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Carlos Monroy (Foto: Cortesia Carlos Monroy)
Postado em 20/09/2016 - 4:04
O brasileiro está aberto para receber refugiados e imigrantes?
Carlos Monroy, Lucinéia Rosa Dos Santos, Irmã Rosita Milesi, Joel Aurilien e Paulo Illes respondem à pergunta feita pela #select31

A cada ano, centenas de imigrantes, muito deles refugiados, chegam ao Brasil. Na terra do samba e do futebol, o sol e a boa índole de um povo supostamente sem preconceitos atraem quem busca um lugar para começar de novo. Na prática, a acolhida brasileira é agridoce: na mesma medida em que o País recebe mais sírios do que destinos na Europa, atos discriminatórios com relação à cor da pele, à língua e aos costumes comprometem a vida dos recém-chegados. Por isso, seLecT pergunta: “O brasileiro está aberto para receber refugiados e imigrantes?”


Carlos Monroy

Artista colombiano residente em São Paulo
Repasso a pergunta ao leitor: você está aberto a receber imigrantes e/ou refugiados no Brasil? Da forma de pensar do brasileiro dependem o desenvolvimento humano e a inserção social e econômica de mais de 940 mil pessoas (dado de imigrantes legais registrados até o momento). Se a pergunta fosse sobre se o governo está aberto a nos receber, o buraco é mais embaixo. O imigrante é obrigado a ser uma força laboral sem direitos políticos ou trabalhistas, já que esses são negados pelo Estatuto do Estrangeiro criado no regime militar e ainda vigente. Esse tipo de lei nega aos refugiados e imigrantes o poder real de se defender daqueles que os entendem como ameaça. O isolamento cultural das comunidades nordestinas, bolivianas e haitianas nos dá a ideia de que talvez o brasileiro não curta muito o imigrante índio e o refugiado preto, mas se orgulha de levar o sangue do imigrante italiano. Quem diria que o país de todos (imigrantes) não consegue se levar a sério. Pacha Mama mia!


Lucinéia Rosa Dos Santos

Advogada e professora de direitos humanos da PUC-SP
Vivenciamos na atualidade um grande êxodo, graças às graves violações dos direitos humanos. Com isso, é enorme o número de imigrantes que escolhem o Brasil para viver. Existem diversos grupos, de diversas etnias, que obtiveram no Brasil a condição de refugiados. Há um número acentuado de imigrantes de países da África, como da República Democrática do Congo, nigerianos e angolanos; também sírios, afegãos e haitianos. Além de estarem de forma involuntária no País, os refugiados vivenciam todas as formas de discriminação, em especial a racial, dada a predominância dos imigrantes negros, e a religiosa, sofrida por refugiados islâmicos, em especial as mulheres. Porém, a discriminação racial contra africanos e haitianos tem sido um entrave para que eles possam validar seu diploma de curso superior no Brasil, para inserção no mercado de trabalho e integração na sociedade.

Lucinéia Rosa Dos Santos (Foto: Divulgação)
Lucinéia Rosa Dos Santos (Foto: Divulgação)


Irmã Rosita Milesi

Diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos
A acolhida a refugiados e imigrantes contempla, por natureza, vários âmbitos ou aspectos (social, político, econômico, laboral, cultural). Por isso falar em “abertura do País para receber” importaria desenvolver a análise destas várias dimensões e considerar a diversidade de situações que o tema abrange, algumas das quais estão bem presentes e outras muito carentes ou com grandes lacunas. Também é importante considerar que “receber” é um tanto limitado, porquanto uma efetiva abertura aos migrantes e aos refugiados importa em “receber, acolher e integrar”. O Brasil tem tido uma posição bastante aberta no que tange a receber. Vários contingentes de pessoas têm chegado ao País, de maneira regular ou mesmo irregular, e em geral têm encontrado uma forma de obter documentos provisórios, com possibilidade de trabalhar regularmente. Num período inicial, essa atitude do Brasil é positiva e sinaliza abertura. Contudo, se não vier acompanhada de efetivas atitudes de integração, de não discriminação, de combate à xenofobia, de possibilidades de acesso aos direitos sociais, de acesso indiscriminado às políticas públicas em igualdade de condições com os brasileiros e brasileiras e com medidas que favoreçam esse acesso, a efetiva acolhida não ocorrerá ou será, no mínimo, de alcance apenas parcial.

Irmã Rosita Milesi (Foto: Cortesia Irmã Rosita Milesi)
Irmã Rosita Milesi (Foto: Cortesia Irmã Rosita Milesi)


Joel Aurilien

Cantor haitiano residente em São Paulo
Como haitiano, para mim é uma grande oportunidade falar sobre a questão da recepção a imigrantes e refugiados no Brasil. Receber um imigrante num país tem a ver com muitas coisas. A questão de legislação, com relação a documentos, oportunidade para estudar, para trabalhar, ter lugar para morar. É uma reintegração numa nova sociedade. Mas aqui, dos países que já visitei, não tem essa cultura. Por minha experiência, todo imigrante que está aqui tem uma barreira grande. Primeiro, a questão da educação. É muito difícil entrar numa faculdade, como também o processo de legalizar a documentação escolar. Com relação à moradia, se um brasileiro paga R$ 400 num quarto, nós pagamos R$ 800. Se você é formado numa profissão, é difícil trabalhar nela. Mesmo para abrir uma conta bancária é muito burocrático. Por ser imigrante e negro, você é direcionado para o trabalho pesado, como construção civil, supermercado, costura em confecção, lavar louça em restaurante, limpeza e outros. Se o imigrante é branco, ninguém trata dessa maneira, como norte-americanos, alemães e franceses. O nível do preconceito e do racismo aqui é muito alto. O Brasil precisa rever a questão de receptividade dos imigrantes.

Joel Aurilien (Foto: Silvestre Lucas)
Joel Aurilien (Foto: Silvestre Lucas)


Paulo Illes
Diretor regional do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), integrante da Secretaria Técnica do VII Fórum Social Mundial das Migrações (FSMM) e ex-coordenador de Políticas para Migrantes da Prefeitura de São Paulo
Apesar de ser conhecido mundialmente pela cordialidade, o brasileiro não está preparado para receber refugiados e imigrantes. O preconceito é um dos principais entraves para a inclusão dessas comunidades no País. O debate sobre esses temas ainda é incipiente e a imigração não é assimilada pela população como um direito humano universal. Na esfera pública tivemos alguns avanços. Em São Paulo, foi criada uma política municipal para a população imigrante pela prefeitura, mas ainda existem muitos desafios. A Constituição Federal, por exemplo, garante a universalidade do acesso à saúde, mas na prática imigrantes e refugiados enfrentam dificuldades para ser atendidos. Há uma omissão do Estado em garantir mais informação e preparo aos profissionais do sistema de saúde pública sobre os direitos dessas populações.

Paulo Illes (Foto: Facebook/ Divulgação)
Paulo Illes (Foto: Facebook/ Divulgação)