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Postado em 01/09/2015 - 3:06
Interferências espaciais
Camila Régis

Conhecido por intervenções em marcos arquitetônicos, francês Xavier Veilhan inaugura primeira exposição individual na América Latina e conversa com exclusividade com a seLecT sobre seus novos trabalhos

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Legenda: Escultura Tony (2015) em pequi e carbono; ao fundo, de perfil, a escultura Marc em ébano e maçaramduba (2015)

Entre 2012 e 2014, o francês Xavier Veilhan se dedicou a série Architectones, um projeto de intervenções em monumentos arquitetônicos. A Casa Mlekinov, em Moscou, e a igreja Saint Bernadette du Banlay, em Nevers, foram alguns dos locais escolhidos para abrigar seus trabalhos. Três anos antes, em 2009, o artista já havia chamado atenção ao colocar uma enorme carruagem roxa em frente ao Palácio de Versalhes. Após exibir e conceber obras em vários lugares do mundo, Veilhan realiza sua primeira individual no Brasil. Com 17 trabalhos, entre esculturas e instalações, a mostra Horizonte Verde, em cartaz na Galeria Nara Roesler, não foge da temática abordada tantas vezes pelo artista: a arquitetura. 

Ao visitar a exposição é notável que a concepção de Veilhan sobre o tema é ampla e sua preocupação é criar espaços paisagísticos. Mesmo não sendo seus site-specifics idealizados para construções icônicas, as obras em conjunto compõem um cenário meticulosamente pensado através de maquetes e moldes, conforme contou o artista. Na primeira sala, por exemplo, uma linha a 1,40m do chão corta as paredes ao meio, criando um falso horizonte– a metade de baixo foi pintada de um bege muito sutil, enquanto a parte de cima é completamente branca. A ideia, disse o artista, era criar uma sensação de ambiente inundado, no qual suas esculturas estariam acima do nível da água.

Em uma conversa na galeria paulistana, Xavier Veilhan falou com exclusividade à seLecT sobre a importância do espaço para a constituição de seu trabalho e como referências da história da arte permeiam sua produção.

Como foi pensar sua primeira individual no Brasil?

Essa questão foi exatamente o ponto de partida. É uma mostra introdutória, já que as pessoas aqui não conhecem muito meu trabalho. Queria apresentar uma exposição sólida com um corpo de obras diversas, de trabalhos parcialmente produzidos na Europa e no Brasil. Também queria algo que pudesse se relacionar com o ambiente daqui. Sempre trabalho do mesmo jeito. Primeiro, vejo o espaço, porém, nunca penso em algo diretamente ligado ao espaço em si. O ambiente é uma espécie de moldura que uso para elaborar. É como pensar sobre uma viagem – é necessário se projetar num contexto específico. Então, construímos vários moldes no estúdio. Uso muitas técnicas pouco tecnológicas, na verdade. Ter um molde é uma coisa importante para mim. Com o modelo dessa galeria, construímos uma maquete da mostra. Fizemos desenhos e rascunhos também. Temos móbiles em escala menor no estúdio, por exemplo.

Você falou que usa o “espaço como uma moldura”. No seu trabalho, é visível a importância do local que abriga a obra. Você sempre pensa nesse processo em que a obra e o ambiente criam uma espécie de paisagem?

O espaço é um ponto inicial para fazer uma ideia crescer, mas penso mais como um plano que se colocado em prática em outro lugar talvez funcione também. Quanto mais uma obra é presente em um ambiente, mais ela terá uma segunda vida em um outro espaço. Porém, como artista, é esquisito porque penso mais sobre exibições do que em peças isoladamente, então as obras estão lá para servir a experiência proposta pela exposição. Por exemplo, aqui (aponta para a linha divisória na parede), parte da mostra desaparece. Esta linha é muito visível, mas às vezes não é. Se um colecionador comprar uma obra, não vai ter a sensação de inundação que existe aqui. É como se existisse marcas de água nas paredes ou algo assim e por isso as esculturas estão nessa altura do peito. Então, parte da experiência que existe na galeria é perdida.

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Legenda: Xavier Veilhan, Mobile n° 24 2015 carbono, resina de poliuretano, MDF, polipropileno, acrílica e verniz acrílico

Muitas pessoas falam que há uma relação direta ou indireta do seu trabalho com a arquitetura. Por que você escolheu este campo de inspiração?

Penso que a escultura termina onde a arquitetura começa. Aqui, existe um pedestal colocado no chão, então há um limite entre a obra de arte e a galeria. Para mim, arquitetura não é uma fachada, e sim volumes de ar definidos por alguns elementos. Por exemplo, galerias têm muita transparência visualmente falando. Mas já que estamos no Brasil, existe muito ar nos lugares, muitas janelas podem ser abertas. Você nunca está totalmente do lado de fora ou totalmente do lado de dentro. Gosto da maneira que o trabalho dos homens, as construções, as concepções da arquitetura, são capazes de definir certos espaços, como uma metáfora para vida ao ar livre. Quase podemos dizer que a arquitetura é equivalente ao cubo branco. O que o cubo branco é para nós é o que a arquitetura é para a natureza. Gosto da arquitetura em termos muito simples, como quando se dorme em um sofá ou carro. Nesses contextos, existe um nível de proteção muito baixo, mas isso torna esse gesto mais valioso, de certa maneira. Você aproveita mais o sono que tem nessas condições. Há necessidades muito básicas para homens se protegerem, como construir abrigos. Não falo da arquitetura com A maiúsculo. Falo sobre algo muito simples, como uma criança construindo uma cabana.

A mostra traz uma sensação em que o atual e o antigo se encontram. Há referências a uma arte tradicional mas também existe uma qualidade muito contemporânea e tecnológica, como na esculturas, por exemplo. Você pensou sobre isso?

De certa maneira, é como quando há uma pintura do século 18 ou 17, na qual o fundo tem pinceladas livres e o rosto aparece muito detalhado. Esse é um jeito de mostrar algo sem mostrar demais. O que me interessa em algumas esculturas é apenas a silhueta posicionada no espaço, por exemplo. Essa ideia de relação com o clássico não é algo que escolho conscientemente, mas sei que existe uma história da arte e certas referências. Porém, não quero fazer uma citação desses aspectos, mas uso deles. Estou interessado em usar coisas que já existem. Os grandes trabalhos que fiz poderiam ser uma mistura de (Alexander) Calder e algum outro artista. Mas não é o que quero apontar, não quero que as pessoas pensem sobre Calder no campo da arte. É mais sobre construir um ambiente que é uma evocação do que está do lado de fora da galeria, com certos processos e edições. É uma maneira de editar coisas para tornam o mundo mais óbvio, já que para mim ele não é. De maneira geral, acho que arte é um jeito de deixar tudo mais simples. O que estamos fazemos é o processo reverso da arte. Expandimos experiências visuais para a linguagem. Gosto de compactar a linguagem em uma experiência visual.