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Postado em 16/02/2012 - 5:31
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Nina Gazire

Em entrevista, a artista Rosângela Rennó fala sobre retrospectiva em Portugal e dos preparativos para lançamento de um livro

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Legenda: Trabalho da série Frutos Estranhos, de Rosângela Rennó

Rosângela Rennó é um dos nomes brasileiros mais proeminentes no âmbito internacional. Em 2012, a artista mineira realiza duas exposições de cunho retrospectivo em dois países europeus. A mostra Frutos Estranhos acontece no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa (Portugal), onde divide o espaço com outro nome incensado internacionalmente, Beatriz Milhazes. A mostra ficará em cartaz até o dia 6 de maio e depois seguirá para o Fotomuseum, na cidade de Winterthur (Suíça).

Com curadoria da crítica de arte portuguesa Isabel Carlos, a mostra reúne alguns trabalhos realizados ao longo da última década. Estre eles está a obra que dá nome à exposição e se refere à música tornada imortal na voz de Billie Holiday e que denuncia crimes de racismo praticados nos EUA  nos anos 1930: negros eram enforcados em árvores e ficavam pendentes delas, como “frutos estranhos”. A série de vídeos em loop foram realizados a partir da edição e animação digital de imagens fotográficas. Outro destaque da mostra é a obra Menos Valia, instalação com objetos fotográficos antigos (câmeras, álbuns de fotos, lupas de telescópio) encontrados pela artista. Rennó leva à Europa a versão de 2005,  já que a versão de 2010 foi uma performance realizada durante a 29ª Bienal de São Paulo, em 2011, quando todos os objetos foram leiloados.

Nesta espécie de work in progress, a artista pretendia questionar o valor agregado aos objetos já que foram recolhidos por ela para serem vendidos dentro de uma Bienal. Na ocasião, os objetos foram todos vendidos com um lance mínimo de R$100 por parte dos participantes. Menos Valia será agora transformado em um livro, com previsão de chegar ao mercado em meados deste ano. Além do registro do trabalho, a publicação trará um DVD com o vídeo do leilão realizado na Bienal. Em entrevista, Rennó fala sobre a exposição em Portugal e sobre os preparativos para o lançamento do livro:

Qual é o conceito curatorial por trás da exposição Frutos Estranhos?

A exposição foi pensada junto com Isabel Carlos para ser tanto uma retrospectiva quanto uma espécie de complemento daquilo que Portugal já conhece do meu trabalho. Então eu tentei levar em conta o fato de que já mostrei algumas séries e que já havia feito algumas exposições relevantes por lá anteriormente. Então tentamos complementar essa mostra na Gulbenkian com obras ainda inéditas em Portugal.

A série Frutos Estranhos, de 2006, é o trabalho que dá nome a exposição. Por quê?

Na verdade, esse trabalho nasceu das fotografias que eu usei para fazer as animações. As fotos mostravam uma situação desconcertante, inusitada. Ele começou por causa da imagem de uma menina que fica dependurada em uma árvore. Mas, também é uma referência indireta a música Strange Fruit , cantada pela Billie Holiday, sobre o linchamento de negros que eram depois pendurados nas árvores. O nome da mostra foi dado pela curadora Isabel Carlos e acho que é porque a gente reuniu trabalhos muito diferentes e cada um deles tem uma particularidade: todos são frutos estranhos. A maioria dessas obras tem uma questão política envolvida. Na série Frutos Estranhos, por exemplo, você segura a imagem exibida em um dispositivo pequeno. O aparelho de DVD é visto na vertical e se assemelha a um caderno. Na animação, as coisas acontecem muito lentamente, o oposto da rapidez de uma imagem de videoclipe. É necessário deter-se diante do trabalho. Isso é uma parte da exposição, que tem a ver com aquilo que denomino “formas de mostrar”: máquina fotográfica, aparelho de DVD e  demais modos de visualização da imagem. É a imagem mediada.

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Legenda: Still do vídeo Lagoa, da série Frutos Estranhos

Quantas obras ao todo estão na exposição?

Em torno de 40 obras. Porém muitas delas são séries que acabam constituindo um conjunto único. Por exemplo, não vamos mostrar a série inteira de A Última Foto. Neste trabalho, feito em 2006, reuni 42 fotógrafos para tirarem uma fotografia do Cristo Redentor com câmeras analógicas do meu acervo pessoal. Muitas imagens foram feitas e hoje a série está espalhada em diferentes lugares. Seria muito complicado reuni-las novamente. Vários dos meus trabalhos possuem grande número de itens constituindo uma única série. Optamos por apresentar algumas delas em pequenos grupos. No caso da A Última foto, por exemplo, serão mostrados apenas quatro trabalhos.

A obra Menos Valia também estará na mostra. Porque você optou por apresentar apenas a versão de 2005? Não vai repetir a performance feita na Bienal de 2010?

O leilão foi uma performance e não vou repetir. O projeto Menos Valia vai ser transformado em um livro que será lançado no meio deste ano. O livro terá um DVD encartado. O livro deveria ter sido lançado no final do ano passado, mas devido a minha agenda não consegui lançá-lo antes. Neste caso, a publicação será apenas sobre a versão apresentada na 29ª Bienal de SP. Na publicação há uma reprodução de todos os objetos realizados para essa mostra/leilão e documentação geral do evento. O DVD encartado conterá um vídeo do leilão propriamente dito.

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Legenda: Still do vídeo Anuloma-Viloma Azteca, da série Turista Transcendental

Você irá apresentar algum trabalho inédito nessa mostra?

Tem a série de vídeos mais recentes que estou fazendo. É uma série de vídeos de viagem. O que há de especial é que eu incorporo uma espécie de alterego do Turista Transcendental. É a hora em que eu consigo documentar alguma coisa como turista e faço esses cruzamentos culturais que pretendem documentar o que há por detrás daquilo que está sendo visto. Por isso que introduzi elementos da cultura da yoga, das culturas orientais. Cada vídeo é de um jeito. Quando se está documentando um lugar que está sendo visitado pela primeira vez, cada um registra determinadas situações e contextos de maneiras diferentes. Existe uma pós-edição que conecta estes vídeos de viagens com outras imagens de viagens diferentes. E aí que acontece a brincadeira do Turista Transcendental. É como se, ao documentar aquele local, ele acabasse enxergando outros lugares em cima. Na exposição serão exibidos cinco vídeos. Um deles é inédito e foi feito no ano passado, em Istambul . Acabou de ser editado agora e os outros quatro foram mostrados na bienal de Moscou e na Caixa Cultural de Curitiba. O Uyuni Sutra foi feito na Bolívia, o Anuloma-viloma azteca foi feito no México, e o Bouk (ring/loop) foi realizado na Ilha da Reunião, no meio do Oceano Índico. Por último, tem o Kundalini Freedon, realizado dentro da estátua da Liberdade, em Nova York.