheiro de graça para jogar. E quando as pessoas chegam nesse nível, elas não se importam mais com a jogada, elas apostam sem titubear. Mas se você vai para as rodadas onde as quantias são menores, por exemplo, de um centavo e que sai do seu bolso, as coisas ficam mais sérias. Você tem que pensar em estratégias, e sobre a possibilidade de ganhar dinheiro com apenas um centavo, mesmo que o montante a ganhar seja uma pequena quantia. Outro exemplo, são os vídeos do YouTube que possuem milhões de visualizações. Se uma pessoa ganhasse um centavo para cada visualização, ela teria um milhão de dólares, mas para onde vai o dinheiro das publicidades no YouTube de verdade? Penso que há um grupo de pessoas que adoraria fazer arte por meio da cultura digital porque são apaixonadas pelo que fazem. E se elas pudessem pagar suas contas vivendo disso, seria incrível! Por isso é importante termos um sistema financeiro que não atrofie o processo criativo. Para você entender, quando você vende um produto na Apple Store no valor de U$1,00, por exemplo, 20% é retido pela Apple. Isso é um absurdo!

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Quais são as vantagens do Bitcoin sobre o sistema financeiro tradicional?

A vantagem do Bitcoin é que ninguém controla a infraestrutura. É um sistema descentralizado, onde ninguém controla as transações. Eu tenho um amigo no Irã que contribui enormemente para a produção do software livre, mas por causa de questões políticas, como embargo econômico comandado pelos EUA, ele não pode se beneficiar financeiramente de suas criações. Ele não pode participar do sistema econômico global e isso é muito injusto. O governo Iraniano também não está nem aí, e quem sofre são os cidadãos. E isso não acontece não só em países como Irã. Eu estava em Amsterdã alguns meses atrás e eu não conseguia trocar dólares por libras. Havia apenas dois lugares onde poderia conseguir fazer essa transação, e um deles era a Western Union, para qual tive que pagar U$ 400,00 em taxas. Isso é revoltante! Estamos no século 21. A infraestrutura tecnológica por detrás dos bancos é ineficiente e ultrapassada. O Bitcoin não é regulado e não é controlado por apenas uma pessoa. Não é um sistema comandado por pessoas, apenas por matemática e criptografia. Não é comandado por leis e legislações. No sistema Bitcoin o governo não é simplesmente retirado de seu papel regulador, ele é desnecessário.

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Caderno de anotações de Amir Taaki, um de seus “notebooks”

Então é possível usar o Bitcoin para a sonegação fiscal? Vocês tem problemas com o governo britânico por causa disso?

Sim é possível. Você pode ter barras de ouro na sua casa, ninguém saber disso e não ter que pagar imposto sobre elas. Mas a maioria das pessoas paga os impostos por que isso é ilegal, certo? Estamos constantemente lidando com o governo inglês, e o governo não é uma entidade monolítica. A polícia de cibercrimes nos odeia. Uma vez saiu uma matéria em um telejornal afirmando que éramos uma lavanderia de dinheiro. Já as autoridades do serviço financeiro nos adoram. Isso é muito estranho, porque eles nos ajudam muito nos orientando com as leis que podem ser aplicadas e nos dão consultoria. As pessoas precisam entender que esse é um sistema que pode distribuir melhor a riqueza. Como qualquer tecnologia, ele pode ser tanto usado para o bem quanto para o mal.

Se o Bitcoin tivesse uma versão física que personagens você estamparia nas notas e nas moedas?

No início dos tempos, os humanos usavam coisas que eram símbolos de suas épocas em suas moedas. Os chineses usavam a figura de um escrivão, na época medieval, havia moedas com carruagens. Hoje temos moedas com aviões. Se eu tivesse que fazer uma moeda, eu a estamparia com coisas importantes pra mim, como as figuras históricas que considero importantes. Uma delas seria Ada Lovelace, que foi a pessoa que inventou a primeira linguagem de programação do mundo.

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