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Ilhas (2020), ilustração de Ennes Silveira Mello (Foto: Cortesia do arquiteto)
Postado em 18/08/2020 - 9:52
Novacidade
A Covid-19 atinge principalmente áreas densamente povoadas, indicando que não podemos persistir na forma que vivemos nas cidades hoje
Ennes Silveira Mello

Cidades nascem e crescem desordenadas – geralmente em elevações, nas bordas de rios, estradas de rodagem, paradas de trens, de ônibus. Aglomerados que podem se transformar em pequenas ou grandes cidades. Procurei sempre entender a mecânica evolutiva das cidades onde vivi. Especialmente a de São Paulo, onde nasci. 

A cidade de São Paulo nasceu dia 25 de janeiro de 1554, no local escolhido para sede de um colégio, centro de catequese de índios. Ficava a dez léguas do mar, em uma elevação na confluência dos rios Tamanduateí e Anhangabaú. Oferecia água próxima, bom clima e visão do inimigo ao longe, uma ótima situação para descanso e ligação do planalto ao mar.

A pacata São Paulo de Piratininga, com seus 65 mil habitantes, preparava-se para a entrada do século 20, quando, em apenas dez anos, cresceu quatro vezes a sua população. Era catalizadora e distribuidora de imigrantes europeus. Em oito anos, recebemos o espantoso volume de 1 milhão de imigrantes italianos, eslavos e saxões, trazendo a máquina industrial para a economia local. Sua rudimentar legislação urbanística estabelecia normas que visavam apenas a estética e a higiene das edificações, ou diretrizes quanto à largura de ruas, mas nada relacionado a uso e ocupação do solo.

A “Lei Arthur Saboya”, vigente por meio século, veio disciplinar, orientar e regulamentar a construção de prédios altos na cidade de São Paulo. Confusa e parcial, até hoje carrega uma sombra especulativa e sua ação veio acarretar o nosso imenso desequilíbrio habitacional. A especulação imobiliária é uma das maiores responsáveis pelo que chamamos, em urbanismo, de “espraiamento urbano”, a separação de ricos e pobres, trabalho e lazer – prejudicando o transporte público e a conexão entre a cidade e os bairros. São Paulo e Nova York são seus melhores exemplos internacionais.

Quem diria, a magnífica Nova York poderia, um dia, estar como agora… enterrando diariamente milhares de mortos. E que São Paulo apresenta situação similar, com uma única diferença: somos pobres. A pequena e devastadora Covid-19, que atinge preferencialmente áreas densamente povoadas, sem suficientes condições sanitárias, chega neste momento crucial para avisar que não podemos persistir na forma que até hoje vivemos. 

Em entrevista ao historiador Steve Burns, o sociólogo americano Richard Sennet e a socióloga dinamarquesa Saskia Sassen, importantes estudiosos das cidades modernas, avaliam as consequências e medidas que naturalmente deverão ser adotadas após eventos da Covid-19, em época de recuperação social. A cidade de São Paulo é por eles exemplificada como a pior situação existente para uma vida saudável, com sua insuportável densidade habitacional, sua violenta desigualdade social. Após tantas perdas, estaremos prontos para fazer o que será preciso?  

Está na hora de combater a densidade habitacional das cidades brasileiras, o violento desequilíbrio entre centro e periferia. Está na hora decidir se o País será uma imensa monocultura de grãos e carne de gado – perpetuando um retrocesso colonial e exportando produtos agrícolas não manufaturados – ou se estabeleceremos um necessário zoneamento para matas virgens e produtivas, reservas indígenas, agricultura e urbanização controlada. 

Em 1992, 20 anos após a realização da Conferência de Estocolmo, foram reunidos no Rio de Janeiro 178 países com a finalidade de traçar estratégias para combater a degradação ambiental. O encontro introduziu o conceito de Desenvolvimento Sustentável, seguindo um modelo de crescimento econômico menos consumista e mais adequado ao equilíbrio ecológico. 

Hoje, passados 48 anos do primeiro grande evento sobre Meio Ambiente, regredimos por obra de um governo de ignorantes e aproveitadores, que nos transporta ao passado. Possuímos a maior biodiversidade mundial e devemos lutar francamente contra atitudes irresponsáveis de um governo interessado em destruir o nosso sistema natural. 

O FUTURO SERÁ UMA UTOPIA…
O Brasil necessita de um zoneamento meticuloso e, principalmente, honesto. Uma reforma política deve ser imediatamente definida, seguindo um sistema de eleições distritais. Uma nova sociedade, independente e livre, deve ser formada pelos verdadeiros “amigos da cidade”.

NOVACIDADE, seu nome, crescerá em mãos sensíveis e inteligentes. Nascerá junto a uma cidade média em crescimento, possivelmente na conurbação entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Crescerá organizada na forma de uma cooperativa, uma fazenda coletiva, com qualidade de vida. 

As cidades crescem como a gente, tem vida própria, são alegres, são tristes, tem momentos de força, de fraqueza, são boas, são ruins. NOVACIDADE será muitas coisas. Será um laboratório para discutir a destruição da cobertura florestal, o crescimento das cidades, a queima de petróleo e de combustíveis fosseis, a diminuição da camada de ozônio, a separação social entre ricos e pobres, o uso indiscriminado da terra, a poluição do ar, as mudanças climáticas induzidas pelo homem, a demanda por água, o destino do lixo e do esgoto, o plástico lançado nos rios e no mar, a elevação das águas, as enchentes, as secas, os tufões, os furacões, as doenças, as resistências às drogas modernas, o automóvel, a poluição do ar, a agricultura intensiva… Tantas coisas para avaliar, para estudar. 

NOVACIDADE é a discussão de como fazer uma cidade: uma proposta para jovens debaterem o futuro com outro jovem de 87 anos de idade.