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Postado em 19/03/2015 - 6:18
Exploradores do futuro
Guilherme Kujawski

seLecT conversou com o curador Bernardo José de Souza que, inspirado pelo tema da ficção científica, ministra curso e prepara exposição no Parque Lage, Rio de Janeiro

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Legenda: Bernardo José de Souza por Fernanda Pandolfi

Bernardo José de Souza é curador independente e professor universitário. Entre várias outras atividades, foi curador do Espaço na 9ª Bienal do Mercosul (Porto Alegre, 2013) e participou da comissão do 19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil: Panoramas do Sul. Ele agora ministra na Escola de Artes Visuais do Parque Lage o curso Passado, presente e futuro – A ficção científica como estratégia política na arte contemporânea. A seLecT conversou com ele sobre como o gênero da FC, com suas perspectivas distantes de um futuro imaginário, começa a influenciar a atual produção de artes visuais; e também sobre a exposição que vai ser montada a partir dos resultados do curso.

Você acha que, em tempos de catástrofe, a produção artística se concentra em temas extraídos da ficção científica e das ciências climáticas como uma forma de “escapismo”? É mais fácil aceitar uma realidade apocalíptica assim?

Ao contrário, acredito que a ficção científica vem sendo utilizada como ferramenta política, ou mesmo como plataforma para lançar debates sobre uma série de questões prementes na agenda contemporânea, como mudanças climáticas, o impacto das tecnologias no tecido social, tensões entre regimes democráticos e totalitários etc.

Entretanto, vale dizer que há uma grande diferença na maneira como o cinema e a literatura ou as artes visuais lidam com essas questões, e mais especificamente com a própria ficção científica. Se, historicamente, Hollywood fez do cinema um instrumento político de dominação cultural, usado para a construção de cenários bélicos, distópicos ou apocalípticos, que marcavam a supremacia americana, na literatura a ficção científica surge como estratégia política para colocar em xeque o sistema, desafiando assim nossa própria compreensão das esferas cultural, científica e, logicamente, política.

Você pode detalhar um pouco como é o seu curso na EAV? E como ele vai se desdobrar em uma exposição?

O curso funciona como um programa para debater as questões norteadoras da exposição e também como mecanismo para identificação de jovens artistas que estudam no Parque Lage e que podem, eventualmente, ser incorporados à mostra. Desde o princípio, ela foi pensada como uma coletiva para reunir artistas já estabelecidos e em início de trajetória, brasileiros ou não.

Neste sentido, ao longo do curso será discutido o modo como nos relacionamos com o tempo na contemporaneidade (tanto o passado quanto o presente e o futuro) e a ficção científica como estratégia de enfrentamento das questões públicas e políticas de nosso tempo. Filmes, exposições e diferentes autores serão amplamente debatidos com o intuito de investigar a produção cultural que se debruça sobre esses assuntos.

Muitos curadores estão investindo em temas como ficção científica (Science Fiction: New Death, no FACT) e a era antropocena (Bienal de Taipé). Qual é o diferencial da sua?

Ela é menos uma exposição de obras que tratam abertamente da ficção científica. Pretendo que seja uma reunião de trabalhos que articulem questões relacionadas ao gênero e que dialoguem com o espaço do Parque Lage, que vai ser uma espécie de sítio arqueológico no futuro, onde podem ser encontrados os vestígios materiais ou mesmo imateriais de distintas civilizações. Por conta disso, a maior parte dos trabalhos são objetos, esculturas, imagens e performances que, em sua maioria, prescindem da linguagem verbal ou escrita para comunicar ideias ou gerar sentido. Isto é, são obras carregadas de força simbólica, icônicas ou iconoclastas. E aqui cabe mencionar que o próprio espaço do Parque – com seu palacete, gruta, aquário, oca, lavanderia dos escravos etc. – e mesmo a natureza ao redor, selvagem ou “domesticada”, além do próprio Cristo Redentor (que pode ser visto de lá), vai conviver em pé de igualdade com as obras de arte.

O Parque Lage será pensado como esta zona onde convivem temporalidades distintas, encontrada por civilizações futuras, humanas ou não, que aportam ao Rio de Janeiro após a cidade haver sido abandonada por motivos de força maior. É possível se pensar que o público cumpra este papel: o de explorador no futuro.