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Postado em 31/10/2011 - 7:10
Nascido para tuitar
Juliana Monachesi

Duas exposições em Washington lançam luz sobre obra política de Andy Warhol

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“Uma pena que Warhol, que morreu em 1987, não tenha podido estar por aqui para o século das mídias sociais. Com seu pendor para a expressão concisa, ele nasceu para tuitar. Como um ávido personagem da cena com alma de outsider, ele teria encontrado no Facebook a resposta a uma prece.”

Inspirado assim, e com um tal pendor para criar máximas tão certeiras quanto visionárias, de quem mais poderia ser este texto senão de Holland Cotter? O crítico do NYT reporta, de Washington, a reviravolta na apreciação crítica da obra de Andy Warhol com a inauguração de duas exposições na capital norte-americana, uma na National Gallery of Art e outra no Hirshhorn Museum and Sculpture Garden.

Mas para a era de ouro do jornalismo impresso ela estava, sim, por aqui. Mais especificamente, no auge das manchetes de tablóide, “aquele disparo de adrenalina visual que captura o olhar em toda banca de jornal”, escreve Cotter. “A manchete clássica de dois, três ou quatro palavras chocantes fazia até mesmo o Twitter parecer verborrágico. As histórias a elas associadas – sobre o assassinato de todos os dias, loucura e caos, de preferência com um gancho de celebridade – transformou o americano médio em um escopofílico de calçada”, continua o crítico em um nariz-de-cera memorável.

Cotter prossegue dividindo em duas a obra de Warhol: por um lado, ele não se diferenciava de todo o lixo jornalístico e cultural de que fazia uso em seus trabalhos; por outro lado, ele tinha a atitude de um outsider e se mantinha à distância desta mesma cultura para poder criticá-la. Estes dois aspectos de sua arte estão presentes em mostras diferentes mas complementares em Washington.

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“A maior e mais complexa delas, Warhol: Headlines, na National Gallery of Art, é um denso e irrequieto olhar temático, mas judiciosamente dimensionado, para a utilização ao longo de sua carreira de material relacionado com notícias extraídas do jornalismo impresso, fotografia e filmes.”

“A segunda mostra, Andy Warhol: Shadows, no Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, consiste basicamente de uma única peça: um mural de múltiplos painéis, em sua maioria pinturas negras ‘abstratas’, que, dependendo do seu humor e sua opinião sobre Warhol, pode ser lido como sublime ou sinistro, mas de qualquer forma irradia um ar de profundo silêncio”, resume Cotter.

A exposição da National Gallery abre com uma sala que tem três paredes recobertas por grandes pinturas de Warhol baseadas em primeiras páginas de tablóides. “129 Die in Jet!” [129 morrem em avião!] é a primeira manchete que captura o olhar do crítico, e que, ele nos conta, foi retirada de uma edição de 1962 do extinto New York Mirror.

Cotter comenta outras duas obras, uma que reproduz a manchete do New York Daily News também de 1962 que anunciava o fim de um casamento: “Eddie Fisher Breaks Down, dizem-nos, enquanto sua ex-mulher, Elizabeth Taylor (em breve sra. Richard Burton) permanece em Roma. Como que para ampliar a profundidade da agonia camisa-de-força de Fisher, a manchete é colocada acima de uma foto do casal tirada em um dia mais feliz.”

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Em duas pinturas, uma inacabada, feitas com base em uma edição de 1961 do New York Post, temos uma contrastante notícia alto-astral da realeza. A Boy For Meg, diz a manchete, anunciando o nascimento de um filho para a princesa Margaret da Inglaterra, que é vista sorrindo com recato para a câmera. “Mas os editores devem ter sentido que a história era um pouco banal, então, para um appeal vulgar, eles acrescentaram um banner azul no alto da capa prometendo os bastidores de Sinatra e Seu ‘Rat Pack’.”

O destaque que Cotter dá a estas pinturas se deve ao fato de serem as primeiras em que utiliza manchetes de tablóide e as últimas da trajetória de Warhol em que o artista ainda se vale de um estilo pictórico que deixa as marcas da pincelada, já que ele logo abandonaria estes recursos em prol do silkscreen e da aparência da reprodução mecânica.

Mas o fato de serem as primeiras a veicularem matéria-prima jornalística não significa que tenham sido o primeiro contato do artista com o universo da imprensa. É conhecida a trajetória de Warhol como ilustrador comercial, para um fabricante de sapatos. Cotter argumenta que a experiência de ver suas ilustrações feitas à mão publicadas ao lado de anúncios de casamento no New York Times, mas também junto de notícias e outros anúncios, deve ter ensinado a ele quão semelhantes o jornalismo e a publicidade eram.

“Ambos estavam vendendo alguma coisa, ambos estavam no negócio de fornecer prazer aos consumidores [de notícias ou de sapatos]. (…) A arte, ele acreditava, estava no mesmo negócio potencialmente populista de proporcionar prazer”, avança Cotter em sua leitura da exposição. Nas obras feitas com base nas manchetes de jornal, Warhol não fazia apenas uma transcrição: “ele se tornava editor, reescritor e inventor, papéis que nós vemos ele assumir no decorrer da exposição”, acrescenta.

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Depois de se tornar ele mesmo o assunto das manchetes, em 1968, quando levou um tiro da escritora Valerie Solanas, Warhol abandonou o tablóide como matéria-prima para suas pinturas durante vários anos. Em 1980, ele retoma a técnica e produz, na opinião de Cotter, algumas das pinturas de manchete mais politicamente afiadas de sua carreira -referências fortes ao militarismo e ao racismo- e algumas das mais tolas também, como a capa de um New York Post de 1985 transformada em colaboração com Keith Haring, em que um escândalo em torno de fotos de Madonna nua se torna um presente de dia dos namorados para ela.

E então o crítico se encaminha para sua conclusão:

“Muito do trabalho de Warhol, talvez a maioria, está focado no tempo, quer tentando congelá-lo ou para atestar sua transitoriedade. Sua arte com base em notícias é visivelmente ligada a este tema: no momento em que a maioria das manchetes é escrita, as catástrofes já terminaram. A manchete de hoje será enterrada sob a de amanhã. A grande pintura ‘abstrata’ intitulada Shadows, exposta no Hirshhorn, é sobre o tempo também, embora de uma forma solta e misteriosa.” 

“Datada de 1978, é composta de 102 grandes painéis serigrafados, todos do mesmo tamanho e pendurados borda com borda. A ordem na qual pendurá-los é arbitrária, cabendo ao curador, neste caso Yasmil Raymond, do Dia Art Foundation, que é dona da obra. Cada painel é pintado com uma de 17 cores, mas dominado por formas pretas nebulosas -sombras, espalhadas e fotografadas no estúdio de Warhol- que ocupam a maior parte do espaço.”

“Há muitas maneiras de entender a peça. Alguns espectadores caminhando ao longo de sua extensão podem ter uma experiência narrativa. Outros serão tomados por seu jogo intrincado de variações formais. Eu vi -e isso foi novidade para mim- uma imagem da transmissão de impulsos eletrônicos, um fluxo futurista, multidirecional, de dados de comunicação. As reconfigurações possíveis parecem intermináveis. Você precisaria do ciberespaço -onde Warhol nunca esteve, tanto quanto eu sei- para ordená-los todos.”