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Postado em 17/08/2011 - 1:20
Ópera do século 21
Nina Gazire

Sónar Exclusivo: Scott Snibbe fala dos apps de Biophilia de Björk

Biophilia é certamente o projeto mais ambicioso da carreira da cantora Björk. A islandesa sempre foi conhecida por sua veia tecnofílica, mas até então suas criações ficavam no nível audiovisual. A questão da interatividade entrou na partitura em seu último disco Volta, lançado em 2007, quando a cantora levou para suas apresentações ao vivo uma Reactable, espécie de sintetizador que a permitia manipular as músicas em tempo real através de uma interface tátil. Em Biophilia, ela pega carona no sucesso dos dispositivos touch e dos tablets para lançar uma espécie de “música material”, como ela mesma definiu em uma entrevista recente para o Guardian. 

Björk, que também está trabalhando ao lado de músicos, como o organista e conterrâneo da cantora, Björgvin Tómasson, na invenção de novos instrumentos musicais, reuniu um time internacional para trabalhar numa série de aplicativos para as plataformas IOS da Apple, como iPhone e iPad. “O projeto tenta tirar proveito desta característica atual de comprar as faixas musicais separadamente e inserir nesse novo modo de consumo um aspecto interativo junto às músicas. Então, ao invés de simplesmente adquirir a música, em Biophilia será possível adquirir um aplicativo interativo onde a faixa do álbum também está presente”, explica o designer americano Scott Snibbe, que também é coordenador de área de desenvolvimento e programação dos aplicativos de Biophilia para iPad e iPhone. 

Além do estúdio de Snibbe, outros doze colaboradores participam, incluindo o brasileiro Henrique Schlatter, designer e programador que está trabalhando na área de integração de diferentes linguagens de programação que o projeto envolve. Schlatter entrou no projeto por indicação de uma empresa de consultoria que o colocou em contato com Scott Snibbe em meados de junho. “A princípio era um trabalho pequeno. Foram aparecendo mais coisas e acabei me envolvendo em outras etapas do projeto e vou trabalhar até o final”, comenta. Há cerca de três meses, ele vem trabalhando à distância com o restante da equipe no principal aplicativo do projeto, chamado Cosmogony, que também é uma espécie de menu para o álbum em sua versão para iPad. “O meu trabalho se deu tanto na animação musical quanto nas partituras do aplicativo Cosmogony”, comenta Schlatter. Este aplicativo __que é apresentado na forma de uma galáxia__ é também o menu principal, além de conter a música de introdução do álbum Biophilia. “Eu continuo trabalhando na parte de animação e partitura dos outros aplicativos, integrando-os com o menu principal que é a galáxia”, ele explica. 

Até o momento o projeto está sendo lançado gradualmente. Das dez faixas-aplicativos previstas, Cosmogony, Crystalline e Virus já estão disponíveis para download na iTunes Store e todos elas são games alinhados ao tema das respectivas faixas musicais. Björk também fez questão de fazer uma espécie de “soft oppening” do projeto dentro do Manchester International Festival, realizado em julho passado. Em uma apresentação ao vivo para a imprensa e para o público, ela disponibilizou 30 iPads para que as pessoas que não possuiam esses dispositivos testassem os apps. “Existe um componente educativo neste projeto. Cada uma das músicas apresentadas durante o show permitiu ao público a experiência diante dos aplicativos e do conceito do projeto. Tivemos uma ótima aceitação”, comenta Snibbe, que também enfatiza que a produção de Biophilia não se dá somente nos jogos e animações para o iPad. Segundo ele, tanto os instrumentos quanto as projeções visuais durante as apresentações poderão ser modificadas pelo público via aplicativos. “Como o projeto terá uma continuidade e será lançado gradualmente, nem todos os aplicativos estão prontos ainda. O plano é que exista a possibilidade de interatividade à distância entre o público e todos esses novos instrumentos criados especialmente para Biophilia”, afirma. 

A equipe de Björk deve trabalhar em cima dos aplicativos até este mês de setembro. Até o final do ano, Biophilia deverá ser lançado tanto na forma de aplicativos quanto como um álbum tradicional. A palavra Biophilia é um conceito usado tanto na biologia quanto na filosofia para descrever a colaboração mútua entre diferentes sistemas para a manutenção da vida. Isso inclui também a interação e troca tanto entre sistemas maquínicos quanto seres vivos. Através de sua espécie de ópera eletrônica, Björk tenta mostrar que a interdependência entre natureza e homem é algo presente em toda realidade, desde estruturas não orgânicas até a vida animal.

Mas, o conceito de colaboração entre sistemas diferentes também está na raiz da criação do projeto. As equipes – o estúdio de design francês NN, o Estúdio de Scott Snibbe e a equipe de animação de Stephen Malinowski – trabalham à distância e em três continentes diferentes. O resultado é a criação de uma obra híbrida onde a parte musical não possui mais peso do que as outras partes, como os aplicativos e a tecnologia usada para a criação de instrumentos musicais. “Acho que algo semelhante aconteceu com o surgimento da ópera ou do cinema, onde um conjunto de conhecimentos e suportes variados foi usado em uma mesma obra artística. O resultado desse projeto não é apenas musical, mas é também o resultado do surgimento de uma nova mídia e dos novos modos de criação artística que ela está possibilitando”, orgulha-se Snibbe. Em suma, a verdadeira biophilia de Björk não está apenas na sua devoção à natureza, mas na capacidade de trabalhar e unir diferentes áreas do conhecimento em um mesmo projeto.

Confira na íntegra a entrevista com Scott Snibbe, designer e coordenador responsável pela criação dos aplicativos do projeto e álbum musical Biophilia de Björk:

Como surgiu a oportunidade de coordenar o projeto?

Recebi um email no início de junho. Era o empresário da Björk dizendo que ela era uma grande fã do meu trabalho. Eu pensei “uau!”, e então ele me perguntou se eu conhecia outras pessoas da área que poderiam colaborar com ela em um projeto de aplicativos que ela queria desenvolver. Começamos a planejar os aplicativos por meio de diversas reuniões a distância, via skype e e-mail, com pessoas de diferentes países e de diferentes especialidades.

Você conheceu a Björk pessoalmente?

Sim! Nós tivemos a oportunidade de nos encontrarmos em diversas reuniões tanto on-line quanto presencialmente. Antes de lançarmos o projeto em Manchester, estive duas vezes na Islândia para encontrar com ela. Ela tinha o projeto bem definido na cabeça. Ela possui um apuro estético muito conciso. Ela sabe, como poucos artistas da atualidade, pensar um trabalho artístico em seu todo, da parte musical à visual.

Você montou um time intercontinental que está trabalhando à distância nos aplicativos para o iPad. Quem são os outros colaboradores?

Bem, o projeto está dividido em dois grandes núcleos de criação. Existe o pessoal da música, do design e a equipe que está trabalhando para adaptar essas diferentes linguagens às dos aplicativos. No total são 12 pessoas trabalhando. Somos um time de seis desenvolvedores espalhados na Europa, América do Norte e do Sul, além da Islândia. Os outros quatro integrantes são o pessoal da música como, por exemplo, Michel Gondry, que cuida da parte audiovisual do projeto. Tem o estúdio de design N.N. que também é francês. No caso, sou coordenador da parte relacionada à programação e desenvolvimento dos aplicativos. Mas existem outros desenvolvedores que estão trabalhando individualmente na criação de outras interfaces, como por exemplo, o Stephen Malinowski, que cuida da parte de animação.

De que maneira esse conceito de Biophilia_ que diz respeito a relação integral entre homem e natureza_ está sendo transformado ao mesmo tempo em música e aplicativos?

O objetivo do novo álbum de Björk é combinar música, natureza e tecnologia. Para esta artista, estes três itens não são muito diferentes uns dos outros. Ao longo da história, vários filósofos pensaram a natureza de maneira integrada, incluindo nela o conhecimento humano. Estamos tentando traduzir essa dimensão para os aplicativos. Cada um deles faz referência a um mecanismo ou forma de vida encontrados na natureza. Exemplos são os vírus e os cristais, que também dão nome às duas faixas do álbum e aos aplicativos Crystalline e Vírus. Mas acima de tudo, este projeto possui forte cunho educacional. Björk também pensou em explicar este conceito de forma lúdica e pedagógica, mas sem ser simplista. Ela pretende afirmar que parte da experiência musical também é física, táctil e visual.

E como as faixas do novo álbum irão aparecer nos aplicativos?

Atualmente, as pessoas tendem a adquirir as faixas musicais separadamente. O projeto tenta tirar proveito desta característica atual e inserir nesse novo modo de consumo um aspecto interativo junto às músicas. Então, ao invés de simplesmente adquirir a música, em Biophilia será possível adquirir um aplicativo onde a faixa do álbum também está presente. Por outro lado, os aplicativos estarão sempre em sincronia com o aspecto temático da música. É como adquirir uma obra artística digital. Exemplo foi o primeiro aplicativo lançado, Cosmogony, que também corresponde a uma faixa do álbum. Este app é uma galáxia tridimensional, e ao mesmo tempo, o menu do álbum, onde cada constelação se refere a uma outra faixa do álbum. Você pode navegar por essa galáxia ao mesmo tempo em que escuta a faixa homônima. Em suma, o aplicativo é uma forma de visualizar e navegar por todo álbum e também ouvir a música Cosmogony. A primeira música dentro dessa galáxia, chamada Crystalline, também corresponde ao aplicativo de mesmo nome. Nele Björk realiza uma experiência visual entre a estrutura musical e a estrutura de formação dos cristais por meio da experiência lúdica de um jogo. Esta foi a primeira faixa também a ser lançada deste novo álbum da cantora depois dessa “faixa-menu”, que é Cosmogony. A terceira música de trabalho foi Vírus, que também tem um aplicativo próprio.

E como essa parte lúdica e visual dos aplicativos aparecerá nas apresentações ao vivo da cantora?

No lançamento oficial do projeto, que aconteceu em julho, em Manchester, tanto a imprensa quanto o público presente tiveram a oportunidade de testar os aplicativos durante o show. O resultado da manipulação desses apps apareceu tanto na performance ao vivo, por meio de projeções que mostram as interações do público em tempo real, quanto na manipulação dessas interfaces pela própria Björk.

Como o público reagiu diante destes primeiros testes em Manchester?

Como eu disse antes, existe um componente educativo neste projeto. Cada uma das músicas apresentadas durante o show permitiu ao público a experiência diante dos aplicativos e do conceito do projeto. Para isso nós disponibilizamos cerca de 30 iPads para que as pessoas que não possuíssem um iPhone ou iPad testassem os apps. Tivemos uma ótima aceitação. As pessoas puderam participar de um jeito novo em um show musical. Este projeto é inovador por se dar junto ao nascimento de novas mídias. Acho que algo semelhante aconteceu com o surgimento da ópera ou do cinema, onde um conjunto de conhecimentos e meios variados foi usado para dar vida a uma mesma obra artística. O resultado desse projeto não é apenas musical, mas também é adveio do surgimento de uma nova mídia e dos novos modos de criação artística que elas estão possibilitando.

Björk também trabalhou ao lado de músicos, como o também islandês Björgvin Tómasson, na criação de novos instrumentos musicais. Como estes novos instrumentos estarão presentes nos aplicativos?

Alguns dos aplicativos permitirão ao público controlar estes novos instrumentos à distância. Como o projeto terá uma continuidade e será lançado gradualmente, nem todos os aplicativos estão prontos ainda, mas o plano é que exista a possibilidade de interatividade a distância entre o público e todos esses novos instrumentos criados especialmente para este projeto.

Recentemente, a cantora deu uma declaração polêmica para a revista Billboard americana, alegando que gostaria hackers pirateassem os aplicativos de Biophilia. Isso é verdade? Como você avalia isso?

Ainda bem que você me perguntou isso. Essa citação é totalmente imprecisa! Os jornalistas uniram duas respostas de questões completamente diferentes a fim de criar essa citação. É sem sentido – não é possível “hackear” a versão do IOS Biophilia para criar versões para outras plataformas. Por enquanto, as plataformas iOS são as únicas que suportam o tipo de experiência de alta qualidade audiovisual que Björk propôs.