No texto curatorial da exposição Peregrinações no Saara, o curador Agnaldo Farias afirma que na arte brasileira ninguém pensou o problema do objeto como Nelson Leirner (1932-2020). Com obras de suas ultimas duas décadas de produção, a mostra reafirma a centralidade dos objetos garimpados em mercados populares na obra iconoclasta do grande artista que faria 90 anos em 2022.
A guerra, a fé, o amor, o sexo, o jogo ou a história são dimensões da vida, sugeridas nos encontros nem tão casuais que Leirner produziu entre objetos deslocados do cenário caótico dos centros comerciais para o cubo branco da arte.
Diálogos com outros artistas também estão presentes na mostra que se encerra neste sábado 30/5 na Silvia Cintra Box 4, no Rio, como a conversa com Mondrian ao som de carrinhos de plástico, na melhor tradição Duchampiana, em Boogie Woogie (2012-2019).
Mas revisitar Nelson Leirner em seus 90 anos é discernir que sua obra não apenas se refere à corrupção do objeto, mas também das palavras e principalmente às estratégias de degradação da linguagem.
No uso que ele faz dos stickers – cobrindo objetos por completo, como no mapa-mundi quadrado Homenagem a Galileu (2004) e em Pollock Cow (2004), exposta em Nelson Leirner 90 Anos, no estande da galeria na ArtSampa, em março –, estão delineados e dissimulados os recursos de pós-produção da imagem digital dos stories e dos memes, por exemplo.
Na tesoura que corta ao meio uma nota de 1 dólar com uma cabeça de Minnie colada, em O Valor da Arte (2013), há a clara intuição dos processos de falseamento implícitos aos sistemas de comunicação online. No humor ácido dos Desenhos eróticos (2008-2010), em que pinturas de Da Vinci e Michelangelo são assediadas por falos e vulvas (mal desenhadas, “pixadas” no papel), se insinua a sombra das falsas notícias e as pós-verdades.
Pelos caminhos dissimulados dos grandes comércios populares, cabe hoje reler Nelson Leirner à luz da informação digital.
Nelson Leirner – Peregrinações no Saara
Galeria Silvia Cintra Box4
Rua das Acácias 104, Rio