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Postado em 23/01/2015 - 5:12
No entanto, ela se move
Paula Alzugaray

Exposição traz recorte de 20 anos de produção de Claudia Bakker e uma fotogravura inédita que sintetiza poéticas de liberação e captura. Fica aberta até o dia 26 de janeiro

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Legenda: Escreve na Memória (2014), fotogravura de Claudia Bakker (foto: Cortesia Claudia Bakker)

O Jardim do Éden, cenário bíblico onde cada árvore (de maçã, romã ou da vida) foi plantada com um objetivo simbólico, é tema reincidente da arte ocidental. Na pintura moderna, o cuidado com que Cézanne organiza maçãs e laranjas sobre dobras de toalha jogada sobre mesa poderia ser comparado ao rigor do posicionamento de rios e pomares na cartografia do paraíso. Em O Jardim do Éden e O Sangue da Gárgona (1994-95), instalação de Claudia Bakker realizada há 20 anos na fonte do Museu do Açude, no Rio, 900 maçãs foram jogadas na agua. De seu movimento suave na superfície, sob a força do vento, o visitante poderia vislumbrar metáforas da passagem do tempo e da transitoriedade da vida.

Dois anos depois, a artista voltou à mesma fonte e desenhou outra paisagem. Em A Via Láctea (1996), as maçãs foram substituídas por esferas brancas de látex, flutuando sobre matéria leitosa. Na primeira instalação, Bakker explorou a transparência: sob as maçãs, era possível discernir textos mitológicos abordando a dicotomia entre vida e morte. Na segunda, preferiu a opacidade e a ilegibilidade.

As duas instalações estão reunidas numa fotogravura intitulada Escreve na Memória (2014), realizada dentro do projeto Amigos da Gravura do Museu Chácara do Céu, que desde 1992 convida artistas a realizar uma gravura inédita. O encontro desses trabalhos de intervenção espacial em um terceiro trabalho fotográfico desvela dicotomias presentes em 20 anos de trajetória da artista carioca: perenidade e efemeridade; virtualidade e realidade; movimento e retenção; liberação e captura. Principalmente, aponta para jogos entre opacidade e transparência, que fundamentam hoje estudos sobre fotografia e imagens técnicas. Seja em intervenções no espaço, fotografias, filmes, vídeos, escritos ou, como definiu o crítico Luis Camillo Osório em 1998, em “fototextos”, o trabalho de Claudia Bakker está atrelado ao paradoxo entre a velocidade do tempo e a retenção da realidade. Como Cézanne, Bakker tem pressa em ver, ao pressentir que tudo está, lenta ou rapidamente, desaparecendo.

Amigos da Gravura – Claudia Bakker – Museu Chácara do Céu, Rua Murtinho Nobre 93, Santa Teresa, RJ

*Review publicado originalmente na edição #21