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Moscaglia (2019), de Regina Silveira
Postado em 06/04/2020 - 7:15
O banal fantástico pudim de Regina Silveira
Em meio a domesticação pelo mercado e partindo do Pudim Da Arte Brasileira, lançamos a provocação: qual a receita da arte feita hoje?
Paula Alzugaray

Atenta aos fluxos da cidade e aos rumos da sociedade, Regina Silveira imprimiu, em 1978, 500 fotocópias de seu Pudim Da Arte Brasileira (1977) em folhas A4 e distribuiu na saída da recém-inaugurada estação Sé do metrô, em em São Paulo. A ação não foi fotografada e a obra, anônima, invadiu o tecido urbano e a percepção dos usuários do metrô com uma mensagem fronteiriça entre o doméstico e o disruptivo.

O Pudim Da Arte Brasileira (1977) de Regina Silveira

Digitado em máquina de escrever, o texto é a digressão de uma prosaica receita de pudim de coco, extraída do livro de receitas de Dona Mimi Mouro, uma querida amiga da família Silveira, de Porto Alegre. Do original, a artista muda ingredientes e altera procedimentos, de modo a denunciar o discurso morno e adocicado que percebia na arte política da época.

Caramelada e altamente picante, a receita satírica de Regina Silveira mira as doses de ideologia e de “olhar retrospectivo” praticadas então; além da “exacerbação da cor” adotada pelos pupilos modernistas das vanguardas europeias, que engrossavam sua calda pictórica com “uma colher de sopa de École de Paris”. A crítica ganha alta temperatura quando disparada contra representações de “brasilidade” que faziam o indigesto emprego do exotismo – aqui ilustradas pelo uso de “um pequeno índio ralado”, substituindo o coco.

Além da versão em xerox, o trabalho ganhou uma tiragem em ampliação fotográfica, impressa em off-set, e integrou a serie Jogos de Arte (1977). No atual cenário de domesticação da arte pelo mercado, e de quase apatia da sociedade diante do desmantelamento de valores culturais e simbólicos pelo governo brasileiro, o Pudim representa uma oportuna provocação, que decidimos lançar a seis artistas.

Paulo Bruscky, Carmela Gross, Jorge Menna Barreto e Joelson Bugila e a própria Regina Silveira aceitaram o desafio e propõem, em obras que invadem o tecido editorial da edição #46 de seLecT, uma crítica à arte contemporânea produzida hoje, nos dando a pensar o papel da arte política como um meio de transformação. Além disso, em ação similar à invasão anônima da cidade com o Pudim Arte Brasileira, Regina Silveira realiza aqui um ataque de moscas varejeiras sobre as páginas da revista.