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Eduardo Saron e Lilia Schwarcz no seminário Arte, Cultura e Política no Brasil Contemporâneo (Foto: Jessica Mangaba)
Postado em 22/04/2019 - 11:49
Onde foi que erramos?
Motivado por Lilia Schwarcz, diretor do Itaú Cultural Eduardo Saron fez uma autocrítica da política cultural adotada no Brasil. Em entrevista à seLecT após o seminário Arte, Cultura e Política no Brasil Contemporâneo, ele falou sobre os primeiros passos do recém-formado Conselho Estadual da Cultura
Paula Alzugaray

O Itaú Cultural promoveu nos dias 17 e 18/4 o Seminário Arte, Cultura e Política no Brasil Contemporâneo: uma Perspectiva a Partir do Rumos Itaú Cultural. Em quatro mesas redondas, organizadas com especialistas de diferentes áreas, apenas uma efetivamente abordou o programa de fomento da instituição. As outras ampliaram o espectro de discussão para conceitos de política cultural e modelos de fomento público e privado.

Na mesa de abertura, “Cultura, Arte e Política no Brasil Contemporâneo”, a antropóloga Lilia Schwarcz preparou o terreno das discussões dando uma aula sobre os três eixos que dão nome ao seminário.  Abordou a cultura desde um ponto de vista inaugurado pela Escola Culturalista norte-americana do século 19; a arte a partir da clássica definição do crítico Mário Pedrosa (“arte é o exercício experimental da liberdade”), e deixou a política apenas esboçada, que seria desenvolvida pela fala contundente de Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural.

“Cultura é como pedra do rio: vai se fazendo, modificando”, apresentou Schwarcz. “Cultura é construção. Ela forja e é forjada. Não é um fenômeno evolutivo. É processo, não é conclusão”, disse acerca da noção de cultura que surgiu em combate “aos determinismos sociais, ao evolucionismo e aos Darwinismos”. E então, parafraseando o crítico Paulo Herkenhoff, Lilia Schwarcz lançou: “Se isso tudo é cultura, então onde nós falhamos?”. Referia-se à escalada de agressões e censura ocasionadas pela opinião pública a partir da exposição Queermuseu, no Santander Cultural, em Porto Alegre, em setembro de 2017.

“Erramos quando achamos que fazer política cultural se resume em democratizar o acesso à cultura: mais artistas falando pra mais pessoas. Vejam, não que isso não seja importante, mas isso não poderia ser o estanque de uma boa política cultural”, disse Eduardo Saron no início de sua apresentação, colocando em foco as leis de incentivo à cultura. “Talvez seja necessário fazer uma autocrítica na nossa ação cultural no País. Ao meu ver, não podíamos parar na democratização do acesso, porque mecanizamos o ato de fazer cultura. Não envolvemos o sujeito como seu próprio processo transformador”.

Saron partiu, então, para a defesa da ‘participação’ como referência para a construção de uma política cultural, e de um fazer da gestão cultural. “Precisamos nos reconectar com o sentido da participação na medida em que o sujeito também traz o seu repertório para dialogar com os repertórios que nós estamos construindo em cada uma das instituições”.

Em seu exercício autocrítico, o diretor do Itaú Cultural também afirmou que as Leis de Incentivo Fiscal acomodaram o meio cultural. “Elas também nos viciaram. É preciso que haja multiplicidade de recursos”, disse. A programação do seminário buscou contribuir para ampliar os horizontes nesse sentido, ao convidar Graciela Selaimen, ativista e defensora nos campos de governança da internet e atuante na Fundação Ford no Brasil, para a mesa “Modelos de Fomento: Casos de Editais Nacionais e Internacionais”. Mas o fato é que multiplicidade de recursos ainda é ficção no cenário brasileiro.

Saron conduziu sua palestra de forma a chegar à defesa da criação de uma política para as artes, e para o suporte do trabalho do artista, em residências artísticas. “Isso significa ter políticas para correr riscos, e não necessariamente ver a obra pronta e acabada”. Em entrevista à seLecT após o evento, ele falou sobre os primeiros passos do recém-formado Conselho Estadual da Cultura.

seLecT: Qual é a primeira meta de um Conselho Estadual da Cultura?
Eduardo Saron: A minha primeira meta de uma política cultural pro país, para São Paulo, pros municípios, é mais pessoas lendo, mais pessoas lendo mais. O Instituto Pró Livro tem uma pergunta que eles fazem a cada quatro anos, como parte de uma pesquisa: O que você leu nos últimos três meses? Não pode ser livro didático, nem precisa ser um livro completo, pode ser uma parte. De cada dez pessoas em idade de leitura, quatro dizem que leram alguma coisa. Outras seis dizem que não leram nada. E se a gente tirar a Bíblia, esse número cai para duas pessoas.

Essa seria a primeira meta a ser batalhada por esse conselho multidisciplinar?  A leitura atravessa todas as necessidades das diversas áreas culturais?
Mais do que isso. A leitura é um elo para o desenvolvimento social, econômico e cultural de um país. Um país que não tem leitores, não tem livro e não tem escritores é um país que vai ficar historicamente subjugado às commodities. Não tem saída. Se você não tem leitor, você não tem cineastas, você não tem gente para verbalizar o teatro, as artes visuais. Você tem uma democracia fragilizada. O mais importante IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é ter mais pessoas lendo, e mais pessoas lendo mais.

Você vai colocar essa questão no Conselho?
Já coloquei. Por isso fico feliz em ter o Manoel da Costa Pinto nesse espaço de conversa.

E que atuação efetiva você acredita que pode ter esse conselho junto às políticas públicas?Primeiro, não pode ter pretensão de se esgotar em si mesmo, de representar o conjunto da sociedade. Ele tem que manter um diálogo muito aberto e criar fluxos, tem que circular, não pode só estar dentro uma sala, dentro do Governo. Agora, esse espaço tem uma coisa muito especial: é o primeiro órgão de cultura ligado a um chefe do executivo. Nunca na história recente de nenhuma política cultural, tivemos um órgão ligado a um chefe do poder executivo. Temos aqui uma grande oportunidade. Se conseguirmos trazer para esse campo (para o chefe do executivo) a perspectiva de que a melhor política cultural é aquela que se entende matricial a todas as políticas públicas – por isso eu falo da leitura – já é uma vitória imensa.

Qual vai ser a periodicidade de reuniões?
A princípio, o encontro do Conselho formal ia ser a cada três meses. Mas, na reunião, o próprio governador sugeriu que fosse a cada dois meses. Vão ter GTs de trabalho, vão ter câmeras setoriais e isso vai fazer com que o Conselho se desdobre e tenha um trabalho mais permanente, e mais articulado e orgânico com a sociedade. Também achei uma vitória, coisa que também nunca aconteceu, é ter nesse Conselho um assento do secretário de Economia do Estado. O (Henrique) Meirelles é parte do Conselho.

Aí o conceito da Economia Criativa colocado em prática…
Mais que isso. No fundo, mais cultura é mais saúde; mais cultura é mais educação, obviamente, mas mais cultura é mais segurança pública! A cultura deve ser entendida como um ato matricial para se pensar as políticas públicas. É claro que tem aí um caminho para ser percorrido, mas acho que tem um horizonte. É participação. E não tem participação se não tiver repertório, se não tiver capacidade de leitura, e aí mais gente lendo, mais gente lendo mais…

A política para as artes, à qual você se referiu em sua apresentação no Seminário, tem alguma chance de entrar nessa mesa?
É mais difícil, mas precisamos colocar na mesa. A gente até… deixa eu ver quando a gente falou sobre isso… teve um momento em que a gente falou sobre isso… a gente falou um pouco de ressignificar o Centro da cidade a partir do artista, a gente falou isso, a partir inclusive das residências artísticas.

Instituir residências no centro?
E também ressignificar a partir da própria Sala São Paulo, Pinacoteca… os equipamentos que já existem, mas fazendo com que o artista seja o centro dessa conversa.