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Vista da exposição na Galeria Marcelo Guarnieri (Foto: Divulgação)
Postado em 29/04/2022 - 4:48
Morar na paisagem: Rebolo e Rebollo
Duas exposições em cartaz em São Paulo aproximam as obras de bisavô e bisneta, ótimo roteiro de visitação para este sábado

[…] Tempo tempo tempo tempo…
Compositor de destinos, tambor de todos os ritmos…
Tempo tempo tempo tempo…
Por seres tão inventivo e pareceres contínuo,
Tempo tempo tempo tempo…
Peço-te o prazer legítimo e o movimento preciso,
Tempo tempo tempo tempo… […]

Esses versos da canção Oração ao Tempo, do Caetano Veloso, poderiam ser a trilha sonora perfeita para embalar a visita a duas exposições em cartaz em São Paulo.

Por uma coincidência do tempo – por seres tão inventivo e pareceres contínuo – bisavô e bisneta estão com seus trabalhos expostos simultaneamente na capital paulista, em bairros vizinhos.

Na Galeria Marcelo Guarnieri, nos Jardins, o pintor Francisco Rebolo, o bisavô, é homenageado por ocasião dos 120 anos de seu nascimento com uma belíssima exposição que reúne 36 obras produzidas entre os anos de 1940 e 1970, além de um único trabalho de 1980, ano de sua morte.

Nascido em São Paulo, filho de imigrantes da Andaluzia, de origem operária, foi jogador de futebol por 15 anos e, em 1933, assumiu definitivamente o desenho e a pintura, para nosso deleite.

Grupo Santa Helena
Artista autodidata, Rebolo trabalhou como aprendiz de decorador – assim eram chamados os artistas que faziam pinturas ornamentais nas residências e igrejas – e abriu sua empresa de decoração em paredes em 1926.

Entre os anos de 1933 e 1934 opta pela pintura de cavalete, transfere seu ateliê para o Palacete Santa Helena, na Praça da Sé, e aos poucos outros pintores de parede ou de decoração – ligados por uma afinidade social bem definida e pelo desejo de fugir ao academicismo, como explica o crítico Mário Schenberg em texto de 1973 – instalam-se no mesmo local.

Assim nasceu o Grupo Santa Helena, também chamado de grupo de artistas proletários, por Mário de Andrade. Esses artistas retratavam a São Paulo operária, suburbana,  gente humilde, temas religiosos e naturezas-mortas.

Rebolo, dotado de uma intuição poética, sensível e vibrante, distanciou-se dos temas urbanos na sua prática pictórica quando se mudou para o longínquo e bucólico bairro do Morumbi, para viver perto da natureza. Morar na paisagem. 

Preciosidades descobertas
A exposição, que encerra neste sábado, 30/4, é uma oportunidade rara para apreciar em um mesmo espaço dois afrescos originais, pinturas a óleo com paisagens, naturezas-mortas (ou, como dizia Schenberg, vivas), desenhos – atenção para o emblema do Corinthians, em uso até hoje – fotos, e até colagens, além de material de trabalho, como pincéis, tubos de tintas e ferramentas. 

Afresco de Rebolo
Afresco de Rebolo

Os dois afrescos, datados dos anos 1940, estavam localizados em uma casa na Vila Mariana, em São Paulo, que foi demolida. Antes da demolição, os proprietários entraram em contato com a família do artista para informar sobre a existência dessas preciosidades. Um especialista em conservação foi contratado para realizar o planejamento de remoção e preservação das obras.

Rebolo fazia um estudo do ornamento para apresentar ao cliente, e um dos estudos, que pertence à filha do artista, está presente na exposição. É interessante comparar o trabalho preliminar, em uma escala de 24 x 20 cm, com o trabalho pronto, na escala 109 x 89,6 cm.

Vínculos do tempo
Outro destaque é o Quadro Inacabado, óleo sobre tela de 1980, com duas assinaturas. A primeira assinatura foi feita com a tela em branco, e a segunda tem apenas as suas iniciais, feitas quando estava com a mão imobilizada. 

Quadro Inacabado (1980)

Esse talvez seja o último trabalho do artista antes de falecer, aos 78 anos. Três anos depois, em 1983, nasceu Flora Rebollo, a bisneta, que é a artista convidada da série Hóspede, no Museu Casa Ema Klabin, em cartaz até 29/5, com a obra Ovo.

Ovo (2017) é composta por quatro pinturas perfazendo um painel de 2 metros de largura por 1,40 m de altura, instalada na parede direita do quarto de hóspedes, ao lado do quadro Rio de Janeiro (1923), de Tarsila do Amaral. Com curadoria de Gilberto Mariotti, a série de exposições “hospeda” obras de artistas contemporâneos para criar diálogos com peças da Coleção Ema Klabin. No caso de Flora e Tarsila, a paisagem subjetiva que imagina a representação de um ovo sem contorno, mesclando o que está dentro e fora da membrana que separaria mundo interior e exterior, convoca o Urutu (1928), de Tarsila do Amaral, que pertence à coleção Gilberto Chateaubriand, do MAM-Rio, assim como estabelece com a pintura Rio de Janeiro, da modernista, um tête-à-tête sobre morar na paisagem.

Ovo (2017)
Rio de Janeiro, de Tarsila do Amaral

[…] Tempo tempo tempo tempo…
Ainda assim acredito ser possível reunirmo-nos,
Tempo tempo tempo tempo, num outro nível de vínculo…
Tempo tempo tempo tempo… […]


SERVIÇO

Francisco Rebolo: Viver a Paisagem
Galeria Marcelo Guarnieri; até 30/4
seg – sex: 10h às 19h ; sábado – 10h às 17h

Série Hóspede, com Flora Rebollo
Casa Museu Ema Klabin; até 29/5
Finais de semana e feriados: 11h, 14h, 15h15 e 16h30