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Jennifer Egan, a musa da décima Flip
Postado em 17/05/2012 - 6:50
Flip, 10 anos: medalhões e medalhinhas
Algumas novidades, vários bem-vindos acenos à tradição e muitas velharias dão a tônica da décima Festa Literária Internacional de Paraty
Ronaldo Bressane

Entre as novidades da Flip, mais importante festival literário do país – cujo formato hoje é replicado em muitas outras festas de livros, como a Fliporto (Pernambuco), a Flipoços (Poços de Caldas/MG), a Flop (Ouro Preto/MG), a Flupp (UPPs cariocas) etc etc, saude-se a visita da norte-americana Jennifer Egan.

Seu A Visita Cruel do Tempo, centrado em personagens secundários da indústria fonográfica, provou ser possível a reinvenção do romance e a aproximação crítica do gênero à cultura pop. Só se espera que a participação de miss Egan, 50 anos, não seja usando um powerpoint… recurso de que a narradora se valeu em um dos mais criativos capítulos-contos de seu romance. Egan conversa com um dos autores de passagem mais destacada pelas Flips, Ian McEwan – que escolheu Paraty para lançar mundialmente seu novo romance, Serena.

Personagem emergente da cena contemporânea é Teju Cole, nigeriano-americano de 37 anos, cujo hipnotizante romance Cidade Aberta tem sido comparado a WG Sebald, Roberto Rosselini e Albert Camus. Cole divide a cena com a carioca-argentina Paloma Vidal, que publicou o ótimo e pouco conhecido Algum Lugar. Um dos autores mais incensados da cena contemporânea, Jonathan Franzen, autor de Liberdade –, um baita novelão yankee, na modesta opinião deste repórter – ganhou direito a uma mesa só para ele, regalia apenas destinada a outro autor, o Nobel francês JMG Le Clézio, narrador do belíssimo Pawana.

TEJU COLE, PROVÁVEL SENSAÇÃO DA FLIP

 

 

Ah, sim, claro: um brasileiro, o über-fofo Luis Fernando Verissimo, terá ribalta como prima-dona da conferência de abertura desta Flip – cujo patrono é ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade, que tem seus 110 anos comemorados em 2012. Por falar em primeiro dia, pena que o opening show foi, como parece ser tradição da Flip, uma escolha pouco ousada e entusiasmante: a Ciranda de Tarituba, grupo local paratiense, e Lenine – nome simpático, mas, convenhamos, meio batido. Por que não apostar num autor-cantor do porte de, sei lá, Leonard Cohen ou Nick Cave, ou então trazer um artista que use a palavra diretamente como suporte para sua música, como Criolo ou Emicida?

Mesas que devem ser concorridas são ainda a do espanhol Enrique Vila-Matas, outro que já esteve um par de vezes por aqui, papeando com o chileno Alejandro Zambra. Autores que colocam a própria literatura como protagonistas de suas obras, V-M lança seu Ar de Dylan enquanto Zambra acaba de ser publicado com Bonsai. Escritor que também dá de novo o ar de sua graça – embora sua primeira passagem, na primeira Flip, tenha sido notória pelo mau-humor – é o britânico-paquistanês Hanif Kureishi (Buda do Subúrbio), que conversa com o russo-americano Gary Shteyngart, autor de Uma História de Amor Real e Supertriste, cujo booktrailer elevou o gênero a um nível hollywoodiano (traz até James Franco!). Quase uma comédia, como se vê por seu hilariante booktrailer.

SHTEYNGART NÃO TEME O RIDÍCULO

 

http://www.youtube.com/watch?v=EfzuOu4UIOU

 

Mesas emocionantes e controversas? No primeiro caso, sugiro o poeta árabe Adonis com o jornalista e escritor franco-libanês Amin Maalouf, duas lendas-vivas da língua de Maomé. No último dia, prometem nó na garganta a homenagem a Drummond feita por Eucanaã Ferraz, Carlito Azevedo e Armando Freitas Filho (um dos maiores poetas brasileiros vivos), além da mesa final, em que os convidados leem trechos de livros favoritos – tradição das primeiras Flips, felizmente resgatada.

Na seção polêmica, a mesa com os chapas e autores de não-ficção Fernando Gabeira e Luiz Fernando Soares tiram a Flip da torre de marfim: por certo falarão de violência, tráfico de drogas e política – temas aparentemente deslocados nessa cidadezinha encantada cercada por favelas, milícias e policiais corruptos. A mesa do poeta-showman Carpinejar, em dueto com a poeta e romancista escocesa Jackie Kay, tem tudo para virar casamento perfeito ou um arranca-rabo daqueles: Carpinejar é conhecido por seus rompantes histriônicos, enquanto que Jackie, autora de um romance sobre um jazzista que mudou de sexo, não economiza nas provocações. Numa Flip sem grandes astros brasileiros (Verissimo é hors concours), o poeta gaúcho de visual surreal tem tudo pra faturar os holofotes.

Ainda no segmento estreias, a mesa com os trintões não-medalhões Altair Martins (gaúcho), André de Leones (goiano) e Carlos de Brito e Mello (mineiro) parece prêmio de consolação para a nova cena literária brasileira  – Rubens Figueiredo e João Anzanello Carrascoza, embora em sua primeira Flip, já são bastante rodados em feiras e festas literárias. Procurou-se, de qualquer modo, uma maior participação de brasileiros (ano passado foram só três estreantes) encaixando nomes como João Paulo Cuenca na mediação de algumas mesas. À parte as conferências, boas novas são o Blog da Flip, repleto de textos exclusivos de autores como Xico Sá e Marçal Aquino. Na festa também serão lançados um DVD comemorativo, um livro de não-ficção editado por Zuenir Ventura e um livro de ficção com um autor representando cada ano: Colm Toíbin, Ian McEwan, Margaret Atwood, Nadime GordimerJulian Barnes comparecem com textos inéditos em português, enquanto escreveram exclusivamente para a antologia os brasucas Milton Hatoum, Beatriz Bracher, Cristóvão Tezza, Reinaldo Moraes e Bernardo Carvalho.

 

E aqui prosseguem os resmungos do repórter. À parte todas as muitas qualidades expostas acima, esperava-se da Flip – que apresenta novo curador, o jornalista carioca Miguel Conde – mais ousadia, atrevimento e inventividade. Enlaces entre literatura e expressões como quadrinhos, artes visuais, audiovisuais e eletrônicas foram totalmente ignoradas. As mudanças no mercado editorial, transfigurado pela internet e prestes a ser terraplenado pela chegada do e-book, também não comovem a Casa Azul, responsável pela programação do festival. Este repórter sente alguma esquizofrenia na “grade” (termo usado por Conde para se referir à agenda) quando se nota o rarefeito diálogo entre o homenageado Drummond e as atrações internacionais e mesmo nacionais. No enfoque ao poeta maior, se por um lado nomes como o poeta-filósofo Antonio Cicero e os críticos Silviano Santiago, Antonio Carlos Secchin e Alcides Villaça agregam peso acadêmico à festa, pela obviedade na escolha não deixam de emprestar certo ar de mesmice.

Outro ponto demanda atenção: de acordo com Mauro Munhoz, presidente da Casa Azul, 44% do orçamento total da Flip (cerca de R$ 7 milhões, uma barbada) provêm de renúncia fiscal, enquanto pouco mais de 10% nascem de investimento direto. Está mais do que na hora de a propalada sexta economia do mundo injetar na cultura “dinheiro bom“, ou seja, investimento direto, sem lei Rouanet nem outras benesses fiscais – para que a cultura não continue sempre à mercê de aportes do governo, seja federal, estadual ou municipal. Afinal, renúncia fiscal é grana minha, sua, nossa, e, em assim sendo, todos estamos de acordo que, embora importante e maravilhosa, a Flip é um evento de elite.

Como o próprio Munhoz sugeriu, ao dizer: “Estimamos para 2012 o mesmo número de turistas de 2011, 25 mil. Não queremos mais turistas, e sim, turistas melhores” – leia-se turistas que despejem mais grana no inflacionado e ineficiente sistema turístico de Paraty. Que nos próximos dez anos tenhamos uma Flip mais democrática e criativa – e com maior participação direta da iniciativa privada, sem o doce afago do incentivo fiscal. E corra, porque os ingressos para as mesas (R$ 40 cada) devem acabar rapidinho. É dura a vida em um Brasil cuja indústria editorial despeja milhares de livros no mercado por mês – mas que assiste impassível à ridícula média de 1 livro lido por habitante. Por ano.