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Postado em 12/01/2015 - 5:35
Internacionalização da arte brasileira e seus limites
Thiago Carrapatoso, de Nova York

Sergio Bessa, curador do Bronx Museum, diz em entrevista para a seLecT que Nova York é conservadora e que brasileiros aconteceram antes na Europa

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Legenda: Sergio Bessa, por Chan Chao

A produção de artistas brasileiros tem conquistado cada vez mais espaço no cenário internacional. Embora o interesse seja visível, há também a percepção de que os trabalhos ficam apenas a cargo de curadores latino-americanos, que são considerados representativos dessa própria bagagem histórico-cultural. Para Sergio Bessa, diretor do Departamento Curatorial e Educacional do Bronx Museum, em Nova York, e curador da primeira individual de Paulo Bruscky nos EUA, há uma preferência no mercado norte-americano a explorar muito mais a forma do que o contexto em que a obra é produzida. Por essa perspectiva, uma produção em que não há separação entre vida e arte se perde, já que as discussões são voltadas mais ao aspecto formal do que aos outros significados da obra. Nesta entrevista, Bessa expõe um panorama sobre a percepção da arte brasileira fora do País e discute os problemas encontrados na fruição desses trabalhos.

Como você vê as curadorias de arte brasileira feitas por profissionais latino-americanos?

Tenho um olhar crítico à prática curatorial no momento, pois me parece que, às vezes, os curadores ficam muito fascinados pelo aspecto visual e não consideram o contexto de onde a forma realmente veio. Para mim, o aspecto formal está muito ancorado em uma circunstância histórica específica. Ezra Pound dizia que o artista é a antena da raça. Os artistas estão sempre criando novas formas, e essas novas formas afetam a percepção do ser humano. Isto é uma sacada muito importante. Vejo que essa discussão a respeito do contexto histórico fica fora dos projetos curatoriais. O texto que escrevi sobre Lygia Clark para a exposição do MoMA tinha esse intuito de não delongar sobre essa perspectiva formalista, e sim de oferecer uma janela sobre aquele momento crítico na vida dela. Embora a exposição se chamasse O Abandono da Arte, Lygia nunca abandonou a arte. Ela ficou cada vez mais rigorosa, levantando questões altamente pertinentes naquele momento crítico da vida dela. Ela não estava interessada em simplesmente colocar coisas na parede ou em pedestais. Então, para entender o trabalho de Lygia, é necessário compreender o processo pelo qual ela passou naquele momento. Uma leitura formal do trabalho não é suficiente. Acho que essa distinção precisa ser feita. Em termos de curadoria, então, para mim, você apresenta um trabalho de arte, mas traz a história com ela.

Há um boom de obras latino-americanas em Nova York. Por que você acha que isso está acontecendo exatamente agora? São as tais forças do mercado?

O MoMA corteja o Brasil desde os anos 1940. Houve a lendária exposição Brazil Builds, sobre nova arquitetura, e Portinari também teve uma exposição aqui na mesma época. Mas, hoje em dia, sabemos que aquilo tudo era parte da política de diplomacia cultural de Rockefeller, bem como da expansão do Chase Manhattan Bank na América Latina. Arte e dinheiro sempre estiveram juntos, isso não é nenhuma novidade. Tem de se colocar o dinheiro de lado, porque, quando se fala de cultura, dinheiro é algo muito mais complicado. O Guggenheim abriu em junho a exposição Under the Same Sun: Art from Latin America Today, com curadoria do Pablo Leon de La Barra. É um projeto financiado pelo UBS, que está dando milhões para o Guggenheim fazer esses apanhados culturais em áreas consideradas “remotas”. É uma maneira de o UBS entrar nesse mercado da América Latina. Mas, em termos de pesquisa histórica, acho que temos avançado muito. Quando Guy Brett foi ao Brasil na década de 1960, e encontrou Hélio Oiticica, Lygia, Mira etc., era uma época difícil porque você precisava ter muito dinheiro para viajar e era quase impossível ir a todos esses lugares. Viagem de avião, por exemplo, era muito cara. Quando Hélio foi para Londres pela primeira vez, ele foi num navio mercante. Hoje em dia é um pouco mais fácil. Pesquisadores e curadores de hoje têm mais acesso do que se tinha 40 anos atrás e, consequentemente, têm melhores condições de analisar os contextos específicos onde os artistas trabalham.

Esse acesso mais fácil permite mudar a percepção geral sobre o que é arte latino-americana ou ainda se recai no lado exótico?

Está mudando, sim. Por exemplo, há vários artistas no Brasil que decidiram continuar morando lá, como Lenora de Barros, Fernanda Gomes, Jonathas de Andrade, Marcelo Cidade, André Komatsu e vários outros. Eles são muito respeitados aqui e colocados no mesmo nível de qualquer outro artista internacional. Existe hoje uma abertura maior para novas práticas artísticas. E isso não foi um fenômeno que se originou em Nova York. É interessante notar que foram instituições como o Walker Art Center, em Minneapolis, o Jeu de Paume, em Paris, e o Witte de With, em Roterdã, que iniciaram essa estratégia de sondar o que havia fora dos grandes centros. O ressurgimento de interesse em torno de Hélio, ou de Marcel Broodthaers, foi inteiramente articulado por aquelas instituições. E isso foi muito positivo para a arte brasileira contemporânea. A primeira vez que vi trabalhos de Rivane Neuenschwander foi no Walker, há mais de 15 anos, muito antes da exposição no New Museum. Acredito que Nova York é muito conservadora. Catherine David, por exemplo, quando fez a Documenta 10, em 1997, mandou uma mensagem muito clara em termos de situar artistas como Tunga no mesmo contexto de nomes como Kippenberger e Fahlström. Aqui ainda se está chegando lá. Tem uma coisa muito tradicionalista em Nova York. É uma cidade muito de pintura.

#Entrevista publicada originalmente na edição #21