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Postado em 12/09/2014 - 6:02
Galeristas de jet-lag
Luciana Pareja Norbiato

Com a internacionalização da cena artística brasileira, marchands levam vida nômade, trocam de fuso horário como quem muda de roupa e costuram negócios na vida noturna after-fairs

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Legenda: Lucas Cimino, da Zipper Galeria, aproveita break em viagem ao Catar, no início deste ano, a convite de galeria local (foto: Karen Korn)

Não é absurdo dizer que, hoje, boa parte dos negócios do mundo da arte é costurada no embalo da vida noturna. E as noites mais quentes do ano são invariavelmente parte da programação vip das grandes feiras internacionais. No ano passado, o volume de negócios de galerias brasileiras em feiras internacionais representou 10% do total de suas vendas, de acordo com a pesquisa setorial Latitude 2014. Para ganhar terreno e abrir interlocuções na rede institucional global, é fundamental que o galerista frequente a agenda paralela das feiras. “É comum a programação paralela ser de cafés da manhã e à noite”, diz Daniel Roesler, à frente do projeto de internacionalização da Galeria Nara Roesler. “Têm vezes que nem consigo dormir. Boa parte do trabalho nas feiras é de jantares e drinques.”

Roesler rumo ao Oriente

Daniel Roesler calcula que as vendas no exterior representam 15% dos negócios de sua galeria. “Mas trabalhamos para dobrar esse número”, diz. Parte da estratégia é ampliar o mercado no Oriente, o que explica a presença da Nara Roesler nas duas primeiras edições de Art Basel Hong Kong, em 2013 e 2014. No segundo ano, sentiu menos os efeitos das quase 30 horas de viagem à China via Dubai. A escala em Tóquio, para acompanhar o artista Marcos Chaves na montagem do trabalho numa coletiva no Mori Art Museum (2007), ajudou. “Chegamos lá e encontramos a cara de Marcos Chaves espalhada na cidade inteira. Havia um monte de outdoors com o cartaz da mostra, trazendo a obra do Chaves com uma máscara de riso.”

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Legenda: Daniel Roesler faz selfie na última Art Basel, onde participou como visitante, e não expositor (foto: Cortesia Daniel Roesler)

A estratégia internacional começou com cinco feiras anuais, que logo se tornaram dez. Recentemente, a galeria enxugou para oito, sendo duas delas as feiras de São Paulo e do Rio de Janeiro – ambas também em franco processo de internacionalização, ampliando a cada ano a participação de galerias estrangeiras.

Botner: de NADA a Basel

O primeiro convite que A Gentil Carioca recebeu para participar de uma feira internacional foi em 2005, dois anos depois de Marcio Botner, Laura Lima e Ernesto Neto abrirem a galeria, nos arredores da Praça Tiradentes, no Rio. “Era a NADA, em Miami. Era até legal uma feira com esse nome, mas não tínhamos ideia da hierarquia das feiras”, conta.

Conduzindo os negócios pela “afetividade”, Botner curtiu o esquema amador da NADA, onde conta que, para acessar a internet, tinha de ir até o hotel “chique” do outro lado da rua. “O meu tinha clima de albergue, sem frigobar, com cozinha coletiva. Era todo mundo se ajudando a montar estande, a carregar obras uns dos outros, cozinhando juntos.”

Da experiência inicial em NADA, A Gentil foi para a finada Zoo Fair, em Londres. Em 2008, chegaram à Frieze Londres e à Art Basel, as duas feiras mais disputadas por galerias de todo o mundo. Mas, segundo Botner, a Frieze daquele ano não atendeu à expectativa. “Foi um horror, no meio da crise mundial, com bancos falindo, não vendemos nada.”

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Legenda: Marcio Botner, de A Gentil Carioca, interage com obra de Jarbas Lopes na Frieze NY de 2013 (foto: Cortesia Elsa Ravazzolo)

A consagração veio numa ligação de Marc Spiegler, diretor da Art Basel, em 2010. “Ele me convidou para fazer parte do comitê de seleção de Miami Basel.” A chegada em Miami foi um presságio da boa estrela que acompanharia a trajetória internacional do time de artistas representados pela galeria carioca. Botner conta que chegou ao hotel às 5 da manhã e soube que o quarto não estava pronto. “Me sentei pra esperar, e de repente veio uma bandeja com frutas vermelhas e champanhe. Pensei: ‘Poxa, o pessoal está me recebendo bem’.” Meia hora depois, foi conduzido a uma suíte hollywoodiana, com cinco ambientes, até sala de ginástica e de jantar. “Chamei todo mundo pro meu quarto e o Marc (Spiegler) perguntou, surpreso, quem tinha me dado aquele quarto. Falei: ‘Ué, não foram vocês, de boas-vindas?’ Mas nem o Marc tinha uma suíte daquela. Vai ver o recepcionista gostou de mim (risos).”

Mas nem só de plumas e borbulhas são feitos os trânsitos de Botner. O galerista faz de oito a dez feiras anuais, mais acompanhamento de artistas e visitas a mostras. “O cansaço chega a níveis altos. Uma vez, quando voltei para o Rio, dormi três dias seguidos.” Ele sabe da importância da agenda global e considera as feiras “espaços de troca, um alicerce fundamental”. As relações pessoais também ganham, com novos amigos e até amor. Numa das viagens conheceu sua mulher, Elsa Ravazzolo.

Cimino e a sorte de iniciante

“No começo é muito investimento, é preciso ter gordura para queimar”, diz Lucas Cimino, sócio do pai na Zipper há quatro anos. Como Fabio Cimino queria abrir um lugar para treinar novos profissionais e descobrir artistas, o espaço ainda faz feiras menores, como a Perú Arte Contemporâneo (PArC), a Art14 (Londres) e a Untitled, ainda em confirmação para o fim deste ano. A Zipper procura fazer anualmente sempre uma feira na Europa, uma na América Latina e outra nos EUA, além das nacionais.

Mas o cronograma anual não impediu de aceitar, no início deste ano, um convite da Anima Gallery, de Doha, dentro da programação do Ano Catar Brasil 2014. Segundo Cimino, “o único espaço de lá que pode ser considerado uma galeria”. “Eles deram uma busca na internet e gostaram do nosso site, aí nos chamaram para fazer uma expo de Pedro Varela e de Carolina Ponte, a primeira de artistas brasileiros naquele país.”

O jovem galerista sabe da necessidade de ir à badalação para fazer contatos, mas confessa: “Não vou, não sou da noite. A parte da agitação ficou toda com meu pai”. Se os negócios internacionais da Zipper estão apenas aquecendo, no Brasil a galeria tem motivos para celebrar. “Sinceramente, acho que fomos a galeria que mais vendeu na SP-Arte Brasília”, diz Lucas Cimino.

*Reportagem publicada originalmente na edição #19