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Postado em 27/03/2012 - 2:38
Forrest Bess em dose dupla
Juliana Moachesi

Artista marginal e recluso ganha visibilidade sem precedentes na cena nova-iorquina

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Legenda: Untitled No. 12 A (1957), óleo sobre tela (30,5 × 45,7 cm) de Forrest Bess. Coleção de Andrew Masullo (Foto: Wilfred J. Jones)

Roberta Smith começa seu texto no New York Times de sexta-feira, 23, com um alerta: “A arte de Forrest Bess (1911-1977), como a de Vincent van Gogh, pode estar em perigo de ser acometida pela sua história de vida. Especialmente agora, quando a obra deste excêntrico pintor visionário – que passou a maior parte de sua maturidade como um pescador no Golfo do México, vivendo em uma restinga de praia no Texas – está tendo um momento especialmente intenso em Nova York”.

É que o pintor texano conhecido pelo vocabulário muito particular de formas que lhe vinham em sonhos e visões está tendo duas mostras paralelas em importantes instituições de NY no momento: uma sala especial na Bienal do Whitney 2012 com curadoria de Robert Gober e uma exposição de 40 pinturas na casa de leilões Christie’s que resulta da venda de uma coleção particular. A mostra A Tribute to Forrest Bess, na Christie’s, perfaz “uma visão bastante inquieta de uma casa de leilões agindo como galeria comercial manejando o equivalente ao espólio de um artista”, segundo Smith. 

As pequenas pinturas de Bess são preenchidas com símbolos pessoais e elementos básicos de significado igualmente subjetivo. Para o artista, as pinturas que ele executava reproduzindo com fidelidade suas próprias visões representavam uma linguagem pictórica com significado universal. Junto com as teorias médicas e psicológicas derivadas de sua erudição auto-didata, ele acreditava que sua imagética compreendia o esboço de um estado humano ideal, com o potencial de aliviar a humanidade do sofrimento e da morte.

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Legenda: The Noble Carbunkle (1960), óleo sobre compensado. Coleção de Pauline Huebner (Foto: Cortesia forrestbess.org)

A crítica do NYT concede que os fatos da vida de Bess não são nada menos que sensacionais: “Eles incluem isolamento, pobreza, visões recorrentes e até mesmo auto-mutilação. Na década de 1950, convencido de que a união das lados masculino e feminino de sua personalidade garantiria a imortalidade, Bess tentou se transformar em o que chamou de ‘pseudo-hermafrodita’ por meio de dois atos de dolorosa autocirurgia que resultaram em uma pequena abertura na base de seu pênis”.

Porém, assim como Van Gogh, prossegue Roberta Smith, as pequenas quase-abstrações intensamente pessoais de Bess parecem “projetadas para resistir ao ataque da biografia. As melhores delas, feitas entre 1946 e 1970, são inicialmente modestas, contudo podem reviram os olhos com as suas superfícies agitadas, cores saturadas e combinações de símbolos estranhos ou evocações destiladas do mundo natural”, afirma.

“Igualmente importante é a forma como os trabalhos de Bess reconfiguram a história da arte. Como Myron Stout, Steve Wheeler e Alice Trumbull Mason, que também favoreceram os pequenos formatos e as formas ressonantes, Bess amplia nossa compreensão da ascendência da pintura americana das décadas de 1940 e 50 para muito além das telas imensas dos habituais expressionistas abstratos suspeitos”, escreve a crítica do NYT, contribuindo, também ela, com sua escrita magistral, para reconfigurar a história da arte.

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Legenda: Untitled, (1967), óleo sobre tela de Forrest Bess (Foto: Cortesia Whitney Museum)

Segundo Smith, a exposição na Christie’s inclui um vídeo com vários depoimentos sobre a vida e a obra de Bess, do qual destaca as falas do escritor budista Robert Thurman e do crítico de arte John Yau. O primeiro aventa a tese de que, de uma perspectiva budista, Bess era “talvez alguém que tenha sido um iogue em uma vida anterior. Ele observa que o papel de um iogue é submeter seu corpo e seu ser à sua visão da vida”, chamando o corpo de Bess de sua “obra de arte suprema”.

Já o senhor Yau sugere, “com plausibilidade possivelmente maior para os não-budistas, que a busca fervorosa de Bess, bem como sua autocirurgia – a idéia veio do estudo de ritos realizados por aborígenes australianos – refletem uma incapacidade para aceitar a sua homossexualidade e, de maneira mais geral, sua reação a uma cultura com pouca tolerância à diferença. O sr. Yau compara as superfícies cicatrizadas de pinturas de Bess às cicatrizes físicas e psíquicas que ele sofreu”, reporta Smith.

Considerando que o momento é tudo, a mostra da Christie’s se sobrepor à Bienal é dificilmente um acidente, alfineta ainda a crítica. “A exposição é acompanhada de um catálogo luxuoso com ensaios esclarecedores de Robert Storr, o escritor, curador e reitor da Yale School of Art, e do crítico cultural Wayne Koestenbaum. O sr. Koestenbaum fornece uma leitura muito minuciosa das superfícies de Bess, especialmente sobre o uso da espátula e do ritmo visual criado por seus desempenos bastante cuidadosos.”

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