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Postado em 09/02/2012 - 6:05
FILE cria arquivo vivo das memórias digitais
Juliana Monachesi

A coordenadora do projeto, Gabriela Previdello Orth, fala sobre mediação e preservação digitais em entrevista à seLecT

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Na era da reformulação e reinvenção do papel dos museus e das bibliotecas no futuro, um modelo de arquivamento saiu na frente: o do arquivo digital de instituições como o Ars Eletronica e o FILE – Festival Internacional de Linguagens Eletrônicas. O festival austríaco está desenvolvendo uma plataforma que atualmente já contém 116.000 itens lançados e possui capacidade de armazenamento de 60 terabytes. A publicação progressiva em formato de arquivo online está sendo estudada pelo Ars Electronica Archive. A coordenadora do FILE Arquivo, Gabriela Previdello Orth, que atualmente também desenvolve pesquisa de mestrado em Ciência da Informação na ECA, contou à seLecT quais são os desafios de arquivar para o futuro.

Quais teóricos e que plataformas tecnológicas serviram de inspiração para criar o novo banco de dados do FILE? Em outras palavras, este é um campo inteiro a ser fundado, de modo que muita coisa precisou ser completamente inventada do zero, ou existem parâmetros conceituais e também técnicos já estabelecidos?

Gabriela Previdello Orth – A grande inspiração para o desenvolvimento deste recente trabalho do FILE Arquivo encontra‐se nas próprias obras que as instituições de mediação de arte eletrônica e digital preservam e referenciam. Trabalhos artísticos que têm como poética a intervenção nas mídias de informação e nas noções de documento são conteúdos potenciais incorporados em nossa metodologia. Estes trabalhos também estão no FILE Arquivo, em nosso contexto e rotina de trabalho. Citaríamos apenas alguns como Cultural Analytics, Carnivore, Medienfluss Botaniq, Transductores e O Avator. Estes são trabalhos que tangenciam os conceitos de arquivo, documento, autoria, mediação, etc. e conseguem, em sua experienciação, inspirar nossos fluxos de informação.

O FILE flui naturalmente por uma abordagem filosófica em momentos de (re)estruturação de suas dinâmicas. O Arquivo segue neste trânsito por meio dos teóricos desconstrutivistas e pós‐estruturalistas e em linhas que discutem a epistemologia da pós‐modernidade e da cibercultura. Traços do discurso de Michel Foucault, Gilles Deleuze, Jean Baudrillard, Jaques Derrida, Félix Guattari, David Harvey, Vilém Flusser, Lev Manovich, Frank Popper, etc. são reconhecidos em nossas práticas.

De maneira mais pragmática, na observação de plataformas tecnológicas que organizam informação de arte contemporânea, ou seja, olhando para nossa contextualização como instituição, podemos citar os trabalhos do Rizhome, ARS Eletronica, V2, Archiving the Avant‐Garde e o Forgin the Future. No entanto, tomar uma plataforma específica como modelo pode não corresponder às expectativas que uma instituição espera na organização de suas informações; o melhor é customizá‐la.

Em relação à sensação de novidade na estruturação deste campo, acredito que por vezes nos confundimos olhando para o futuro desconsiderando pesquisas precedentes. As práticas de arte eletrônica e digital são recentes sim, no entanto, a documentação dentro do escopo da arte é trabalhada há séculos e mesmo as práticas mais contemporâneas baseiam‐se na preservação do objeto, descrição da obra e disponibilização para o público. Os acervos da área se depararam com um material de característica muito específica, com urgência de tratamento especializado por conta da rápida obsolescência de suas mídias, mas já funcionavam como aparelhos informacionais potenciais e, portanto, já operavam, mesmo que intuitivamente, no escopo da documentação. Com o FILE não foi diferente. Atualmente encontramos analogia com toda uma área desenvolvida na Ciência da Informação que abrange a Museologia Contemporânea, a Documentação e a Arquivística.

São questões de autoria, interfaces e organização de conteúdos específicos ‐ principalmente performances, que não encontram correspondentes metodológicos nas práticas de documentação tradicionais. O que levantamos nestas pesquisas são perspectivas de seleção, mediação e disseminação desta informação para acrescentar hipóteses de documentação que façam inferência aos discursos contemporâneos.
O FILE é um festival de arte eletrônica e digital contextualizado na pós‐modernidade, portanto confere uma liberdade instigante no trato com seu acervo e prioriza as práticas de potencialização de seus conteúdos.

Como está acontecendo a implementação do novo arquivo? Quando vai ser lançada a nova plataforma? Tudo estará disponível on‐line para consulta?

Gabriela Previdello Orth – O principal diagnóstico que fizemos ao analisarmos a dinâmica do FILE Arquivo, a partir de 2008, foi que o mais urgente a ser feito era o trabalho nas relações de mediação que o FILE Arquivo mantinha com seus interlocutores e com outras instituições. O Arquivo foi organizado seguindo a dinâmica do Festival e de maneira conjunta pelos profissionais que atuaram estes 12 anos na plataforma. Nas nossas condições atuais de trabalho possíveis, perderíamos a organicidade deste tratamento, em troca de uma pasteurização do conteúdo, por um custo muito alto. 

Optamos pelo trabalho em módulos na plataforma tecnológica ‐ nesta primeira etapa estão sendo feitas mudanças nas fichas de inscrição, que são a principal porta de entrada das informações do Arquivo e ampliamos nossa rede de comunicação e ação in loco, através de encontros e pesquisas com o público, os artistas, outras instituições e a própria equipe.

Não temos um pacote pronto que será instalado e disponibilizado. A rede é importante para consulta, mas no momento não é estratégico para o Festival disponibilizar todo o conteúdo do Arquivo online. Sempre enfatizo que o FILE não detêm os direitos autorais das obras exibidas no Festival e, portanto, manter um link para os trabalhos ou para a descrição dos mesmos foi a opção da instituição. A consulta ao Arquivo é livre e interesses mais específicos são feitos através do email: filearquivo00@gmail.com.

Como um arquivo como o do FILE poderia ensinar às bibliotecas e outras instituições que trabalham tradicionalmente com mídias físicas e analógicas a se preparar para a era digital? O que muda na maneira de arquivar, de pesquisar e de aprender?

Gabriela Previdello Orth – A principal experiência que podemos passar às bibliotecas e outras instituições, é que a transição do material analógico para o digital não é apenas um processo operacional. Toda a ambiência virtual e as mídias digitais criam um espaço de tensão entre a efemeridade e a não‐linearidade dos contextos contemporâneos em contraponto à necessidade vital de perenidade de arquivos e acervos. Sendo o FILE um arquivo de arte que trabalha com propostas contemporâneas no conteúdo de suas obras, ele colabora para a investigação de preservação de objetos produzidos em múltiplas mídias e para novas práticas de tratamento e organização de documentos.

As práticas do FILE Arquivo exemplificam que o novo documento digital que aparenta desestruturação nas suas primeiras operações de organização, termina por se reestruturar em outros contextos ou mídias. Assim, seguem em um processo dinâmico de constante atualização e retroalimentação de suas informações. O tempo dos documentos empoeirados, esquecidos e abandonados pode estar chegando ao fim com a digitalidade.

Confira uma lista de links sugeridos por Gabriela Previdello Orth:

Archiving the Avant‐Garde

ARS Eletronica

O Avator

Botaniq

Carnivore

Cultural Analytics

Forgin the future

Medienfluss

Rhizome Art Base

Transductores

V2