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Vista de Vivemos Pra Isso, no Ateliê 397 [Foto: Thiá Sguot]
Postado em 29/09/2022 - 4:25
O que vem depois da visibilidade? 
Coletivo Vozes Agudas realiza no Ateliê 397 e no galpão Vermelho a mostra Vivemos pra Isso 

A separação entre vida pessoal e profissional nem sempre é tão fácil e binária quanto o discurso jurídico nos leva crer, ainda mais quando o trabalho em questão é de arte. Quanto determinada pessoa no exercício de sua produção artística separa a vida pessoal da profissional? Quanto sua prática como artista diz respeito a sua experiência cotidiana? E, quando essa pessoa é uma mulher, o que muda? Ou, ainda, quando a pessoa não se identifica com o sistema binário de gênero? 

Nos últimos anos, uma série de exposições e projetos vêm sendo organizados a partir de premissas ligadas ao gênero e ao debate sobre a presença de sujeites não privilegiades, até então, pelo circuito institucional. Também, com frequência, vemos exposições institucionais darem visibilidade a artistes colocades sistemicamente à margem do circuito, subjugando suas obras a temas pré-determinados, numa lógica de causa e consequência. Se é mulher, a obra deverá dizer sobre “ser mulher”. As obras encontram-se numa aproximação forçosa ou descolada de sua forma e organizadas por um discurso específico, que serve aos mais variados interesses. 

A visibilidade é um dado. Ela existe e tem aumentado, mesmo que com atraso. Mas, o que existe por trás da visibilidade? Quem detém o poder da seleção? Quais etapas e requisitos precisam ser cumpridos para conquistar visibilidade? E, depois da visibilidade alcançada, o que há de ganho? Sabemos, num pacto silencioso, que a estrutura assimétrica permanece, seja nas escolhas, nos editais, nos portfólios selecionados, nos convites, nas relações interpessoais, ou em tudo mais que envolve ser visível no sistema de arte, em especial no Brasil.

A mostra Vivemos pra Isso vai de encontro a esse tipo de raciocínio em voga. Inaugurada no sábado, 24/9, reúne obras de 25 artistes mulheres e não-binaries, e o que é visto em exposição no Ateliê 397 e no galpão da galeria Vermelho, ambos na Barra Funda, em São Paulo, é um conjunto heterogêneo e múltiplo, tanto em suportes, quanto nas questões tratadas. Há um denominador comum, mas ele não reduz a complexidade de todas as outras facetas dessas subjetividades. 

Organizada pelo Coletivo Vozes Agudas, com curadoria de Bruna Fernanda, Érica Burini, Khadig Fares e Thais Rivitti, Vivemos pra Isso é parte do extenso processo da chamada pública VoA 2022-2023 para Artistas Mulheres e Pessoas Não Binárias. Em conversa durante a abertura, Bruna afirma que a seleção partiu do olhar para trajetórias em construção, de artistes que procuram e precisam de espaços para acolhimento e visibilidade de sua produção, e como forma de abrir espaço para outres inscrites, além da premiação. 

“O nome da exposição é pauta de uma manifestação, o reclamo de um olhar para nossa existência!”. A chamada diz, também, do encontro com a usual estrutura excludente e pouco generosa do circuito consagrado de arte. Nesse caso, o discurso é estendido para a prática: além da exposição e das premiações, uma série de ações se desdobrará a partir do núcleo VoA, como palestras, textos críticos e residências. No esforço de lembrar que há algo para além da visibilidade – das condições materiais às condições intelectuais. 

Marília Scarabello com a camiseta de Julia Saldanha durante performance em Vivemos Pra Isso, no Ateliê 397 [Foto: seLecT]
Possíveis respostas para a dúvida sobre o que separa o fazer artístico e a vida pessoal podem ser elaboradas a partir das obras apresentadas na mostra. Pontualmente, pode-se citar a ação vista a camisa (2021– em curso), realizada no dia da abertura: Julia Saldanha traz artistes convidades para vestir uma camiseta ao estilo uniforme, estampada no peito “Simples Nacional” e nas costas, em tipografia legível ARTISTA TRABALHANDO, enquanto, de fato trabalham: acumulam crachás, tentam vender seu trabalho de forma improvisada, fazem contatos. Essa precariedade deliberada é equivalente à precariedade da existência da maioria das pessoas que estão ali expondo, como bem pontua o coletivo. Afinal, literalmente, se vive pra isso. O viver é constante e palpável, com contas a pagar e a necessidade de ter direitos garantidos: para isso, algo precisa ser alterado na estrutura, e este algo está presente não só na visibilidade, mas no que está por trás e adiante dela, que é o que permite continuar. 

Serviço:
Vivemos pra Isso
Ateliê 397 [Rua Cruzeiro, 802, Barra Funda], quinta e sexta, das 14h às 18h; sábado, das 11h às 19h; domingo, das 15h às 19h.
Galpão da Vermelho [Rua Cônego Vicente Miguel Marino, 72 – 74, Barra Funda], quarta à sexta, das 14h às 18h.
Até 23/10