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Postado em 12/04/2012 - 1:37
Fotografia de oposição
Juliana Monachesi

Não que Wolfgang Tillmans seja um artista do contra, mas suas obras – exibidas atualmente no MAM – contrariam todos os cânones da fotografia

Tillmans-grid

Legenda: Obra de Wolfgang Tillmans exposta no MAM, em que o artista explora a tridimensionalidade da fotografia

A abstração de um grupo de obras fotográficas de Wolfgang Tillmans se opõe ao realismo do meio. O engajamento político de outro conjunto de fotos serve de oposição ideológica a discursos intolerantes e totalitários. O coloquialismo e mundanidade de vários dos objetos retratados pelo artista contrariam a eloquência da linguagem fotográfica. E, por outro lado, o extraordinário de outros temas que ele elege para fotografar cria uma oposição dentro do próprio corpo de sua obra.

A curadoria de Felipe Chaimovich, Julia Peyton-Jones, Hans Ulrich Obrist e Sophie O’Brien que foi inaugurada no final de março e segue em cartaz até 27 de maio no Museu de Arte Moderna de São Paulo, intitulada simplesmente Wolfgang Tillmans, dá muito o que pensar. Desde a tradição monumental da foto alemã até uma política da intimidade capturada por câmeras, os assuntos que sua obra abarca são tão amplos e tão complexos quanto a própria história da fotografia. E a montagem da mostra, desenhada pelo próprio artista, é uma aula à parte (confira as imagens na galeria acima).

Principal opositor da Escola de Düsseldorf, ele foi o único fotógrafo na história a receber o Turner Prize, além de ser também o primeiro estrangeiro a ganhar o prestigioso prêmio britânico, em 2000. Tillmans faz da fotografia um elemento narrativo que oscila entre o banal de um amontoado de roupas no chão e o extraordinário do trânsito de Vênus pelo Sol para compor uma obra de arte total, uma instalação composta de quantas sejam as fotos incluídas na mostra e que precisa ser percorrida – a instalação – uma série de vezes antes de se conseguir apreender a narrativa provisória em jogo ali.

De matriz classificatória, a tradição alemã que remonta a Bernd e Hilla Becher – e que tem entre seus principais expoentes atuais os artistas Andreas Gursky, Candida Höffer e Thomas Struth – não mobiliza Wolfgang Tillmans. Desde a montagem de sua exposição no MAM até o assunto de suas fotografias, uma visão subjetiva do meio fotográfico marca a produção do artista. 

“Eu não faço meu trabalho para ir contra a Escola de Düsseldorf, mas existe claramente uma diferença entre o tipo de fotografia que se produz hoje na Alemanha e a que eu realizo. Essa diferença tem relação maior com o fato de eu ter saído da Alemanha há 22 anos. Não me interessa, de fato, um olhar tipológico e ordenador sobre o mundo. Eles têm uma visão mais autoritária, enquanto a minha é mais relacional”, contou o fotógrafo alemão à seLecT durante a montagem de sua mostra no MAM.

“Meu ponto de partida é sempre o que vejo com meus olhos, as coisas ao meu redor. Tudo possui um mistério passível de maravilhamento. E isso me toca. Então procuro fazer justiça ao que vejo, em vez de tentar definir ou simplificar”, afirma. Um dos resultados desta aproximação é que as tentativas de definição dos trabalhos de Tillmans – por críticos, curadores, jornalistas etc. – costumam ficar aquém da obra. 

No final dos anos 1980 e início dos 1990, falava-se dele como um documentarista de sua jovem geração ou, mais especificamente, como um porta-voz dos clubbers e ravers da renascente cena eletrônica de Hamburgo, Berlim e Londres. Por algum tempo seu nome esteve associado à fotografia de moda. Em seguida, pretendeu-se identificar uma prevalência de naturezas-mortas e paisagens na produção do momento. Depois, um olhar sobre ambientes íntimos e caóticos rendeu o título de poeta das imagens banais, e assim por diante.

A estratégia de Tillmans de expor várias vezes a mesma fotografia em contextos diferentes – relacionando-a a fotos diversas a cada montagem ou jogando com a escala da ampliação, que vai do 10 cm x 15 cm dos álbuns de família aos 6 metros de comprimento -, mesclando obras do início da carreira com outras recentíssimas, embaralha a leitura crítica tradicional (cronológica e teleológica por atavismo). Com as imagens abstratas a confusão terminou de se instalar.

Na exposição do MAM elas desempenham um papel central, pontuando toda a narrativa. “A pesquisa da fotografia como objeto começou com meu interesse por xerocar imagens e também por experimentos com o papel fotográfico. Nos dois casos, faço com que o meio fotografe a si mesmo”, comenta Tillmans. As folhas fotossensíveis trabalhadas com diferentes efeitos luminosos podem ganhar um tratamento escultórico, quando dobradas ou amassadas e expostas em caixa de plexiglass, ou então um display que as associa habilmente à tradição da paisagem.

“As pessoas tendem a pensar na fotografia como algo sem corpo, porque ela funciona como uma tradução do tridimensional para o bidimensional, então me interessa fazer o caminho inverso, uma tradução do bidimensional fotográfico para o tridimensional”, explica o artista sobre as fotos escultóricas e também sobre os dispositivos de montagem. “As paredes brancas fazem parte da obra, são um espaço ativo. Penso que, se eu não trabalhar as potencialidades do espaço expositivo, seria melhor então fazer apenas livros em vez de fazer exposições”, conclui.

Criada originalmente para uma exposição de Tillmans na Serpentine Gallery, em Londres, esta mostra sofreu várias modificações em sua versão paulistana, como já é típico do processo de trabalho do artista, além de ganhar obras que não integraram a versão original, como os dois vídeos apresentados no MAM. Sobre o primeiro vídeo, que registra uma máquina de xerox em funcionamento, ele diz que “é uma máquina teatral, que se parece muito com um palco”. Sobre o segundo trabalho em vídeo, registro de uma luz de discoteca, que fecha a mostra em SP, diz: “Sempre me chamou a atenção o fato de que ninguém presta atenção a esta parte tão importante da experiência da vida noturna, para mim são dançarinos mecânicos”.

SERVIÇO

Wolfgang Tillmans
Onde: MAM (Parque do Ibirapuera, av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portão 3, tel. 0/xx/11/5085-1300)
Quando: Terça a domingo, das 10h às 17h30 (com permanência até as 18h), entrada franca, até 27/5
Como: Parceria com a Serpentine Gallery, instituição londrina dedicada à arte contemporânea
Por quê: A melhor exposição do ano, oportunidade ímpar para conhecer a obra de um dos artistas mais importantes da atualidade

Todas as imagens da galeria são vistas da exposição Wolfgang Tillmans no MAM (Fotos: Juliana Monachesi/estúdio seLecT)