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Torre de observação do LABVERDE, em reserva florestal no Amazonas (Foto: Rogério Assis)
Postado em 03/10/2019 - 12:12
O que reside, o que passa, o que permanece
Dedicamos nossa edição de 8 anos às experiências de deslocamento que são transformadoras
Paula Alzugaray

Diante da política de desmonte e de desmate do governo brasileiro – desmonte das iniciativas de combate ao desmatamento da Amazônia, do sistema educacional, da pesquisa científica, de organizações da sociedade civil, de políticas de incentivo à cultura –, elegemos como capa da edição #44 da seLecT a imagem de um centro de pesquisa artística e científica, imerso na Floresta Amazônica. O LABVERDE é um programa de residência artística organizado em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que incentiva projetos de coexistência entre arte e natureza. Em sua atuação micropolítica, promovendo a negociação consciente entre o meio ambiente e a sociedade, os artistas e pesquisadores residentes do LABVERDE têm ação proporcional à grandeza da floresta e de seus problemas.

Dedicamos nossa edição de 8 anos às experiências de deslocamento que são transformadoras – tanto da condição do artista como indivíduo quanto de contextos e coletividades por onde ele passa, deixando lastros afetivos e construtivos. Esse é o caso das práticas do JA.CA (Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnologia), espaço autônomo e coletivo artístico que estimula seus residentes a desenvolverem ações colaborativas e públicas, buscando reverberações sobre a realidade do Jardim Canadá, bairro com o pior IDH da região noroeste de Belo Horizonte.

Instalados em dois epicentros da tragédia ambiental brasileira, ocupando campos literalmente minados por garimpos, mineradoras, setores atrasados do agronegócio (e, acima de tudo, ganância, oportunismo, descaso, violência, estupidez), o LABVERDE e o JA.CA são ilhas de excelência. São abordados em um mapeamento que fizemos de 16 residências e espaços autônomos de Norte a Sul do País, que, à revelia do desmonte de políticas ambientais e artísticas, reinventam formas de existir e perdurar. Nos servem de referência para – quem sabe – um dia erigirmos alguns pilares de uma política pública para
as artes no Brasil.

Experiências transformadoras em outros cantos do planeta, como a do coletivo russo Chto Delat, também nos servem de exemplo. Convidados a participar da Escola Zapatista, em Chiapas, no México, seus integrantes passaram uma temporada estudando o comunitarismo da vida rural do sudeste mexicano. A experiência resultou num filme, abordado em texto da curadora Ada Maria Hennel. Embora não tenhamos indícios de que a passagem dos artistas de São Petersburgo e Moscou tenha mudado a vida dos camponeses de Chiapas, os integrantes do Chto Delat afirmam que viram ali um ideal de ética organizacional com potencial de renovar formas europeias de construção comunitária.

Integram também a edição Cildo Meireles, que, embora se afirme “um sem-teto em matéria de residências”, nos diz como as geografias são disparadoras de ideias; Marilá Dardot, para quem a residência foi fundamental para perceber “o que estava acontecendo no mundo fora da minha biblioteca”. Ana Vaz, que na Austrália se deparou com um país que, como o Brasil, luta contra a perversa e violenta relação histórica com seus povos originários. Maria Graham, que como outras artistas mulheres viajantes, foi apagada por uma história que só favoreceu artistas do sexo masculino. Tarsila do Amaral, que, segundo texto de Aracy Amaral, percorreu vastos territórios em viagens mentais; Lucas Arruda, que mostra pela primeira vez ao público brasileiro, aqui nas páginas da seLecT, uma pintura resultante de retiro em uma ilha vulcânica da costa siciliana.

Registramos, ainda, o nascimento de uma escola nômade – ali, arte livre itinerante –, que não almeja ser residente, mas permanente nos bairros paulistanos onde atua. Governos passam, a Amazônia permanece. Permanentes devem ser também as políticas e as ações em prol da educação, da arte e do meio ambiente.