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Postado em 02/07/2015 - 6:22
Mario e as palavras que não podem ser ditas
Paula Alzugaray

Flip 2015 tem Mario de Andrade como homenageado e inaugura com intervenção surpresa de Pascoal da Conceição

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Legenda: O ator Pascoal da Conceição caracterizado como Mario de Andrade em palestra da Flip 

No melhor estilo improviso da Semana de 22, o ator Pascoal da Conceição, que interpretou Mário de Andrade em minissérie da Rede Globo, foi o responsável pela palavra final da mesa de abertura da 13ª Festa Literária Internacional de Paraty. Conceição irrompeu da plateia da tenda dos autores quando o escritor Eduardo Jardim, autor da primeira biografia de Mário de Andrade (ler entrevista publicada na seLecT) encerrava sua palestra, lendo o poema “Meditação sobre o Tietê”(1944-45), segundo ele, “poema-testamento” de Mário.

“Isto não estava previsto no script da Flip”, justificou Paulo Werneck, curador do evento. Segundo seLecT apurou, Conceição havia sugerido a performance à direção do evento, mas seu projeto não havia sido aprovado. A persistência do ator, no entanto, foi recompensada pela receptividade do público, que aprovou a ousadia. A intervenção foi, de fato, a finalização perfeita para uma instigante sequência de palestras que abordaram aspectos múltiplos de Mário de Andrade.

A crítica literária argentina Beatriz Sarlo abriu a noite tecendo uma comparação entre o autor brasileiro e seus contemporâneos portenhos – Jorge Luis Borges, Oliverio Girondo e Ricardo Güiraldes. Segundo ela, pelo menos três aspectos chaves diferenciavam os vizinhos: o interesse pela música, a celebração da festa e o gosto pela viagem e pelos grandes deslocamentos. “Se Macunaíma foi tão vasto ao ponto de se converter em uma constelação, Don Segundo Sombra – personagem de Güiraldes que cumpre a função de formação da identidade argentina – nunca superou um raio de 200 kms desde Buenos Aires”, disse.

A ensaísta Eliane Robert Moraes (que também participa da mesa Os Imoraes e fala no espaço seLecT em Paraty, a respeito de Hilda Hilst (veja na página da seLecT no Facebook), abordou a erótica de Mário de Andrade, “dispersa em toda sua obra, porém intensa”. Ao analisar o erotismo em “Macunaíma” e no poema “Girassol da Madrugada” (1931), a autora dissertou sobre sentidos ocultos de certas palavras. 

“Em Mário, o calado é vencido pelo engenho da palavra”, disse ela. “Ainda que ele não empregue a palavra proibida, ele introduz uma nova palavra no corpo da língua”, disse ela, referindo-se ao uso da palavra “puíto” em substituição a ânus”. “A palavra que não pode ser dita é substituída por uma abundância de palavras, que acabam tendo rendimento ainda maior que a palavra tabu”. Tudo para reafirmar o “poder devastador de Eros” na literatura de Mario de Andrade e concluir com um incisivo: “Não podemos nos calar sobre a homossexualidade de Mário. Mas não podemos reduzir a sua obra à sua sexualidade”.

A “bivitalidade” foi o aspecto central da identidade do autor de “Macunaíma”, levantado por Eduardo Jardim. A permanente tensão entre o que ele chamava de a “vida de cima” e a “vida de baixo” foi o que teria detonado as dualidades fundamentais de sua trajetória: inspiração x crítica; afirmação do nacional x movimento em direção ao universal; erudito x popular; compromisso social x acentuado individualismo; Rio Amazonas x Rio Tietê.

E foi justamente na hora de declamar a “Meditação sobre o Tietê” que Jardim sem querer deu a deixa para a entrada intempestuosa das “palavras que não poderiam ser ditas” de Pascoal da Conceição. Tudo muito redondo e adequado ao espírito rebelde dos modernos anos 1920.