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Postado em 09/10/2014 - 9:53
Histórias mestiças do Masp
Luciana Pareja Norbiato e Paula Alzugaray

Transversalidade e experimentação com o próprio acervo serão nova política curatorial do MASP

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Legenda: Da esquerda para a direita, Adriano Pedrosa e Heitor Martins durante coletiva para anunciar nova gestão do Masp (fotos: Ali Karakas)

Na manhã desta quinta, 9 de outubro, foi de forma discreta, sem a presença de conselheiros ou patrocinadores, que se realizou a coletiva para o anúncio da nova gestão do Masp, encabeçada por Heitor Martins, diretor-presidente do museu. Além dele, estava no palco do Pequeno Auditório Adriano Pedrosa, que assume a partir de novembro a função de diretor artístico, depois de cumprir compromissos prévios com as próximas edições da Frieze de Londres e de NY.

Na plateia, o novo diretor de fomento e operações, Lucas Pessôa, e o novo diretor administrativo e financeiro, Miguel Gutierrez, completavam o a diretoria executiva que vai trabalhar para definir a cara do Masp nos próximos anos.

Pelo Estatuto que ficou estabelecido em junho, três meses antes da eleição de Heitor Martins como diretor-presidente do museu, os membros da Diretoria e do Conselho devem doar anualmente no mínimo R$ 25 mil para ajudar a sanar as dívidas do Masp e comprovar seu total comprometimento com a gestão. Diretores, que são de cinco a dez, têm mandato de três anos e podem concorrer a no máximo três mandatos consecutivos. Já os Conselheiros, no máximo 80, podem ficar até cinco anos no cargo, com a renovação anual de 1/4 de seus integrantes. Isso garante que a gestão seja sempre atual.

Em vez de um curador, um diretor artístico. Segundo Heitor Martins, isso se deu porque “o museu tem um leque de complexidades muito grande em seu acervo: arte brasileira, europeia, africana, asiática, fotografia, moda. Além disso há toda uma gama de atividades a gerir, como o educativo, publicações, biblioteca. O diretor artístico será então um grande orquestrador de equipes”.

“Temos uma visão de que as instituições brasileiras investem pouco à curadoria e ao pensamento, delegando boa parte de suas exposições a curadores independentes. Acreditamos que a alma de um museu está na capacidade de refletir sobre a sociedade e deve assumir esse papel”.

Para a escolha do diretor artístico, foram entrevistados todos os chefes de departamento do Masp, além de gestores culturais, instituições, curadores, jornalistas etc, tanto no Brasil quanto no exterior, para se chegar a 30 nomes potenciais. Desses, foram selecionados quatro para serem entrevistados a respeito de pré-projetos e modelos de colaboração. Finalmente, chegaram a Adriano Pedrosa.

“A vida de um curador independente é muito difícil, haja vista o meu momento atual, com quatro mostras em exibição”, diz Pedrosa, que exibe atualmente Histórias Mestiças (Instituto Tomie Ohtake), co-curadoria com Lilia Schwarcz que tomou dois anos de pesquisa; Artevida (várias instituições no RJ), co-curadoria com Rodrigo Moura; Rivane Neunschwander – Mal Entendidos (MAM SP); e Leonilson: Truth, Fiction, na Pinacoteca de São Paulo. Todas mostras enormes. “Como curador independente, você fica à mercê do calendário das instituições.” E assim quatro de seus projetos calharam de entrar em cartaz todos ao mesmo tempo.

A experiência de independente possibilitou que Pedrosa criasse uma gama plural de estratégias de ataque a diversas questões atuais da arte, numa abordagem transversal, experimental e ampla, que pode englobar diversos períodos e artistas para propor um debate não só da arte mas de aspectos culturais, sociais e raciais, entre outros.

Não foi por falta de convite anterior que ele permaneceu na carreira solo até sua escolha para o Masp. “Cheguei a conversar com outras instituições em outros momentos, mas não encontrei condições de trabalho que satisfizessem as duas partes”. No Masp, Pedrosa diz encontrar as condições ideais, além de liberdade de atuação.

Para isso, Pedrosa não vai trabalhar sozinho: terá em seu auxílio uma equipe de curadores-adjuntos, “que trabalharão remotamente, preparando exposições e textos sobre questões ligadas especificamente ao acervo do Masp, e virão a São Paulo quatro vezes por ano”. Com essa declaração, dá a pista de que os nomes serão em boa parte internacionais.

“Entre os adjuntos, há dois “essenciais”, que pensarão as áreas específicas de arte europeia e de arte internacional. Eventualmente, haverá curadores-adjuntos também dedicados à arqueologia, arte africana, arte indígena e fotografia”. Pedrosa também disse estar “pensando em trabalhar com coleções de arte indígena”. “Não se trata de comprar, mas constituir trocas com outras instituições.” Atualmente, o diretor artístico vem demonstrando um interesse crescente por essa vertente, em mostras como Adriana Varejão – Histórias às Margens e a própria Histórias Mestiças. Apesar de não creditar essa atenção a uma razão específica, a comprova ostentando um bracelete de miçangas com padronagem tribal.

A política de empréstimos também será revista, no sentido de garantir a visibilidade do acervo em instituições de ponta, como “o Metropolitan Museum, para o qual estamos emprestando uma obra de Cézanne”, e também de assegurar sua perfeita conservação nas condições exigidas pelas normas vigentes de controle de luz, de temperatura e de umidade.

Heitor Martins ressaltou que os empréstimos não serão utilizados como “um meio de obtenção de renda para o museu, mas de incrementar o intercâmbio com outras instituições.” Crítica às gestões anteriores?

Os cavaletes, menina dos olhos de Lina Bo Bardi, que os desenhou para acompanhar a arquitetura, numa forma subversiva de exibição em que o espaço se torna quase livre, serão retomados “não em definitivo, mas pelo menos nessa nossa gestão”, declara Pedrosa. As peças originais serão testadas para a modernização do suporte, mas na prática seguirão iguais. “Na parte posterior, queremos acrescentar às informações técnicas das obras um pouco de sua história dentro do acervo do Masp”, ele adianta.

Para o próximo ano, o diretor artístico anuncia que se debruçará em uma pesquisa aprofundada do acervo e no entrosamento com os processos institucionais, para poder pensar mostras capazes de “entender a arte contemporânea dentro de um contexto maior de cultura”. “O museu foi muito mais plural e transversal no passado do que em anos recentes. A ideia é retomar essa identidade original”, afirma Pedrosa.

Outras premissas que ele pretende trabalhar são a retomada e potencialização do uso do Vão Livre com eventos, concertos e exposições (a exemplo de exposição realizada por Nelson Leirner no local), o que depende de diálogo com a Prefeitura; além da revisão e ativação de exposições emblemáticas da trajetória do museu, como Mão do Povo Brasileiro (1969) e GSP/76 (Grande São Paulo) como pontos de partida para novas mostras.