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A exposição do artista britânico Ron Mueck na Pinacoteca de São Paulo atraiu 400 mil visitantes em três meses (Fotos: Divulgação Pinacoteca de São Paulo)
Postado em 27/07/2016 - 6:14
Exposições prêt-à-porter
Mostras com artistas de grande projeção internacional influenciam saúde financeira de instituições e geram debate sobre linhas curatoriais
Camila Régis

Em breve, David Bowie Is se tornará a exposição itinerante mais visitada da história do Victoria and Albert Museum, de Londres. Composta de mais de 300 objetos, incluindo letras escritas à mão, desenhos de figurinos e cenografias, a mostra já atraiu mais de 1,5 milhão de pessoas em quatro continentes – e continuará viajando pela Europa e Japão até 2018. O merchandise da exposição David Bowie Is arrecadou 3,6 milhões de libras apenas em Londres e o catálogo, traduzido para sete línguas, vendeu mais de 160 mil cópias.

Parte desse sucesso até pode ser atribuído à morte de Bowie, em janeiro deste ano. O interesse na obra de artistas post-mortem é sempre acentuado. Mas a mostra foi a terceira mais visitada na história do Museu da Imagem e do Som de São Paulo, em 2014, com 80 mil visitantes pagando ingressos que variavam entre R$ 25 (antecipados via internet) e R$ 10 (na bilheteria). Na frente de Bowie, no ranking, estão O Mundo de Tim Burton, vista por 100 mil pessoas, e Castelo Rá-Tim-Bum, que recebeu 410 mil visitantes. As filas quilométricas, a disputa por ingressos e a espera para entrar no museu em dias gratuitos se tornaram características desse gênero de exposição essencialmente popular.

Instituições como o Centro Cultural Banco do Brasil e a Pinacoteca do Estado de São Paulo trouxeram no ano passado pelo menos uma mostra estrangeira com figuras de grande projeção e garantiram colocações na lista de exposições mais populares da publicação The Art Newspaper. O Instituto Tomie Ohtake iniciou seu ciclo de grandes exposições em 2015 com uma retrospectiva de Salvador Dalí. Depois vieram Joan Miró, Frida Kahlo e agora Pablo Picasso. Desde Miró, os ingressos podem ser adquiridos via internet. “A existência de grandes filas, mesmo que reflita o interesse do público, acaba se tornando uma perda de tempo e energia que merecem ser dedicados às obras”, diz Paulo Miyada, curador do Tomie Ohtake à seLecT.

Frida Kahlo – Conexões entre Mulheres Surrealistas no México recebeu 600 mil pessoas; e Ron Mueck, na Pinacoteca, contabilizou 400 mil ingressos. Caso diferente de exposições de artistas contemporâneos como Mona Hatoum, que em sua exposição na Estação Pinacoteca recebeu apenas 16.903 visitantes, segundo dados oficiais.

Filas dobraram quarteirões para a mostra de Ron Munck na Pina, em 2015
Filas dobraram quarteirões para a mostra de Ron Munck na Pina, em 2015

“Esse movimento é fruto de anos de trabalho criando exposições interessantes, que fez com que o público se reaproximasse dos espaços culturais e os abraçasse”, diz Marcello Dantas, que assinou a curadoria de ComCiência, exposição da australiana Patricia Piccinini. A mostra recebeu mais de 260 mil pessoas no CCBB-SP, no ano passado. “Acho que conseguimos trazer uma nova classe social pra dentro do museu, num processo de inclusão cultural semelhante ao de inclusão social que o Brasil vive desde o início dos anos 1990. Essa classe nunca havia estado antes no museu – que sempre fez questão de ser elitista”, completa Marcello Dantas.

Superprodução e crítica
O funcionamento dessas exposições exige o trabalho de uma teia complexa de profissionais. “A equipe dos artistas, museus e transportadoras acompanha todo o processo. Sempre temos de redesenhar e adaptar às necessidades dos públicos de cada espaço ou nacionalidade”,  diz Angela Magdalena, produtora-executiva da mostra de Marina Abramović, no Sesc-Pompeia.

“A importância de mostras de grande investimento, que trazem obras que raramente podem viajar ao País, é fortalecer a presença do Instituto como lugar de excelência na promoção da cultura”, continua Paulo Miyada. “Mas isso não teria sentido se não estivesse encadeado com uma programação múltipla”. Em Picasso: Mão Erudita, Olho Selvagem, ele destaca os cursos de historia da arte e debates ligados ao contexto político e social atual. “Essa multiplicidade, concomitância e entrecruzamento é fundamental para nós, pois é ela que garante que uma iniciativa como a atual seja uma camada destacada por seu grande apelo para novos interlocutores, mas nunca um espetáculo isolado.”

O debate sobre modelos e dimensões de exposições é frequente. Em julho do ano passado, Wim Pijbes, então diretor do Rijksmuseum, de Amsterdã, esteve em São Paulo para participar de um seminário na Biblioteca Mário de Andrade. Responsável por uma série de mudanças institucionais, Pijbes duplicou a visitação do museu reinaugurado em 2013. Ele falou sobre megaexposições, disponibilizar acervos online para download gratuito, popularidade e o fenômeno das selfies em museus – e sobre a impossibilidade de o museu interferir nessa maneira superficial de interação. Então, um historiador de arte o interrompeu e perguntou: “Mas isso não é como ir a um playground?” As indagações provocaram intenso debate.

Na contramão do pensamento de Wim Pijbes – que deixou a direção do Rijksmuseum para comandar o Voorlinden, museu de arte contemporânea na costa holandesa – aparecem figuras como Francesco Bonami, curador-geral da 50ª Bienal de Veneza, em 2003. Batizada de Sonhos e Conflitos, A Ditadura do Espectador, a mostra debatia a relação entre o público e a obra de arte. Na época, Bonami declarou que mostras blockbusters atuavam como “máquinas de publicidade” para atender o que os grandes públicos desejam. Entretanto, a Bienal daquele ano teve 260 mil visitantes, número não tão impopular assim. Se as exposições viraram reféns do olhar do público, não se sabe exatamente. Mas do fato de que ele está olhando, ninguém duvida.