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Postado em 10/07/2013 - 3:30
Fala, Fábio Malini
Giselle Beiguelman

Big Data das manifestações mostra que a atividade política acontece na confluência das redes com as ruas

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Legenda: Gráfico da movimentação dos ativistas gerado a partir de dados colhido no Twitter 

Esqueça aquele tempo longínquo em que a regra do bom jornalismo assentava sobre cinco Ws – Who (quem), What (o que), When (quando), Where (onde) Why (por que) – e mais um H (How, como), quando o tema apelava a um certo tom investigativo. Estamos na era dos 5Vs: Velocidade, Volume, Variedade, Veracidade e Valor. Isso resume a expressão Big Data, massas informacionais de assuntos integrados que pululam em servidores de grandes serviços como o Google, o Facebook, e o Twitter e sistemas governamentais ou de atendimento ao público, como empresas de transportes urbano e redes de infraestrutura (esgotos, eletricidade, lixo etc.).

A capacidade de ler e dar visualidade às instâncias geradas pelos números, interpretando os comportamentos que revelam, mobiliza especialistas do mundo todo e põe em relevo a figura emergente do curador de informação. Termo que já vem sendo bombado, há algum tempo, nos circuitos de marketing de redes sociais, diz respeito a um profissional que cria parâmetros de tradução e interpretação de variáveis como #vemprarua, capazes de indicar as matizes nebulosas, à primeira vista, de fenômenos como as manifestações que tomaram as ruas do Brasil recentemente.

É impossível negar. Junho entrou para a História do Brasil como o mês em que a população saiu de casa, saiu do armário, foi para a rua. Quem acreditava que a noção de revolução molecular de Felix Guattari era mero efeito retórico, teve que engolir seus ranços. As multidões provaram que o filósofo-psicanalista estava certo. Nos anos 1980, ele já havia mandado avisar:

De que serviria, por exemplo, propor às massas um programa de revolucionarização antiautoritária contra os chefinhos e companhia limitada, se os próprios militantes continuam sendo portadores de vírus burocráticos superativos, se eles se comportam com os militantes dos outros grupos, no interior de seu próprio grupo, com seus próximos ou cada um consigo mesmo, como perfeitos canalhas, perfeitos carolas? De que serve afirmar a legitimidade das aspirações das massas se o desejo é negado em todo lugar onde tenta vir à tona na realidade cotidiana?

Foi esse o mote que parece ter movimentado (e está movimentando) as multidões no Brasil hoje. São as suas respostas que o Labic – Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura – da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) mapeia a partir da coleta de dados em redes sociais. Esses mapeamentos evidenciam, por exemplo, que a postura do coletivo cidadão que foi para as ruas é para lá de complexo, não tendendo a nenhum centro de referência. Como mostra a imagem abaixo, que mapeia as posturas em relação ao governo federal, tomando “Dilma” como palavra-chave. As manchas em azul-claro estão relacionadas a tuítes contrários à presidente, rosas, os a favor. Os verdes são a grande surpresa. São os tuítes que se imbricam a todas as linhas. E são todos de ativistas. 

 

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Legenda: Visualização da reação das redes à Dilma no Twitter mostra emaranhado de tendências (Imagem: Labic)

“Essa é uma rede que narra fatos que nenhuma das duas outras gosta muito de discutir: a relação entre gastos públicos e Copa, a questão indígena, a crítica do que é esquerda e direita… São inúmeros temas. Essa mancha [verde] tem perfil mais independente. E ganha relevância na conversação na rede. Possui alta conexão com as redes que circundam o centro do gráfico. Isso significa que são perfis muito conectados com as ruas”, diz o Prof. Dr. Fábio Malini, coordenador do Labic.

Na entrevista a seguir, Malini explica o trabalho do Labic e o que o Big Data das redes tem a nos dizer sobre as ruas e as redes do Brasil hoje:

Quando vocês começaram a observar as manifestações, qual foi a primeira hashtag que analisaram?

A primeira hashtag analisada foi #passelivre. Isso porque acreditávamos que o fenômeno das manifestações estava localizado em São Paulo, uma cidade bem conectada e populosa. Mas, percebemos, que a hashtag não gerava tráfego intenso. E que fazendo a extração somente de #passelivre perderíamos a atuação de atores fundamentais, como a imprensa, que, tradicionalmente, é avessa à utilização das hashtags. A solução foi usar a palavra tarifa e protesto. Duas palavras-chave que reuniam muitas outras hashtags. A decisão foi acertada. Com a primeira, identificamos todo o discurso de indignação contra a dificuldade de se movimentar e habitar na cidade. Com a segunda, conseguimos uma cartografia da diversidade do movimento no Brasil: protestorj, protestoES, protestoSP, enfim, uma diversidade incrível de atuação na rede.

Fica claro, analisando as imagens geradas, que o método foi sendo criado, conforme os fatos e as situações aconteciam, correto?

Sim. Quando fazemos um trabalho com ciência dos dados, é preciso estar muito junto do objeto. Todos nós, aqui no Labic, somos ativistas digitais, atuamos em movimentos do direito à cidade etc. Então fomos acompanhando, por um lado, o movimento; por outro, a rede. O resultado foi #vempraRua, #giganteacordou, #rua, #contraoaumento, enfim, mais de 30 tags foram reunidas no sistema de extração de dados que desenvolvemos, usando o Twitter, Facebook e Instagram como base de mineração de dados.

Quais foram os momentos mais surpreendentes desse processo de análise e quais as hashtags mais importantes?

Certamente o momento que identificamos um terceiro grupo, cheio de relações na controvérsia envolvendo a palavra “Dilma”. Na maior parte das redes políticas partidárias há uma bipolaridade: quem é contra e quem é a favor. A rede mostra duas dinâmicas: uma terceira via (crítica ao governo e à oposição, mas não ligada a partidos políticos). E uma enorme diversidade de nós – que são perfis no Twitter – se movimentando autonomamente. Ali já dava para apostar que uma base social incrível se movimentava para construção de novos direitos. E, ao mesmo tempo, NENHUMA hashtag conseguia ser a protagonista da história. Cada grupo social enredado elegia a sua ao mesmo tempo que participa de muitas outras.

Sem dúvida, no entanto, há o #vemprarua, o #passelivre, o #ogiganteacordou e o #copapraquem e #euapoioDilma que são redes ricas de relações, posições e conteúdos, que ajudam a explicar a transformação social que vivemos. Digamos também que são novos lugares da historiografia contemporânea. Eu destacaria essas três. O melhor estudo ainda estea por vir. Vai ser o retrospectivo. Sem dúvida que há uma enorme sedução de trabalhar com o Big Data para antecipar movimentos. Mas, na nossa opinião, existe uma correlação entre as hashtags, um habitat novo da linguagem. Há aqueles que tuitavam #contraoaumento. E que depois tuitavam #protestoSP. As pessoas pulam de um lugar para outro, conforme suas reivindicações vão sendo alcançadas.

Então, podemos dizer que as hashtags não se impõem porque se alternam muito, são fluidas. Ou não se impõem porque há muitas correndo simultaneamente?

Não se impuseram no Brasil porque há grupos políticos completamente distintos nas ruas. Há todos os setores da sociedade na rua. Cada um deles com hashtags próprias. Mas eles não conseguem ser proprietários delas: há contaminação mútua, disputas, tentativas de convertê-las em outro sentido. Por outro lado, não há um grito comum no país, como existe na Espanha contra o bipartidarismo e contra o desemprego. No Brasil, vivemos, há pelo menos dois anos, múltiplas lutas e sintomas de sujeitos sociais no sufoco com padrão de desenvolvimento urbano em função de projetos grandiosos sem forte participação popular. #SomosTodosGuaraniKaiowas, dizíamos até há pouco tempo. Esse era um grito coletivo, comum. Agora o grito é múltiplo e intenso.

Saiba mais: Labic