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Frame do filme O Nascimento de uma Nação (1915), de D.W. Griffith (Fotos: Divulgação)
Postado em 02/11/2016 - 3:32
O Nascimento de uma Nação chega aos cinemas brasileiros
Versão contemporânea do clássico dirigida por Nate Parker promete ser ainda mais controversa
Daniel Bydlowski

D.W Griffith, responsável pelo primeiro blockbuster da história com o filme Birth of a Nation (O Nascimento de uma Nação), de 1915, é considerado por muitos o inventor da linguagem cinematográfica. Porém, esta mesma produção é uma das mais explicitamente racistas de todos os tempos.

O filme conta a história da guerra civil americana pela perspectiva sulista do país, que lutava contra o norte pelo direito de possuir escravos. Essa visão racista da época fica clara já na primeira frase, que colocava a culpa da guerra nos escravos africanos, trazidos para o país contra sua vontade: “O transporte do africano para a América plantou a primeira semente de desunião”. Quando o sul perde o combate, Griffith mostra os escravos de maneira estereotipada e maldosa, empurrando os brancos que estão andando pacificamente nas ruas, desrespeitando lugares públicos, usando violência para convencer os brancos a votarem nos candidatos do norte, ou ainda forçando mulheres brancas a serem suas namoradas (um possível eufemismo para estupro).

Neste ano, o diretor americano Nate Parker produziu uma releitura do polêmico filme de Griffith, colocando o original de ponta cabeça. Enquanto em 1915 são os homens brancos do sul que aguentam a humilhação para a união da nação, na versão de 2016 são os escravos e ex-escravos que contam sua parte da história.

Uma das cenas mais icônicas do filme de Griffith mostra uma garota branca tentando fugir de um ex-escravo, até que ela acaba caindo em um precipício. A passagem mostra de forma sutil que a mulher preferia morrer a ser estuprada por um ex-escravo africano. Trata-se de um episódio importante, assim como a cena que mostra a organização racista conhecida como KKK (Ku Klux Klan) como heroica. Por outro lado, na releitura de 2016 feita por Nate Parker, uma africana é estuprada por brancos.

Frame da releitura do filme de Griffith, O Nascimento de uma Nação, dirigido por Nate Parker
Frame da releitura do filme de Griffith, O Nascimento de uma Nação, dirigido por Nate Parker

Como o filme de 1915, o de Nate Parker promete ser um grande sucesso – foi comprado pela Fox Searchlight por R$ 17.5 milhões depois de ter ganhado o importante festival de Sundance, um recorde para produções independentes. Porém, assim como o de Griffith, que gerou grandes polêmicas, protestos e motins no início do século XX, o de Parker já esta dando o que falar mesmo antes de sua estreia no cinema americano no dia 7 de outubro.

Com o sucesso entre a crítica e sua possível indicação ao Oscar, fatos da vida pessoal de Nate Parker começaram aparecer na Internet. Em 1999, ele e seu amigo Jean McGianni Celestin, roteirista do filme, foram acusados de estuprar uma estudante da universidade da Pennsylvania, onde também estudavam. Ela acusou Parker e Celestin de abusos psicológicos após ela ter denunciado o estupro. Enquanto Parker foi considerado inocente pelo júri, Celestin foi preso. Uma década depois, a estudante cometeu suicídio, aparentemente sem ter conseguido lidar com os problemas causados pelo acontecimento.

Ao mesmo tempo em que Griffith queria elevar o cinema à estatura de arte, e de certa maneira, conseguiu isso, ele também dividiu opiniões. Já Parker gostaria que sua releitura fizesse os americanos confrontarem o passado, sendo que para ele essa é a única forma de curar os problemas raciais do presente. Apesar de ter sido aplaudido no Festival Internacional de Toronto, a versão atual do filme Birth of a Nation está dividindo os Estados Unidos. Muitos alegam que Nate é hipócrita por falar para todos olharem para o passado enquanto ele evita qualquer pergunta sobre o dele. Há também aqueles que não conseguem separar o artista de sua arte, como alguns membros do comitê do Oscar, que não querem nem assistir o filme – muito menos votar nele. Outros dizem que o filme tem que ter seu próprio mérito. Mas ainda, alguns afro-americanos estão discutindo se devem boicotar o filme.

Nate Parker, diretor da nova versão do filme O Nascimento de uma Nação
Nate Parker, diretor da nova versão do filme O Nascimento de uma Nação

Qualquer que seja o ponto de vista, o filme de 2016 aparenta criar tantos problemas como soluções, gerando polêmicas que podem ir além da qualidade e valor da produção. Por exemplo, muitos acusam Parker de ser homofóbico, tendo em vista que ele disse que não quer fazer filmes sobre gays para “preservar o homem negro”.

O filme de Griffith apareceu em 1915, ano em que o mundo se encontrava dividido pela Primeira Guerra Mundial e em que milhões de afrodescendentes começaram a migrar para o norte do país em busca de melhores condições de vida. O de Parker surge em 2016, ano em que problemas raciais e de discriminação estão em pauta, e no momento em que o mundo aparenta estar cada vez mais dividido.

O lançamento do filme no Brasil estava previsto para janeiro de 2017, porém, devido às polêmicas, foi antecipado para novembro deste ano.  Só resta aguardar para saber o que a releitura de Parker representará na historia do cinema e quais serão suas consequências em um tempo de tanta desunião.

Daniel Bydlowski é cineasta brasileiro com Master in fine Arts pela University of Southern of California e doutorando na University of California, em Santa Barbara, nos Estados Unidos. É membro do Directors Guild of America. Trabalhou ao lado de grandes nomes da indústria cinematográfica como Mark Jonathan Harris e Marsha Kinder em projetos com temática social. Atualmente, está produzindo Bullies, um curta que conta a história de um garoto que sofre bullying na escola e precisa enfrentar seus medos.