Quando a Associated Press solicitou a especialistas a análise da qualidade das águas da Baía de Guanabara e da Lagoa Rodrigo de Freitas, e constatou, em julho de 2015, níveis perigosamente altos de vírus e bactérias de esgoto humano nos locais das competições olímpicas e paraolímpicas, o conteúdo pedagógico do Museu do Amanhã estava em fase de finalização. Inaugurado em dezembro, o Amanhã investiu alto em experiências imersivas, ambientes audiovisuais e instalações interativas, a fim de engajar seu público em reflexões sobre a era do Antropoceno, “quando o homem se tornou uma força planetária capaz de alterar o clima, degradar biomas e interferir em ecossistemas”. Estranha-se, porém, que, ao lado das perguntas lançadas pelo corpo educativo (De onde viemos, quem somos, onde estamos, para onde vamos e como queremos conviver nos próximos 50 anos), não se tenha investido em um aprofundamento científico da atualidade do ecossistema onde o edifício está inserido: as águas da Baía de Guanabara.
Perguntas urgentes a serem formuladas por um museu de ciências “dedicado a explorar as possibilidades de construção do futuro” seriam, por exemplo: Qual o circuito das valas por onde correm os esgotos do Rio de Janeiro? Qual a composição desses resíduos? Qual o exato espectro da degradação dos biomas da Baía? Qual o nível de vitalidade hoje do ecossistema original? As respostas a essas indagações levariam o público massivo que encara horas de filas diante do museuescultura de Santiago Calatrava à inevitável questão: para onde foram os recursos e as promessas oficiais de limpeza das águas? A Praça XV, revitalizada, o Museu do Amanhã e o Museu de Arte do Rio (MAR) foram as primeiras entregas do maior projeto de reforma urbana em prática hoje no Brasil, a Operação Urbana Porto Maravilha.
Desse projeto em construção já desponta um de seus mais preciosos legados, o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, que trouxe à luz o antigo Cais do Valongo – candidato a Patrimônio da Humanidade, na Unesco – e o exemplar trabalho de resgate e conservação da memória da cultura negra, realizado pelo Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos. Nesta edição dedicada ao Rio de Janeiro, seLecT incentiva seus leitores a explorar o que a Cidade Maravilhosa tem de mais potente: a rua. A exemplo das andanças de alguns de seus mais amorosos e dedicados filhos – do jornalista João do Rio aos artistas Marcos Chaves e Dias & Riedweg –, há muito o que (re)conhecer em passeios a pé.
A edição se propõe também a documentar, por meio de entrevistas, portfólios e da curadoria, envolvendo diversos artistas e agentes que vivem e trabalham na cidade, como esses intensos processos de transformação urbana estão impactando na vida do carioca. Interessada tanto nas comunidades biológicas da Baía de Guanabara quanto nas reivindicações das comunidades de moradores removidos de seus lares por conta das reformas, seLecT mergulha nos labirintos e circuitos da cidade amada, para compreender que, para cultivar o amanhã, precisamos dar conta do aqui e agora, além de pisar no terreno firme da herança cultural.