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Postado em 01/04/2013 - 12:39
Mercado em expansão: quem sai ganhando?
Nina Gazire

Na semana em que galerias de 15 países se instalam na SP-Arte, críticos, pesquisadores e galeristas brasileiros opinam sobre o lugar do Brasil na agenda internacional

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Legenda: Flowerball Black (2007), de Takashi Murakami, à venda no stand da Gagosian Gallery durante a SP-Arte

Andreas Gursky à venda na galeria Sprüth Magers; Caio Reisewitz na galeria Luciana Brito; Damien Hirst na White Cube; Tonico Lemos Auad na Luisa Strina; Sol LeWitt na Pace Gallery; Matthew Monahan na Kaikai Kiki; Calder na Gagosian. Durante quatro dias, o que há de mais quente e exclusivo no mundo da arte está na SP-Arte. Este ano, um terço das galerias participantes são estrangeiras. Em sua nona edição, a feira paulistana tem 81 galerias brasileiras e 41 internacionais, entre elas, galerias de enorme prestígio.

O mercado brasileiro cresceu e apareceu, não há dúvida. Os sinais são evidentes: de um lado, o aumento de artistas brasileiros em coleções internacionais, de outro, a representação de artistas internacionais pelas nossas galerias. Mas existem ainda dúvidas se nosso mercado está de fato maduro para a internacionalização. Galeristas, críticos e pesquisadores brasileiros respondem:

Qual é o papel das galerias brasileiras na internacionalização da arte brasileira? E a internacionalização das feiras brasileiras favorece a quem: as galerias estrangeiras que vem vender no Brasil, ou as brasileiras que venderão aos compradores internacionais?

Luisa Strina (galerista, Galeria Luisa Strina)

Luisa Strina 140884. Foto Miro

Legenda: Foto: Miro

O papel é fundamental. Somos nós quem fazemos a mediação, não apenas com os colecionadores de arte, mas no nível educacional também, com museus e instituições, que têm a função de informar o público lá fora sobre a arte brasileira. Sobre a internacionalização das feiras brasileiras, é uma via de mão dupla: todos são favorecidos de alguma forma; mas ainda, e infelizmente, o trabalho das galerias brasileiras é dificultado em muitos aspectos, especialmente em relação às leis tributárias do país, o quê não acontece com as galerias internacionais.

Luciana Brito ( galerista, Luciana Brito Galeria)

Luciana Brito

Foto: Janete Longo

Atingimos um patamar importante para o circuito das artes no Brasil e as galerias têm papel fundamental, mas, mais do que isso, credito esse resultado a um esforço coletivo, à dedicação de muitos profissionais da área, entre galeristas, artistas, críticos e tantos outros, que desde o início dos anos 80, investiram não só na consolidação do mercado interno, mas principalmente na internacionalização da nossa arte. Esse processo árduo teve também como foco a etapa final de venda e visibilidade da obra, que só foi possível através da promoção e suporte para a produção e o desenvolvimento artístico, bem como pesquisa e educação. As galerias muito contribuíram para disseminar esses resultados lá fora, de forma coesa e profissional. Essa internacionalização das feiras também é resultado de todo esse esforço. Acredito que isso seja reflexo de um mercado que cresceu muito e, como resultado, deu muita visibilidade à arte brasileira, o que é absolutamente positivo para todos: galerias, instituições, artistas e colecionadores.

Oscar Cruz (galerista, Oscar Cruz Galeria)

Oscar Cruz

Legenda: Foto: acervo pessoal

Fundamental e imprescindível, tendo em vista o reduzido interesse por parte dos governos, federal, estadual ou municipal, em desempenhar um papel mais incisivo neste campo. Desde os anos 1980, as galerias brasileiras chamaram para si esta responsabilidade e acredito que obtiveram êxito no desempenho desta função. A internacionalização das feiras brasileiras é literalmente “uma faca de dois gumes”: por um lado favorece as galerias e o próprio mercado brasileiro, pois possibilitam uma maior visibilidade da arte brasileira junto aos mercados internacionais, mas, por outro, prejudica, pois as galerias internacionais estão muito mais interessadas em vender para colecionadores brasileiros, do que efetivamente “levar” a arte brasileira para o exterior.

Jaqueline Martins (galerista, Galeria Jaqueline Martins)

Jaqueline

Legenda: Foto: acervo pessoal

A galeria tem participação fundamental na internacionalização, seja gerando conteúdo, pesquisas, publicações, criando dinâmicas para circular produções e informações para consolidar uma produção tão efervescente como a nossa. A participação cada vez maior de galerias brasileiras em importantes feiras em muito contribui para criar redes de relacionamentos com curadores, instituições e coleções privadas. A internacionalização de feiras como a SP-Arte é saudável para todos.

Akio Aoki (diretor internacional, Galeria Vermelho)

Akio Aoki Janete Longo

Legenda: Foto: Janete Longo

O mundo está globalizado. E a arte, como em qualquer sistema produtivo no mundo contemporâneo, está se internacionalizando. As galerias do mercado primário representam artistas, e a melhor representação é internacionalizar as obras de seus representados em coleções e museus do mundo todo. Não entendo desta forma: galerias brasileiras x galerias estrangeiras, e sim que o principal favorecido são os colecionadores, além de visitantes, pesquisadores e instituições relacionadas a arte. Digo isso porque uma coleção pode ser relacionada por diversos aspectos, que pode obedecer a uma ordem geográfica, mas também por assuntos ou a artistas que aprecia. Neste caso, uma coleção de um artista de uma galeria estrangeira representada pode creditar um artista de uma galeria local, e vice-versa, como acontece com os neoconcretos. São relações de ideias e pensamento num mundo global.

Maria Baró (galerista, Baró Galeria)

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Legenda: Foto: Felipe Censi

É um papel muito importante, quase educacional, pois aumenta a exposição de artistas brasileiros que ainda é pouca no exterior e abre portas com curadores, colecionadores e as importantes instituições. A internacionalização das feiras favorece e desfavorece as galerias nacionais. Explico: a curto prazo, a vinda das galerias estrangeiras prejudica as nacionais por causa da concorrência. O mercado ainda é pequeno para comportar todas. Às vezes, o colecionador acaba se encantando com obras de galerias estrangeiras que são um marco do mercado e compra uma obra pensando na oportunidade do momento, pelo fato delas estarem aqui de passagem. Nesse caso, as nacionais acabam ficando para depois, já que estão aqui sempre à mão. Mas, a longo prazo, a vinda das galerias estrangeiras para as feiras traz um público interessado em conhecê-las, o que os faz ver mais de perto o trabalho dos artistas brasileiros e internacionais, fazendo assim um papel educacional importante. Essa vinda também favorece o intercambio entre artistas nacionais e estrangeiros, gerando boas parcerias.

Flaviana Bernardo (galerista, Galeria Emma Thomas)

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Foto: Carolina Krieger

Atualmente as galerias brasileiras têm atuado cada vez mais com a propagação dos trabalhos dos nossos artistas pelo mundo. Todo o esforço de custos envolvidos nessas ações internacionais (participação em feira, transporte, seguros das obras, staff) são 100% responsabilidade da galeria. Como as feiras de arte conseguem reunir bons representantes do mercado de arte em suas edições, é natural que os curadores, colecionadores, críticos e jornalistas visitem esses eventos com maior interesse e maior disposição, já que cada galeria leva o que tem de melhor: os melhores artistas e os melhores trabalhos.

A partir da feira, surgem as mais variadas possibilidades: vender a obra de tal artista para um colecionador interessante, vender a obra do artista para uma grande exposição ou acervo de algum museu/ instituição internacional, ou ainda o artista poderá receber convites para residências artísticas e projetos com outros grandes artistas em lugares distintos. Cada uma dessas opções são super pontos que contam no curriculum vitae de artista, todas geram crescimento e desenvolvimento de seus trabalhos. 

Hoje, na minha opinião, as galerias lutam para que nossos artistas sejam conhecidos e reconhecidos internacionalmente. Uma missão muito corajosa, uma vez que os brasileiros no geral tem a tendência de achar que tudo o que vem fora é o que é realmente interessante.
A participação maior de galerias internacionais em feiras brasileiras é um movimento muito natural. O que não era natural era a NÃO participação dos espaços de fora do Brasil nas nossas feiras. É muito comum ir à uma feira da Espanha e encontrar uma galeria do Líbano, ou visitar uma feira de Miami e encontrar uma galeria da Inglaterra. Parcerias entre galerias podem surgir desses encontros espaciais, onde as feiras abrigam sob o mesmo teto propostas tão distintas. 

O desafio com a entrada de galerias internacionais no mercado brasileiro é trazer o jogo a nosso favor: conhecer os colecionadores estrangeiros que estão visitando o Brasil, aproveitar-se do nosso momento econômico promissor e analisar as melhores frentes para realizar projetos mais importantes mundialmente. E também nos tonarmos mais profissionais para também alçarmos vôos em outros territórios. Assim como as grandes galerias, pensar em que outras cidades queremos estar, representando sempre o melhor da produção artística.

Tuca Nissel (galerista, Ybakatu Espaço de Arte)

Tuca Nissel

Legenda: Foto: Gazeta do povo

A participação das galerias brasileiras em feiras internacionais de arte, coloca os artistas brasileiros em contato com curadores, galeristas, colecionadores e artistas de vários países, propiciando uma entrada para suas obras no circuito internacional de arte. No meu caso, a participação da galeria Ybakatu na Arco em Madrid, durante os últimos sete anos, rendeu para alguns artistas da galeria obras em coleções particulares e institucionais importantes e parcerias com galerias espanholas e portuguesas. A internacionalização das feiras brasileiras favorece a ambos, mas a internacionalização das feiras não se dá apenas com a entrada das galerias estrangeiras na feira. Não vejo muitos compradores internacionais. Para as galerias brasileiras seria muito interessante que colecionadores, curadores independentes e curadores institucionais viessem às feiras. Acredito que este é um ponto que as feiras brasileiras ainda terão que fortalecer: trazer mais colecionadores e curadores internacionais para as feiras.

Mônica Novaes Esmanhotto (Gerente do Projeto Latitude – parceria entre ABACT e Apex-Brasil) 

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Legenda: Foto: acervo pessoal

As galerias brasileiras têm um papel histórico e fundamental na internacionalização da arte brasileira, do ponto de vista comercial e institucional. Nos anos 1980, pessoas como Luisa Strina e Marcantônio Vilaça desbravaram caminhos e instauraram diálogos que antes não existiam. A eles se seguiram vários personagens nas décadas seguintes, ainda atuantes, o que contribuiu essencialmente para a formação deste cenário complexo que vivemos hoje e inimaginável há alguns anos. ­Introduzimos nossa produção lá fora e, pouco a pouco, os estrangeiros foram vindo e conhecendo o cenário in loco. Agora a troca é muito dinâmica e bilateral. Isto é muito positivo para todos. Não há produção contemporânea sem trocas. Certamente, esta presença de galerias de peso obrigarão nosso mercado a estabelecer novas práticas de operação e um nível cada vez mais alto de profissionalização. Cabe a nós trabalhar de forma séria para cultivarmos e diversificarmos o nosso público e batalharmos por uma política pública de formação dos acervos dos museus brasileiros. O mercado não pode atuar sozinho. Há que se ter um equilíbrio entre as instituições, a academia, o mercado e os artistas. Se formos bem-sucedidos nesta tarefa que se impõe neste exato momento, daqui a alguns anos, poderemos observar uma nova reviravolta. Novamente positiva.

Luisa Duarte (Crítica de arte e curadora independente)

Luisa Duarte Foto 3

Legenda: Foto: acervo pessoal

O papel das galerias brasileiras é fundamental. Desde Marcantônio Vilaça, a presença da produção brasileira fora do país cresceu exponencialmente. Com raras exceções, podemos afirmar que um braço do circuito da arte que realmente cresceu na última década é o do mercado, das galerias. Instituições, coleções públicas, o espaço da crítica, escolas, faculdades, bibliografia, tudo isso está bem abaixo do que seria importante para um circuito mais equilibrado. Mas não é culpa das galerias se os outros agentes não se posicionam ou profissionalizam como eles, penso. Acho que deve existir por parte delas uma consciência deste contexto e, com o seu poder, cooperar para que possamos alcançar um maior equilíbrio interno. De toda a forma, é óbvio o papel fundamental das mesmas na circulação da obra de nossos artistas internacionalmente seja através da presença em feiras, seja no contato com curadores e/ou diretores de instituições sólidas mundo afora.

Quem é favorecido? Como curadora e crítica não me sinto na melhor posição para responder. Penso que cada um se favorece à sua maneira. Claro que é uma chance para as galerias brasileiras quando um grande número de estrangeiros vêm até aqui para ver e, quem sabe, comprar obras. Para as galerias estrangeiras atrás de um mercado “emergente”. Mas de fato, galeristas e colecionadores podem responder melhor tal questão. Em tempos de SP-Arte, que se prova um evento muito bem-sucedido e importante, devemos lembrar que a arte não pode nem deve ser balizada somente pelo mercado. Não é ele sozinho quem dita o valor de uma obra. Ou ao menos não deveria ser. O conhecimento teórico de críticos e curadores, a presença em instituições balizadas (que hoje também de alguma forma se confundem com o mercado muitas vezes), em exposições expressivas, formam o lugar de um artista no circuito. É preciso, por fim, lembrar da dimensão crítica e expressiva da arte em meio ao frenesi da feira, ou seja, do mercado. Tais aspectos podem ser facilmente alienados neste contexto. É nosso papel, desde dentro, recordar o aspecto de resistência contido na arte diante do mundo tal como se encontra; um mundo no qual como diz o filósofo Giorgio Agamben, “Deus não morreu. Ele tornou-se dinheiro”.

Ana Letícia Fialho (gestora cultural, pesquisadora e consultora do Projeto Latitude/ABACT/Apex-Brasil)

Foto Alf

Legenda: Foto: acervo pessoal

A chancela internacional é fundamental na construção de valores de ordem simbólica e econômica da arte contemporânea. As galerias do mercado primário são agentes importantes desse processo, pois é o reconhecimento desses valores o que viabiliza a comercialização das obras. Por isso, cada vez mais, as galerias brasileiras buscam se posicionar no circuito internacional, participando de feiras, estabelecendo parcerias com outras galerias, apoiando e incentivando a participação de seus artistas em exposições, residências e publicações internacionais, negociando a entrada de suas obras em coleções internacionais, etc., contribuindo assim para a internacionalização da produção brasileira. 

Luisa Strina, Thomas Cohn e Marcantônio Vilaça foram precursores desse tipo de iniciativa, nos anos 1980 e 1990. Mas, se até meados dos anos 2000, apenas cinco ou seis galerias brasileiras atuavam de fato no âmbito internacional, hoje esse universo conta com mais de 20 galerias, impulsionadas, desde 2007, pelo projeto Latitude, iniciativa da ABACT em parceria com a APEX-Brasil, visando aumentar a participação das galerias brasileiras no mercado internacional. O volume de exportações registrado pelo setor cresceu 350% nos últimos cinco anos, e hoje cerca de 50% dos artistas representados pelas galerias brasileiras estão inseridos em mais de 150 coleções internacionais (dados APEX-Brasil/Pesquisa Setorial Projeto Latitude, 2012). 

É importante lembrar, contudo, que a internacionalização da arte contemporânea brasileira é resultado de um processo mais complexo, iniciado há algumas décadas e que vem se consolidando nos últimos cinco anos. Historicamente, os principais propulsores da internacionalização da arte brasileira foram os próprios artistas, eles já circulavam e estabeleciam relações com outros circuitos nos anos 1960, quando o mercado no Brasil ainda não estava estruturado. O papel de outros agentes, e em particular de algumas instituições internacionais (e a análise de seus interesses, estratégias, alianças e motivações) merecem também ser considerados nesse processo, mas isso já é tema para uma outra conversa. 

A internacionalização das feiras brasileiras favorecem tanto as galerias internacionais quanto nacionais. Mas não se trata apenas de quem vende mais e para quem. As feiras são plataformas importantíssimas para o mercado, porque nelas se concentra um grande volume de negócios, mas também porque são, cada vez mais, um ponto de encontro entre galeristas, curadores, colecionadores, gestores de instituições e da mídia especializada. A presença internacional de agentes do circuito global da arte contemporânea nas feiras brasileiras – para além das galerias e colecionadores internacionais – favorece a todos, pois oferece oportunidades de contatos, negócios e trocas, e reforça o lugar do Brasil na agenda internacional. A participação de galerias internacionais nas feiras brasileiras pode até ser vista por alguns como uma ameaça, pois elas passam a disputar com as galerias brasileiras um pedaço do que os colecionadores brasileiros investem nesse período.

Mas talvez elas também estejam motivando a vinda de colecionadores internacionais, e estão, sem dúvida, aumentando ainda mais a curiosidade e o interesse internacional pelo Brasil, o que é positivo. O fato é que o mercado brasileiro está em expansão e a produção brasileira tem alcançado uma visibilidade internacional sem precedentes. A presença de galerias internacionais no nosso mercado é o reflexo dessa dinâmica. E, em certa medida, essas galerias estrangeiras impulsionam a competitividade, a diversidade e a profissionalização do mercado brasileiro, pois trazem outros modelos de funcionamento (na forma como se apresentam e promovem, como se relacionam com os clientes, como organizam o stand, por exemplo) e trazem também outras referências estéticas, o que, a meu ver, é salutar para o colecionismo e para a produção nacional. Além disso, acabaram provocando, indiretamente, a discussão sobre o regime tributário aplicado ao mercado brasileiro, o que, espera-se, tenha como resultado a criação de normativas mais adequadas às especificidades e ao desenvolvimento do setor.