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Postado em 10/06/2013 - 1:50
Força na peruca
Marcos Diego Nogueira

Carros luxuosos, cabelos estilosos, aventuras musicais, games especiais e séquitos de fãs. A doce vida dos jogadores de futebol quando não estão dentro das quatro linhas

Wagnerlove

Legenda: O azul do CSKA (Rússia) no cabelo e no peito. O atacante Wagner Love homenageia nas tranças o clube onde joga.

Após chamar a atenção no centro do Rio de Janeiro, ao passear a pé, Mané Garrincha pega seu fusca e vai ao encontro de sua mulher e seus sete filhos na sua cidade natal, Pau Grande, localizada na raiz da Serra de Petrópolis. A cena, em preto e branco, foi filmada 50 anos atrás e pode ser vista no documentário Garrincha, A Alegria do Povo (1962), de Joaquim Pedro de Andrade. O bom estado do veículo mostrado pela película denuncia que sua quilometragem deveria estar próxima do zero. Mesmo assim, a imagem de um jogador de futebol associada a um carro popular se perdeu no tempo tanto quanto, ou até mais, os dribles desferidos pelo próprio Mané pelo lado direito dos gramados. Um exemplo: recentemente, Lúcio, o zagueiro pentacampeão do mundo pela Seleção Brasileira, exigiu do patrocinador – que o trouxe ao Brasil vindo do futebol italiano para jogar no São Paulo – um mimo: uma BMW X6 blindada, avaliada em R$ 500 mil, provando mais uma vez o status de celebridade que hoje têm os jogadores de futebol. Afinal, não é à toa que estrelas de Hollywood como Tom Cruise ou músicos mundialmente famosos como Bono Vox, do U2, se encontrem com Ronaldo Fenômeno quando vêm ao Brasil.

E assim como atores ou cantores influenciam a massa, o mesmo acontece com os jogadores de futebol em relação aos torcedores. Não se trata de movimentos políticos, como aconteceu no início dos anos 1980 com a Democracia Corintiana, por exemplo. Trata-se de criar moda e disseminar o gosto em relação à música, aos cortes de cabelo e ao jeito de se vestir. “Quando comecei a jogar com o cabelo solto no Shakhtar (Donetsk, clube da Ucrânia), percebi alguns torcedores na arquibancada usando perucas para me imitar”, diz o atacante Willian, contando história semelhante à que aconteceu com o zagueiro David Luiz, no inglês Chelsea. Atualmente no futebol russo defendendo o FC Anzhi, Willian foi revelado no Corinthians e tem como característica, além de ser goleador, ostentar cortes de cabelo superarrojados – antes do atual black power, ele costumava usar tranças. “Em toda entrevista que dou tenho de falar sobre o meu cabelo”, diz ele, que, apesar das mudanças de país por conta do trabalho, não tem um salão de barbeiro de sua preferência. “Vou onde os jogadores mais próximos indicam”, diz ele, que costuma tomar nota também de cremes e xampus recomendados por amigos.

Mas no item cabeleira ninguém é celebridade maior do que Wilmer Salles Meireles Moy. Também conhecido como Cosme, ele é o responsável por fazer a cabeça de Neymar. Dono do Geométricos Cabeleireiros e conhecido da família desde que o camisa 11 santista era um minicraque, Cosme foi o escultor do famoso corte moicano, primeiro hit capilar do craque, e é quem coloca em prática e discute com ele as ideias para os novos layouts que Neymar – e, consequentemente, seu séquito de fãs – tem usado mensalmente. O visual é tão ligado ao jogador que Cosme, hoje, é uma estrela muito além do salão: ele segue carreira também como cantor de funk, tendo até uma composição em homenagem ao seu cliente mais famoso, o Príncipe da Vila.

Escova e dois tipos de gel

Wilmer

Legenda: Amigo da família há muito tempo, Cosme é o responsável pelos cortes extravagantes de Neymar.

Se Neymar seguisse os caminhos do padrinho de seu filho e ex-companheiro de clube Paulo Henrique Ganso, e fosse jogar no São Paulo, teria outra opção de barbearia, resquício vindo dos anos 1990. À época, o time era comandado por Telê Santana. Conhecido pelo temperamento severo, o treinador não tolerava que seus jogadores comprassem carrões logo nos primeiros salários como profissionais (o que é hoje uma praxe no mundo futebolístico), colocassem brincos ou tivessem cabelos espalhafatosos. Certa feita, o atacante Macedo apareceu com madeixas novas, resultado de um aplique, e Telê mandou o jogador cortar o cabelo imediatamente – e foi atendido. Desde então, o clube mantém em seu Centro de Treinamento um salão para seus empregados, comandado pelo barbeiro Sergio.

Um de seus clientes, Luís Fabiano, opta por um corte mais discreto, quase no estilo de Garrincha, rente ao coro cabeludo. “Mas já vi de tudo por aqui”, conta ele, antes de delatar um ex-companheiro de trabalho. “O Fernandinho é o jogador mais vaidoso com quem já joguei”, diz, em referência ao atacante canhoto hoje jogador do Al-Jazira, dos Emirados Árabes. “Ele levava uma nécessaire com espelho, lápis de maquiagem para contornar o ‘pezinho’ do cabelo, dois tipos de gel, escova, pente, creme, xampu, condicionador e até fazia a sobrancelha”, comenta com uma risada bem-humorada e quase maldosa o centroavante que, na época em que jogava no Sevilha, ia ao “Antonio Cabelo” com os laterais Daniel Alves e Adriano, ambos hoje no Barcelona, por uma razão bem específica: “Esse espanhol costuma cortar cabelo afro, não adianta ir com cabelo playboyzinho”, explica.

DJs do vestiário

Como uma boa fatia dos jogadores, Luís Fabiano frequenta a igreja e dedica parte do seu tempo livre a ouvir música gospel. Mas como ninguém é de ferro, mistura o gosto por cantores do gênero como Lázaro Ramos e o Pregador Luo com o bom e velho pagodinho e o não tão velho sertanejo universitário. Mas engana-se quem acha que as gravadoras têm alguma influência nessa relação entre músicos e boleiros. A amizade entre músicos e jogadores é um clássico. “A gente se encontra em eventos, ou às vezes eles mandam convite para ir aos shows, nos chamam no camarim, vão ao Centro de Treinamento. Eles são torcedores também”, explica Luís Fabiano, amigo de cantores como Thiaguinho, Péricles e Parangolé. “Cada um gostaria de ter a profissão do outro”, diz Willian.

Já os goleiros Rogério Ceni (São Paulo) e Cássio (Corinthians) são os representantes do rock-and-roll no futebol paulista. O primeiro é amigo de Nando Reis e costuma ouvir AC/DC quando seu time entra em campo no Morumbi. Essa relação estreita pode significar até o sucesso mundial. Foi assim que Michel Teló tornou seu Ai Se Eu te Pego o sexto single mais vendido no mundo em 2012. E se você é daqueles que torcem o nariz para o hit desse paranaense, saiba que a culpa de todo o sucesso é de Marcelo, lateral-esquerdo da Seleção Brasileira e do Real Madrid. DJ de vestiário, ele viu a música de Teló chamar a atenção do seu companheiro de clube Cristiano Ronaldo, que  quis aprender a coreografia e naquela mesma noite a usou na comemoração de um de seus gols. Quase na velocidade do seu chute, o português abriu as portas da Europa para essa espécie de Macarena brasileira. “Os outros jogadores ucranianos até baixaram a música no telefonee escutavam a toda hora. Foi um estouro”, conta Willian, que chamou Léo Santana, do Parangolé, para cantar no seu casamento. “Foi um caso isolado. O Teló deu uma sorte tremenda. Europeu gosta muito de ritmo e o dele pegou, graças também à mídia que o Cristiano Ronaldo tem”, analisa Luís Fabiano.

Quem encontrou nas comemorações uma boa forma de incensar seus amigos cantores foi Neymar. O hit do carnaval 2013, Passinho do Volante, de Mc Federado e os Lelek’s, foi dançado por ele, que costuma subir aos palcos de João Lucas e Marcelo (Eu Quero Tchu, Eu Quero Tchá) e participou até do DVD Ousadia e Alegria, de Thiaguinho. “Na concentração, o jogador tem muito tempo disponível. Então você entra na internet e começa a achar vídeos. Se alguma música ou clipe interessar, é um passo para imitar na hora do gol”, diz Fabiano.

Jogar com você mesmo

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Legenda: A coreografia dos jogadores do Fluminense.

O estilo de vida boêmio de Garrincha pode até ter relação com o de alguns jogadores atuais. Os analistas do esporte bretão defenderiam o anjo das pernas tortas na base do “ele bebia, mas no dia seguinte jogava e fazia gols”, assim como fizeram craques de um passado não tão distante, como Paulo César Caju e Renato Gaúcho. Atualmente, o atacante Adriano parece o exemplo a não ser seguido. Mas Garrincha e os outros teriam uma boa desculpa para as aventuras da noite que marcaram suas vidas profissionais: nas suas épocas não existia videogame.

A diversão eletrônica está empatada com o YouTube nas tarefas favoritas dos profissionais da bola nas concentrações. E o game mais jogado não poderia ser diferente: futebol. Não importa se é o Pro-Evolution ou o Fifa Soccer, as competições costumam ser acirradíssimas. E qual o grande barato nisso tudo pra um craque? Jogar com você mesmo. Sim, os jogadores pensam nos seus avatares feitos para os jogos eletrônicos. “Sempre penso: será que vão me fazer no videogame? E fazem igualzinho. É legal pra caramba”, diz Willian. Já Luís Fabiano tem uma reclamação: “Ano passado até melhorou um pouco, mas nos anos anteriores não simpatizava muito comigo, não. O estilo de jogo eu achava que era um pouco diferente, meio lento. Mas a semelhança física era perfeita”, diz ele, que mesmo assim se diverte com a brincadeira. “É gostoso, porque assim eu posso fazer gol comigo mesmo”, ri. Se Garrincha vivesse hoje em dia, não teria para ninguém. Seja no videogame, na noite ou em campo.

*Publicado originalmente na edição impressa #11.