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Postado em 01/09/2014 - 7:30
Explosão de sabor
Luciana Pareja Norbiato

…e de cor e aroma, com as invenções mirabolantes do duo de designers gastronômicos britânicos Bompas & Parr, que fazem de festas de marcas de luxo à virada do ano em Londres

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Legenda: Multidão durante a queima dos Multisensory Fireworks, no réveillon de 2013 para 2014 (foto: Stefan Braun/Vodafone)

“Nós vemos o nosso trabalho sempre em competição com a vida noturna. Não importa onde criemos uma instalação, ela tem de ser melhor do que todas as outras diversões que as pessoas buscam em suas horas de lazer – seja ir a casas noturnas, a restaurantes e à ópera, seja fazer amor ou conversar com amigos sobre política, superstições e sereias. Ser competitivo leva a uma vida furiosa, mas interessante.” Deve ser por isso que Sam Bompas, 30 anos, autor da frase acima em entrevista à seLecT, vem criando as intervenções gastronômicas mais inventivas e estranhas do mundo ao lado do sócio Harry Parr, 31 anos.

Seja um “autêntico” almoço com Alice, a do País das Maravilhas, com lacaios vestidos a caráter e pratos de sabor inesperado, seja um drive-thru onde até o CD é comestível – um disco de mortadela com impressões em corante, projeto de 2012 para uma marca automobilística –, a dupla Bompas & Parr é o nome da vez quando o assunto é comida, festa e invenções que incluem gelatinas explosivas e fogos de artifício com cheiro de fruta. Como os que Londres ganhou na virada deste ano, à beira do Tâmisa, em parceria com a prefeitura da cidade. Os aromas? Peach Snow, Orange Bubbles, Banana Confetti e Strawberry Clouds.

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Legenda: Cesta de Natal que resgata as antigas provisões de aventureiros vendidas pela loja britânica Selfridges em 2011 (foto: Ann Charlott Ommedal)

Ambos os sócios eram dois garotos que tocavam (mal) na orquestra de um colégio interno, quando fugiram para Londres para trabalhar com comida, um talento que tinham em comum. Harry cursou arquitetura, Sam colecionou empregos, “incluindo pesquisador de parlamentar e gerente de uma agência de acompanhantes”, até que fundaram a Bompas & Parr, em 2007.

“Estreamos a dupla como algo divertido de se fazer no fim de semana. Mas, após um mês, estávamos servindo Victorian Breakfasts de 12 pratos em três cozinhas profissionais, com mais de mil peças de cutelaria. Foi um aprendizado intensivo.” Hoje em dia contam com uma equipe fixa de dez pessoas, além de buscar consultoria com especialistas em física, química e pirotecnia. A divisão de tarefas entre os dois aconteceu naturalmente, com Bompas tomando a frente das invencionices e Parr desenvolvendo as soluções para pô-las em prática. Ou, como Harry diz, “eu crio os problemas e ele os resolve”.

Gelatinas e arquitetura

Suas jellyarts são famosas. Já reproduziram aeroportos (Barajas), palácios (Buckingham) e cartões-postais como a abadia de Westminster. A guloseima foi adotada pela dupla pela capacidade de absorver os mais variados sabores e modelos, além de ser a sobremesa emblemática do Reino Unido. Uma das últimas empreitadas gelatinosas foi uma versão que brilha no escuro, como os sorvetes Cornetto desenvolvidos para a première mundial do filme Heróis de Ressaca, em julho do ano passado, em Londres.

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Legenda: Reprodução do Palácio de Buckingham em gelatina (foto: Ann Charlott Ommedal)

É possível saber detalhes pelo site da dupla de como encomendar os moldes para fazer gelatina no formato desejado pelo cliente. Virtualmente, são vendidos também três dos quatro livros de receitas da dupla. “Meu favorito é Tutti Frutti with Bompas & Parr and Friends, o mais recente. Uma publicação sensual, traz abacaxis arquitetônicos, espaços controlados por bananas e uma gama exuberante de receitas com frutas”, declara Bompas.

Mas nem só de gelatina vive a B&P. Ao mesmo tempo que o duo dominou as possibilidades do doce, a ponto de reproduzir um mar esverdeado ao redor do navio-museu Great Britain com 55 mil litros dele (2012), partiu para outras dimensões. “Começamos usando técnicas arquitetônicas para construir gelatinas e abrimos o foco para trabalhar com comida em escala arquitetônica.”

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Legenda: Chromatopsia (2013), ação com corante natural e luzes em rio do Olympic Park (Londres) (foto: Nathan Pask)

Um exemplo é o Architectural Punchbowl (2009), um prédio adaptado em parceira com um engenheiro para uma marca de conhaque, com capacidade para abrigar mais de 4 toneladas de ponche em todo o seu primeiro andar. Dava para embebedar cerca de 25 mil pessoas, que também podiam fazer um rafting na bebida sobre limões gigantes de espuma.

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Legenda: Mulher navega pelo Architectural Punchbowl (2009) (foto: Barney Steel)

“O maior desafio foi, provavelmente, o nosso projeto recente, The Tasting Rooms, para uma cervejaria em Dublin. Lá, integramos umidificadores a sistemas de dosagem de aromas para criar enormes colunas de vapor, de forma que os visitantes possam descobrir os sabores da cerveja antes mesmo de dar um gole. O projeto está aberto para 1,4 milhão de visitantes por ano.”

É natural o trabalho da dupla ter chegado ao status de arte. Foi mostrado por aqui em um simpósio sobre arte e gastronomia do MAM-SP no início de 2013. “Nosso objetivo é criar experiências imersivas que encantem. Primeiro, focamos o paladar. Nem todo mundo tem contato diário com arte, mas todo mundo come. Todos podem ter uma opinião válida sobre comida. Por isso, ela é um meio sedutor para a criatividade. Jogue na mesa uma gelatina arquitetônica ou lanças medievais com pedrarias e todo mundo tem uma reação poderosa. Eu queria que o mesmo fosse verdade com todas as obras exibidas nas galerias de arte!”

*Reportagem publicada originalmente na edição #19