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O juiz de Direito Eduardo Rezende Melo, o advogado e livre-docente Pierpaolo Bottini e a professora da PUC Maria Cristina Vicentin no Seminário do MAM (Fotos: Karina Bacci, Divulgação)
Postado em 09/10/2018 - 10:00
Os danos da autocensura
Um ano depois dos bestiais ataques à performance La Bête, MAM faz seminário sobre infância e liberdade de expressão
Márion Strecker

O seminário Museus, Infância e Liberdade de Expressão, organizado pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo nos dias 2 e 4 de outubro, reuniu diversos advogados, alguns psicanalistas, uma psicóloga, um cientista social, uma rapper e um youtuber adolescentes. O objetivo foi analisar os direitos das crianças à fruição e participação em manifestações artísticas e ao mesmo tempo cumprir uma das cláusulas do Termo de Ajuste de Conduta que o museu assinou com o Ministério Público em novembro passado.

A atividade ocorre um ano depois do imenso bafafá que se seguiu à abertura do 35º Panorama da Arte Brasileira. O Panorama foi curado por Luiz Camillo Osorio, professor do departamento de Filosofia da PUC-Rio, pesquisador do CNPQ e curador do Instituto PIPA. Entre 2009 e 2015, Osorio havia sido o curador do MAM do Rio de Janeiro. O tema de seu Panorama foi Brasil em Multiplicação.

O bafafá estourou em redes sociais quando pessoas passaram a compartilhar maliciosamente trecho de vídeo em que uma criança toca na mão e no tornozelo do coreógrafo Wagner Schwartz, que apresentava na inauguração do Panorama a performance La Bête (O Bicho). A ideia da performance é permitir que o público manipule as articulações do corpo do bailarino, que se apresenta nu, assim como se pode manipular as dobradiças das obras da série Bichos, criadas por Lygia Clark entre 1960 e 1964.

Schwartz desenvolveu essa performance depois de encontrar uma das obras de Lygia Clark exposta numa galeria de Paris dentro de uma caixa de vidro, o que impedia que o público a manipulasse, como desejava a artista. “Ao ver um Bicho (de Lygia Clark) preso, prometi a ele e a mim mesmo que iria retirar seu corpo de dentro daquela caixa de vidro, para que a relação entre o objeto e as pessoas fosse retomada”, contou o coreógrafo numa entrevista ao jornal El País.

“Quando perguntavam a ela quantos movimentos um Bicho poderia fazer, ela respondia: ‘Eu não sei, você não sabe, mas ele sabe.’ Clark criou uma relação simbólica entre as articulações do objeto e as do corpo humano. Imaginei que, artisticamente, poderia ser interessante dar vida a essa associação. Em La Bête, tenho uma réplica de um Bicho nas mãos”, contou Schwartz na entrevista citada.

Wagner Schwartz realiza performance La Bête no MAM SP (Foto: Reprodução)

 

Notícias falsas

O coreógrafo já havia apresentado a performance dez vezes no Brasil e na Europa antes daquele dia no MAM, sem ter acontecido nenhum rebu. Mas na Odiolândia (obrigada pelo termo, Giselle Beiguelman) que se tornou o Brasil, o trecho de um vídeo de uma criança foi disseminado maliciosamente ao arrepio da legislação brasileira, adicionado de acusações de “pedofilia” (!). Essas acusações geraram ao menos 150 ameaças de morte ao artista.

Entre as notícias falsas que se seguiram estava a do suicídio do artista e da sua morte a pauladas. Pode-se imaginar como ele se sentiu, frente a uma avalanche de acusações bestiais e infundadas, alimentadas pelo interesse de fama de políticos da pior espécie. Detalhes: a criança estava no museu em companhia de sua mãe, que é amiga pessoal do coreógrafo; não havia nenhuma sugestão sexual na performance.

Em Brasília, uma Comissão Parlamentar de Inquérito já havia sido aberta em agosto do ano passado e prorrogada até janeiro do ano que vem. Ela é conhecida como CPI dos Maus-Tratos, visa investigar maus-tratos a crianças e adolescentes e é presidida pelo senador e pastor evangélico Magno Malta (PR-ES), que não foi reeleito. O curador do MAM, Felipe Chaimovich, sofreu ameaça de ser levado coercitivamente para essa CPI. Quando foi, informou que não tinha sido o curador do Panorama. A CPI então convocou Luiz Camillo Osório, que explicou a natureza (não erótica) da performance e informou que no museu havia “três ou quatro avisos” de que a exposição conteria nudez.

Claro que as ilações absurdas de políticos na CPI contra curadores e artistas não deram em nada. Mas no contexto das notícias falsas em redes sociais, diversas denúncias com pedidos de providências contra o MAM chegaram também à Procuradoria da República no Estado de São Paulo e o assunto virou objeto de Procedimento Investigatório Criminal, como se a Justiça brasileira não tivesse nada mais importante a fazer.

Uma Nota Técnica (11/2017/PFDC/MPF) acabou publicada, lembrando que exposições em museus dispensam qualquer tipo de prévia classificação etária por parte do Poder Público (art. 4 da Portaria 368/2014). Lembrou também que “os responsáveis pelo espetáculo ou diversão  têm como obrigação geral apenas informar ao público, prévia e adequadamente (em local visível e de fácil acesso) sobre a natureza do evento e as faixas etárias a que não se recomende, de forma a permitir a escolha livre e consciente da programação por parte de MPF, pais e responsáveis pelas crianças ou adolescentes (art. 220, inciso I, da CR, c.c. os arts. 74, 76 e 78 do Estatuto da Criança e do Adolescente).

Direito e psicanálise no MAM

O advogado Pierpaolo Bottini, professor livre-docente do Departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da Faculdade de Direito da USP

“A performance apresentada no MAM era evidentemente não sexualizada”, disse o advogado Pierpaolo Bottini, professor livre-docente do Departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da Faculdade de Direito da USP. “O assunto está absolutamente fora do campo do direito penal. O direito penal não é solução para todos os problemas”, afirmou. “O direito é uma coisa reacionária. Muitas vezes busca limitar a arte e também a criança e o adolescente”.

“O que a gente viu foi uma total incompreensão do papel da arte e dos direitos das crianças”, disse a advogada Cris Olivieri. “A arte joga com afetos sociais como forma de inquirir a gente sobre os nossos limites e as nossas moralidades”, acrescentou o psicanalista Christian Dunker, professor titular do Instituto de Psicologia da USP. Na sua análise, “La Bête é um diálogo com a nossa capacidade de sentir vergonha”.

O psicanalista lembrou o debate questionando se imagens agressivas ou violentas na televisão deveriam ou não ser vetadas às crianças. O mimetismo foi a razão levantada pelos que defendiam uma proibição. “Mas outro grupo dizia justamente o contrário. Ao ler e interpretar a lógica da violência, a criança conseguiria controlar muito melhor a violência. Pesquisando a matéria, chegou-se a um consenso. O decisivo é que as crianças assistam aquelas imagens na companhia de outras pessoas. Se tivesse de escolher, não haveria classificação etária para exposições de arte”, disse Dunker.

“A relação da criança e do adolescente com o direito é historicamente marcada por uma perspectiva de controle, com um viés salvacionista e protetivo”, disse o juiz de Direito Eduardo Rezende Melo, membro da Coordenadoria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

O juiz de Direito Eduardo Rezende Melo, membro da Coordenadoria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Rezende Melo relembrou a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1989 e oficializada como lei internacional no ano seguinte. “Vou me basear na Convenção pois ela não vai ser alterada se vencer as eleições algum candidato que queira suprimir alguns direitos”, disse ele. A Convenção sobre os Direitos das Crianças já foi ratificada por 196 países, inclusive o Brasil. O único país do mundo que ainda não ratificou essa lei são os Estados Unidos, pelo fato de alguns de seus Estados admitirem a pena de morte para menores de idade.

Entre os princípios consagrados pela Convenção, estão o direito de as crianças participarem plenamente da vida cultural e artística e o direito à informação. A Convenção, ao entender a criança e o adolescente como sujeitos de direito, diz que eles podem e devem expressar suas opiniões nos temas que lhes afetam. Com isso, suas opiniões devem ser escutadas e levadas em conta na agenda política, econômica e educacional de um país.

Legislação brasileira

“Não houve participação de crianças e adolescentes na classificação indicativa”, disse Rezende Melo sobre a legislação brasileira sobre o tema, sendo a mais recente a Portaria 1189/2018, do Ministério da Justiça. Como a autoclassificação tornou-se obrigatória, um grupo técnico foi constituído para detalhar a questão, informou a advogada Cris Olivieri. “A gente fez o possível para não ter um manual. Não precisamos do Estado para isso. Então (esse detalhamento da autoclassificação) será o mais fácil de aplicar e o mais liberal”, disse ela.

O seminário do MAM mostrou que não há consenso sobre a conveniência de classificações etárias. “Os critérios classificativos são paradoxais, pois no Brasil o sexo é permitido, se consentido, aos maiores de 14 anos. Mas um David de Michelangelo não vai poder ser exposto?”, perguntou Rezende Melo.

Para o juiz, deveríamos “refutar propostas superprotetivas pois elas podem aumentar a vulnerabilidade das crianças”. Rezende Melo argumenta que “a abordagem deveria ser mais pedagógica e crítica e menos de controle ou exclusão.” Para ele, “toda e qualquer distinção legislativa baseada apenas na idade como determinante deveria ser abandonada”. E ainda acrescentou: “Vejo vigilantes nas portas dos museus, em vez de educadores”.

Sobre classificação etária para exposições e espetáculos, não há avaliação prévia do Ministério da Justiça ou de qualquer outro órgão público, escrevem Cris Olivieri e Edson Natale no livro Direito, Arte e Liberdade, recém-lançado pelas Edições Sesc. Mas há sim “a autoclassificação feita pela própria instituição ou responsável pelo espetáculo ou exposição de arte, que não deve deixar de ser feita conforme o documento oficial e publicada em locais visíveis”, lembram eles.

A recente portaria do Ministério da Justiça sobre classificação indicativa trata de sexo (não de pornografia), nudez, violência e drogas. “Com a informação fornecida, a avaliação e a decisão cabem exclusivamente aos pais”, lembram Olivieri e Natale. Não foi essa, entretanto, a conduta do MASP no ano passado, ao instituir a autocensura e classificar como proibida para menores de 18 anos a exposição Histórias da Sexualidade, inaugurada em outubro do ano passado.

Autocensura no Masp

No calor dos ataques insanos a artistas e instituições culturais em 2017, o MASP tomou a iniciativa de impedir a entrada de menores de 18 anos para prevenir a eventual ocorrência de protestos, agressões e ameaças. O que conseguiu, no entanto, foi enfrentar contestações do próprio meio artístico e provocar ações judiciais de pais que gostariam que seus filhos pudessem ver a exposição.

O MASP só abriu mão da proibição quando o Ministério Público emitiu Nota Técnica esclarecendo que a Constituição não proíbe o acesso de menores de 18 anos a espetáculos ou eventos de nenhum tipo, desde que estejam acompanhados ou tenham autorização expressa dos pais ou responsáveis. A classificação feita pelo Poder Público e pelos responsáveis pelos eventos é meramente indicativa, lembrou o MP.

Ficou feio para o MASP, que havia preparado uma exposição da maior importância, inclusive realizando seminários internacionais sobre o tema e uma publicação primorosa, além de treinar seu departamento educativo para receber o público. O triste episódio ao menos serviu de exemplo para que outras instituições não venham a adotar autocensura.

Ajuste de conduta no MAM

Voltando ao caso do MAM de São Paulo, se o museu se preocupou em colocar avisos de que o 35º Panorama da Arte Brasileira teria nudez, por que a direção da instituição assinou o tal Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público de São Paulo em novembro passado? E o que o museu se propôs a ajustar? O que, afinal, o museu fez de errado?

Ao propor a assinatura do TAC, o MPSP citou artigos legais que tratam das prerrogativas da família, do Estado e da sociedade na proteção à infância, entre eles o trecho do Estatuto da Criança e do Adolescente que estabelece que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

Não que a exposição tenha feito nada disso, evidentemente. Mas subentende-se que o MAM admitiu não ter evitado que pessoas tivessem fotografado e filmado o momento em que a criança toca no tornozelo do artista que estava nu durante a performance. No meu entender, essas imagens em nada afetam a dignidade da criança, dos seus pais ou do artista. O que afeta a todos nós é a exposição criminosa e ofensiva que adultos mal-intencionados e políticos inescrupulosos deram à imagem da criança associando-a a crimes inexistentes.

Nada disso teria acontecido se as chamadas redes sociais não existissem, permitindo a proliferação barata e rápida de mensagens de ódio e propaganda da pior espécie, fora da autorregulamentação publicitária vigente nos órgãos de imprensa e ao arrepio da lei de proteção de imagem de crianças. Como as redes sociais não desaparecerão da noite para o dia, resta conviver com elas da melhor maneira.

A maneira que o MAM e o MPSP encontraram foi o museu instituir a proibição de se fotografar ou filmar performances que envolvam qualquer interação com seres humanos. Não se estranhe, pois, se o alto-falante do museu passar a informar da proibição do uso de celulares nessas circunstâncias. Mesmo se você for a mãe ou o pai da criança poderá ser impedido de fotografá-la no MAM.

Claro que nada disso vai garantir que haters ou outras pessoas mal-intencionadas usem imagens de crianças para acusar adultos de “pedofilia”, ainda que pedofilia seja uma doença, não um crime. O que é crime são o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

Para quem quer cometer abusos com imagens de crianças e atacar adultos, estão aí as técnicas de apropriação eletrônica de imagens e trucagem fotográfica, disponíveis no celular de qualquer um. Estão aí também as redes sociais para publicar absurdos, que podem circular por WhatsApp, ainda que os pais, as crianças, a polícia e a Justiça jamais venham a saber. Essas são as características dos nossos tempos. Não é preciso fazer o elogio da modernidade para apontar seus problemas.

Ainda no escopo da TAC assinada pelo MAM, o museu se comprometeu a repassar 15% do faturamento do Panorama em questão para o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e a organizar iniciação artística para o público infantojuvenil, como se há muitos anos o museu não mantivesse em atividade seu setor educativo.

Crianças modernas

Para ilustrar a atividade do setor educativo do MAM, o museu escalou um educador surdo, o também artista e ator Leonardo Castilho, para coordenar a surpreendente mesa que incluiu a rapper MC Soffia, de 14 anos, e o youtuber Pedro Henrique Côrtes (PH), de 16, todos negros. Castilho está desde 2005 no MAM como produtor de acessibilidade e professor de performance. Os adolescentes relataram suas atividades artísticas, políticas e educativas, com exemplos contundentes de como aumentar a autoestima das crianças e adolescentes negros numa sociedade que em geral lhes nega direitos elementares, como o da igualdade.

O artista, ator e educador do MAM Leonardo Castilho, que é surdo e mediou em libras, com tradução simultânea, uma roda de conversas

“A gente sofre muitas barreiras na nossa sociedade”, disse Castilho. “Muitas vezes não temos direito a educação. Quantas vezes vocês viram um mediador surdo numa mesa? Por que a gente não pode? Não estou me comunicando com eles e com vocês?”, perguntou ele em libras, com tradução simultânea. “Faltava referência para mim. Eu não tinha ninguém surdo em quem eu pudesse me espelhar”, relatou o educador, que é mestre de cerimônias do SLAM do Corpo e integrante do projeto Corposinalizante, que recebeu o 1º lugar no Prêmio Darcy Ribeiro de Educação em Museus (IPHAN/MinC).

O youtuber PH Cortês, de 16 anos, fala da importância de ter heróis negros brasileiros em quem se espelhar

 

O youtuber PH relatou que fala sobre seus heróis negros desde os 13 anos, quando descobriu a existência de Martin Luther King e não havia aprendido sobre grandes personagens negros brasileiros na escola. Ele disse que na sua escola o negro era retratado apenas como escravizado e personagens importantes como Machado de Assis não eram apresentados como negros. Contou que Lázaro Ramos foi uma grande referência para ele, por isso decidiu fazer conteúdo sobre heróis negros brasileiros.

 

A rapper MC Soffia, de 14 anos, fala de sua militância, defende que se dê voz às meninas e acha que não deveria haver restrição de idade para exposições de arte

A MC Soffia falou sobre sua música e as rodas de conversa que faz na periferia. Ela coordena o grupo Pretinha Rainha, em que adulto não pode entrar. “Eu dou voz às meninas”, disse, antes de começar um pocket show no auditório do museu, em que cantou sucessos como Menina Pretinha, Minha Rapunzel tem Dread e Barbie Black. Entre seus versos estão “Não alisa seu cabelo, é muito mais bonito assim”, “Crie uma princesa que pareça com você”, “Menina pretinha, exótica não é linda, e você não é bonitinha, você é uma rainha” e “Escolha um esporte que você quiser; Não tem essa de ser homem ou de ser mulher”.

Do alto de seus 14 anos, MC Soffia acha que não deveria haver restrição de idade para uma exposição de arte. Seus argumentos? “Não tem nada de mais”, “o corpo é natural” e “os índios andavam nus e ninguém ficava olhando para o corpo do outro”.

A professora Maria Cristina Vicentin, da PUC SP, fala da posição da criança na modernidade no Seminário do MAM

Outro destaque do seminário foi a apresentação da professora Maria Cristina Vicentin, da PUC SP, que falou da posição da criança na modernidade, da “pulsão de dominação adulta”, de “adultos infantilizados” e “crianças tornadas adultas precocemente”, inclusive tornando-se “consumidoras”. Ela disse que “a disciplina sempre prevaleceu em relação à liberdade” e citou Jean-Luc Godard (“As crianças são prisioneiros políticos”) e Paulo Leminski (“Nesta vida pode-se aprender três coisas de uma criança: Estar sempre alegre; nunca ficar inativo; e chorar com força por tudo aquilo que se quer”), para deleite da plateia.

Ampliar o campo do possível

Que o meio artístico e a sociedade brasileira saibam “chorar com força” por tudo o que se quer. No Brasil atual, em que está em curso a subtração de direitos, é fácil imaginar o quanto de autocensura artistas, curadores e instituições voltaram a se impor para evitar a histeria dos recentes ataques à arte e aos artistas.

A autocensura, de modo ainda mais perverso do que a censura, afeta a capacidade de criação artística, o acesso à cultura e a importância dos museus. Há que se lembrar da temática do Panorama de 2017: Brasil por Multiplicação.

Nas palavras de Luiz Camillo Osorio, retiradas do texto curatorial: “Misturar poéticas conflitantes, trazer outras vozes e gestos para dentro das instituições que constroem as narrativas hegemônicas, revelar antagonismos e diferenças, tudo isso é parte de uma ideia de Panorama e de uma discussão sobre o Brasil. Isso, no exato momento em que o Brasil vive uma de suas piores crises de identidade, quando a promessa de futuro virou uma terrível distopia que constrange as possibilidades do presente, parece propício colocar, mais uma vez, a pergunta sobre o Brasil. O Problema-Brasil é um desafio e uma miragem: aparece como promessa de alegria, mas escapa quando vamos em sua direção. E, a cada passo, parece que vai para mais longe. Entretanto, não dá para virar as costas; há que se encarar a miragem, ao mesmo tempo ilusória e real, fazendo deste enfrentamento o caminho para nos tornarmos menos assombrados com nossa assustadora incompetência coletiva. A arte é o espaço disponível para ampliarmos o campo do possível.”