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Postado em 26/08/2011 - 4:47
Lynda Benglis no New Museum: o outro lado

Museu recupera visibilidade de artista pioneira da arte feminista dos anos 70

 

Foto da instalação Primary structures, de 2011, no New Museum, em Nova York

Berta Sichel, de Nova York

É uma tendência deste jovem século XXI: mulheres artistas na faixa etária dos 60 aos 90 anos, como Suzanne Hiller, Valie Export ou Maria Lassing, ressurgem do túnel obscuro da terceira idade e voltam a fascinar. Todas elas tiveram recentemente mostras importantes em museus de grande prestígio, como Tate Modern (Londres), Belvedere (Viena) e Städel Museum (Frankfurt). Recordar e exibir o legado artístico destas e outras artistas maduras tornou-se inevitável. A próxima grande artista que já começa a circular pelos museus europeus este ano é a japonesa Yayoi Kusama, que tem 81 anos e vive em um hospital psiquiátrico de Tóquio.

Muitas delas passaram a juventude à margem dos registros dos grandes acontecimentos artísticos, como a norte-americana Lynda Benglis, que em outubro festejará 70 anos. Há quem afirme que os 70 de hoje são como os 50 de antes. A julgar por Benglis, isso se confirma. Depois de abrir, no outono europeu de 2010, no Museu de Arte Contemporânea de Dublin (Irlanda), a primeira exposição na Europa, sua singular e diversificada obra está, em versão resumida, no New Museum (Nova York), até o fim de junho. A artista criou uma peça nova para a cidade de Dublin: uma enorme escultura de bronze, em quatro partes.Elas lembram ondas e foram instaladas no centro de uma fonte, nos jardins do museu. Lá, a mostra era acompanhada de uma seleção bastante completa da sua produção em vídeo.

Em Nova York, a mostra ocupa apenas um andar do museu e está muito editada. A curadoria, realizada pelo diretor de exposições Massimiliano Gioni, praticamente ignora as obras mais controvertidas e de conteúdo sexual de Benglis. Essa era sua maneira de expressar-se contra a discriminação das mulheres artistas nos EUA. Mesmo assim, o New Museum não esconde a extraordinária força criativa da escultora e seu talento para explorar materiais diversos. Em paralelo à produção de esculturas, Benglis criou um conjunto radical de trabalhos em vídeo e fotografia, explorando noções de poder, relações de gênero e de papéis sociais.

A grande maioria dos vídeos foi produzida nos anos 1970 e está quase toda na internet, em diversos sites. Neles fica nítido que a sexualidade feminina e a identidade são temas fundamentais para entender sua trajetória e seu legado. É uma personalidade que construiu não só uma carreira artística, mas foi capaz de lutar contra a discriminação das mulheres no circuito das artes. As obras mais atrevidas e rompedoras foram relegadas a um segundo plano ou, mesmo, eliminadas da seleção em cartaz no New Museum. Muitos não se lembram, ou não chegaram a ver, a foto do corpo escultural da artista, nu e untado de óleo, com as mãos segurando, na altura do púbis, um enorme pênis de borracha.

Essa imagem antológica de Benglis foi impressa nas páginas da revista ArtForum, de novembro de 1974. Mas Gioni preferiu destacar a escultora madura que segue experimentando materiais com enorme segurança. A foto da Artforum foi uma publicidade paga pela artista e faz parte da serie Sexual Mockeries (Ironias Sexuais). Não deixa de ser cômico que, na exposição nova-iorquina, haja um exemplar da revista, aberta na página que balançou o mundo das artes naquele momento e provocou a saída de Rosalind Krauss como editora da publicação. Tamanho escândalo está exibido
de modo comportado, dentro de uma caixa de vidro e sobre um pedestal, como se fosse uma relíquia.A foto não pode ser reproduzida. Está blindada por todas as leis de direitos autorais, mas pode ser vista em baixa resolução na Wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Lynda_Benglis).

Embora o New Museum reconheça até mesmo em seu material de divulgação que essas obras, em conjunto com as esculturas, são uma crítica ao domínio masculino na arte e nas instituições artísticas, é difícil entender a reduzida seleção delas na mostra e que tenham sido quase ocultas em uma sala escura. Isso provoca enorme contraste com as outras salas, algumas iluminadas pela pintura fosforescente das esculturas. Felizmente, um catálogo de 480 páginas, fartamente ilustrado com material de arquivo (artigos de revistas, fotografias, cartas, instalações), reproduz ou faz menção ao que não está no espaço expositivo. Deixando de lado certo puritanismo da seleção, é a primeira vez, em 25 anos, que um museu norte-americano abre suas portas a Benglis, hoje uma senhora elegante de cabelos grisalhos.

Nascida em 1941, na Louisiana (EUA), ela vive e trabalha entre Nova York, Santa Fé (Novo México) e Índia. Sua carreira começou em 1968, como pintora influenciada pelo minimalismo e pela pintura de campos de cor (color field painting).Foi nessa época que pintou a série Fallen, derramando látex colorido em sobreposições que fluem diretamente para o chão, em soluções formais sintonizadas com a pintura de seus contemporâneos Jackson Pollock e Helen Frankenthaler. Mesmo com o caráter recatado que não corresponde à artista iconoclasta que homenageia, esta mostra do New Museum é importante. Especialmente para as gerações que estão vendo essa obra pela primeira vez. É o caso das pinturas iniciais em cera, as coloridas e derramadas obras de látex e as raras séries da década de 1970. Desta primeira fase há muitas obras históricas raramente expostas. É o caso de Phantom (1971), dramática instalação de poliuretano constituída por cinco monumentais esculturas fosforescentes. Ou a  instalação Paula Props, de 1975. Há uma elegante seleção de experiências recentes com plástico, vidro fundido e folha de ouro. Desde a década de 1980 vivendo seus anos dourados (belo eufemismo para a maturidade), Benglis vem demonstrando que sua mente e sua criatividade não têm idade. Ela continua uma artista avant-garde.

Berta Sichel é brasileira radicada na Espanha. Foi curadora-chefe de audiovisual do Museu Reina Sofia (Madri) de 2000 a 2011