icon-plus
Postado em 10/01/2013 - 2:02
O universo paralelo de Quentin Tarantino
Alexandre Matias

Às vésperas do lançamento de Django Livre, que estreia no Brasil no dia 18, cogita-se a possibilidade de todos os filmes do diretor de Pulp Fiction serem, na verdade, um só

Django-livre-trilogia-1

Se você não assistiu a Bastardos Inglórios, o mais recente filme de Quentin Tarantino, pare por aqui, porque a tese discutida aqui não só parte do pressuposto de que você já tenha assistido a grande parte da obra do cineasta norte-americano como tem como principal amarração o final de seu filme sobre a Segunda Guerra Mundial.

A teoria é relativamente simples: todos os filmes de Tarantino são um só. Ou, melhor dizendo, fazem parte de uma grande história em que diferentes personagens se encontram na fronteira da realidade com a ficção. A ideia não é propriamente nova e virou, inclusive, um curta feito pela produtora brasileira Republikka, em que Selton Mello e Seu Jorge discutem, em inglês, uma série de coincidências nos filmes de Tarantino que não seriam propriamente coincidências.

http:// vimeo.com/15565470

Legenda: Em curta feito pela produtora brasileira Republikka, Selton Mello e Seu Jorge discutem uma série de coincidências nos filmes de Tarantino que não seriam propriamente coincidências.

Não há nada de metafísico no fato de a maleta que John Travolta e Samuel L. Jackson caçam em Pulp Fiction brilhar quando é aberta. São os diamantes roubados em Cães de Aluguel. O personagem de Travolta em Pulp Fiction tem quase o mesmo nome do personagem de Michael Madsen em Cães de Aluguel: Vincent Vega e Vic Vega seriam irmãos. Mia Wallace, Uma Thurman em Pulp Fiction, fez um teste para atuar em um seriado chamado Fox Force Five, que consistia em um quinteto de assassinas de aluguel – o que nos leva a crer que esse seriado pode ter virado o filme Kill Bill.

As conexões entre personagens de mesmos sobrenomes, atores recorrentes e temas parecidos são dissecadas pelos dois atores brasileiros num papo de boteco que não leva em consideração Jackie Brown pelo fato de a história original não ser de Tarantino (e sim de Elmore Leonard) e que esta teoria misturaria todos os filmes escritos por Quentin, não apenas os que ele dirigiu. Aí a lista aumentaria para incluir Amor à Queima Roupa (dirigido pelo recém-falecido Tony Scott), Assassinos por Natureza (de Oliver Stone) e até filmes menores como Um Drink no Inferno e Eles Matam, Nós Enterramos (de Red Braddock), os dois últimos com Tarantino e George Clooney vivendo o papel dos assaltantes irmãos Gecko. O que nos leva a Bastardos Inglórios, que funcionaria como vórtex dessa realidade barra-pesada de Tarantino.

Uma_pulpUma_kill

Legenda: Uma Thurman em Pulp Fiction e em Kill Bill: conexões

Como vimos, o filme não só deturpa completamente o final da Segunda Guerra Mundial como elege uma sala de cinema como palco da última aparição dos nazistas,com Hitler e seus principais oficiais sendo metralhados e queimados vivos por uma gangue de soldados judeus que atravessou os anos 40 colecionando escalpos de soldados alemães durante o maior conflito do século passado.

Em nossa realidade, Hitler tirou a própria vida num bunker e seu corpo nunca foi encontrado – o que tornou as décadas seguintes uma era de desconfiança, frustração e paranoia (a Guerra Fria e suas consequências). Na realidade de Tarantino, ele não só foi assassinado como sua morte teve requintes de crueldade. Além de ter acontecido dentro do cinema. Isso muda completamente a forma como a história foi contada e o que aconteceu com os Estados Unidos, que venceram a Segunda Guerra daquele jeito tornando-se um país que não só assimilou a violência de forma muito mais ampla que o de nossa realidade como tornou cada americano uma máquina de citações e referências de cultura pop.

Bastardos

Legenda: Bastardos Inglórios funcionaria como vórtex de Tarantino, modificando a cultura dos Estados Unidos

Mais que isso: um dos Bastardos Inglórios, vivido pelo ator e diretor Eli Roth, é o soldado Donny Donowitz, também conhecido como Urso Judeu, que, depois da guerra, envolve-se com a produção de filmes a ponto de seu filho, Lee Donowitz, ser um dos personagens de Amor à Queima Roupa, ele também um produtor de filmes. Assim, dentro do universo dessa realidade barra-pesada de Quentin Tarantino, os personagens são mais violentos e sarcásticos, sacam mais de estilo e de formas de torturar pessoas e assistem a filmes ainda mais violentos que sua realidade (como nós). Segundo essa teoria, filmes como os dois Kill Bill e Um Drink no Inferno são filmes que estão em cartaz no universo habitado por Mia Wallace Mr. White. Filmes que são bem mais malucos e violentos que os próprios filmes de Tarantino.

Agora o mundo está às vésperas do lançamento de mais um novo Tarantino, Django Livre, que estreia dia 25 de dezembro, nos EUA. Resta saber como o novo filme – um faroeste estrelado por Jamie Foxx, Christopher Waltz, Leonardo DiCaprio, Samuel L. Jackson e Jonah Hill, entre outros – se encaixa nessa teoria. Seria o personagem-título – um escravo que luta pela sua liberdade, vivido por Foxx – um ancestral do personagem de Samuel L. Jackson em Pulp Fiction – capanga que larga o crime depois de uma revelação religiosa? Ou é mais um filme dentro de outro filme?

Por mais que Tarantino não se preocupe essencialmente com essas conexões para tornar seu filme incrível, vai ser interessante ver como ele lidará com esse tema.

*Alexandre Matias é jornalista, autor do blog Trabalho Sujo, e diretor de redação da revista Galileu, da editora Globo.

*Publicado originalmente na edição impressa #8.