Se a palavra muro tem como significado o que serve para separar, ou defender, uma coisa de outra, o muro que o artista mexicano Héctor Zamora expõe agora no terraço do Metropolitan Museum, em Nova York, apresenta esse conceito de uma forma um tanto quanto arejada. Isso porque a parede curva com 33 metros de comprimento e três de altura, aberta à visitação para o público desde sábado, 29/8, é feita com cobogós.
Em um primeiro momento, pode parecer que a peça Lattice Detour obstrui a vista do Central Park e o horizonte de Manhattan, mas o que ela proporciona, por meio de seus blocos de tijolos ocos, é um jogo de luz e sombras que muda de acordo com a hora do dia. Diante dela, o parque e a cidade também continuam disponíveis a quem quiser vê-los (estão apenas um pouco filtrados pela terracota) e basta caminhar diante do muro para perceber que é possível apreciá-lo de ambos os lados.
Toda negociação começava com um não
Mas nem todas essas possibilidades estavam previstas na ideia inicial de Zamora, que expõe pela primeira vez em Nova York. Ao ser convidado como oitavo artista a participar da série de comissões anuais para o Roof Garden, sua intenção era construir um muro com quatro metros de altura que ocuparia todo o perímetro do terraço, sem deixar um só ponto que não fosse coberto por ele. A proposta, entretanto, não foi aprovada pela diretoria do museu, com a justificativa de que o ambiente não era dedicado apenas à arte contemporânea, mas a múltiplos usos, entre eles, inclusive, o aluguel para eventos. “Foi um dos espaços mais complexos que trabalhei, tanto pelas regulamentações de segurança, como pela própria instituição, que já é um monstro e de pronto vira um monstro de burocracias também”, diz Zamora à seLecT. “Toda negociação começava com um não.”
Mas o desvio da proposta original, no fim, agradou ao artista. A curvatura do muro, de acordo com ele, tornou-se um interessante ponto de contraposição às linhas retas da paisagem da cidade. O diálogo entre os dois lados, que não estava previsto inicialmente, também trouxe uma série de conotações diante de um país governado por um presidente que exalta a “beleza” da fronteira impenetrável entre Estados Unidos e México.
A introdução da terracota como material de construção, com tijolos trazidos de Monterrey, no norte mexicano, é mais um dado simbólico da obra que foi construída, em sua maioria, por pedreiros latinos. Um dado acidental que, neste caso, diz bastante sobre a realidade de um país que é povoado por imigrantes.
Apesar do muro não ser completamente impenetrável e o público conseguir, até mesmo, atravessá-lo com as mãos, Zamora insiste em reafirmar o caráter impositivo da peça, uma vez que ela modifica de forma arbitrária o espaço em que se situa. Mas para além de todas as simbologias inerentes aos muros que separam pessoas e fronteiras, o artista lembra de como o cobogó é um elemento arquitetônico comum no México e em outros países, que recorrem a ele tanto para esconder o que não deve ser visto na casa, como para colocar roupas para secar, por exemplo. “A obra traz conotações que vêm de outras latitudes, com materiais que não se usam nos Estados Unidos. Poderíamos falar de uma certa tropicalização”, diz.
A peça recém-inaugurada, que estava prevista inicialmente para abril, foi interrompida em março pelo fechamento do museu em decorrência das medidas de isolamento. A mudança de datas impediu Zamora de acompanhar sua abertura – o artista acaba de voltar a viver no México, após um período em Portugal. “No fim, é um muro que atravessa, algo muito simples,”, resume o artista. “Ao mesmo tempo, tem um impacto monumental dentro do espaço físico e também fora dele, já que o trabalho não se encerra nos limites do museu e tenta dialogar diretamente com o que está diante daquela vista.”