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Postado em 12/07/2012 - 3:17
O eterno retorno da memória
Walter Salles assina o longamente esperado Na Estrada, um retrato maduro das buscas inadiáveis da juventude
Neusa Barbosa
Cena e, abaixo, trailler de Na Estrada, que tem Sam Riley e Garrett Hedlund nos papéis de Sal Paradise e Dean Moriarty

 

Há certo anticlímax em toda a euforia que envolve Sal (Sam Riley, de Control), Dean (Garrett Hedlund, Tron: O Legado) e Marylou (Kristen Stewart, saga Crepúsculo), o trio de personagens à frente de Na Estrada, o novo filme de Walter Salles concorrente à Palma de Ouro em Cannes 2012.

Essa espécie de melancolia, de sensação de catástrofe iminente, é a melhor prova do acerto na sóbria e elegante adaptação de Salles a partir do cult autobiográfico publicado por Jack Kerouac há exatos 55 anos.Porque do que a história realmente trata é de perda, seja da inocência, da amizade ou do amor, diluídos no tempo que passa, inexoravelmente, carregando os traços de tudo o que fomos.

Longamente esperado e passando por inúmeras mãos antes de finalmente ser assumido pelo diretor de Diários de Motocicleta (2004) – road movie que levou Coppola, detentor dos direitos do livro desde 1969, a cogitar o cineasta brasileiro –, Na Estrada consegue ter personalidade própria diante de uma obra quase sagrada. Respeita o texto, mas não se deixa aprisionar por ele, tomando liberdades suficientes para escapar à habitual prisão cronológica dos filmes de época.

Embora fiel ao tempo da história, final dos anos 40, começo dos 50, no pós-guerra, portanto, a história se libera de um excesso de obrigações em termos de cenários e figurinos, em favor de permitir o máximo de espontaneidade juvenil aos seus personagens – o que garante a sintonia com o espírito de rebelião e inconformismo diante da autoridade que caracteriza não só a Geração Beat, mas toda e qualquer nova geração. Salles confiou em seus atores o suficiente para lhes permitir trazer suas próprias contribuições, sem perder de vista a moldura de seus papéis. Um bom exemplo é o de Viggo Mortensen, o mais velho e experiente do elenco, que, ao interpretar o veterano rebelde Old Bull Lee, alter ego do escritor William Burroughs, usou sua própria pesquisa para nutrir sua caracterização. Ou seja, não só roupas e as armas como as que Burroughs usava na época da história, como também os livros que lia, caso da obra do polêmico francês Louis-Ferdinand Céline. Por conta disso, uma improvisação com Viggo gerou uma cena com um livro de Céline, que não é citado no original de Kerouac.

Sexo, drogas e mais jazz do que rock-n’-roll, numa trilha assinada pelo argentino Gustavo Santaolalla, além da fotografia de beleza documental do francês Éric Gautier – ambos parceiros de Salles em Diários de Motocicleta –, arrematam este dolorido relato sobre a persistência da memória. Afinal, se Sal pudesse esquecer Dean, não haveria o livro de Kerouac, nem o filme de Salles, nem o poderoso testemunho de ambos sobre a vertigem da juventude e a inevitável chegada da maturidade.

Na Estrada, de Walter Salles, a partir de 13 de julho nos cinemas brasileiros

Neusa Barbosa é crítica de cinema, fundadora e editora do site Cineweb e autora de biografias de Fernanda Montenegro e Woody Allen

*Publicado originalmente na edição impressa #6.

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cinema   Walter Salles   Jack Kerouac