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Postado em 01/11/2012 - 7:22
Paradoxos morais
Juliana Monachesi

Roesler Hotel, projeto experimental da galeria Nara Roesler, ganha espaço próprio e aposta em vocação institucional

Roesler-hotel

Legenda: Everything Else Has Failed! Don’t You Think It’s Time for Love? (2007), instalação da norte-americana Sharon Hayes

Uma mulher de semblante triste escuta citações dos relatórios do julgamento da inquisição de Joana d’Arc na instalação com projeção de slides e áudio Du Mentir-Faux (2000), da artista belga Ana Torfs. Fotografias da série Gambiarras (2010), de Cao Guimarães, apresentam recursos low-tech que funcionam como alternativa às soluções pré-fabricados do design. Uma mulher lê cartas de amor anônimas no centro de Manhattan – a fala da oradora é amplificada por microfone e alto-falantes – na instalação sonora Everything Else Has Failed! Don’t You Think It’s Time for Love? (2007), da norte-americana Sharon Hayes. No vídeo Zeide Isaac (2009), do uruguaio Alejandro Cesarco, um sobrevivente do Holocausto, avô do artista, lê uma pensata sobre a memória. 

Estas obras dão o tom da engajada exposição Lo Bueno y lo Malo, curadoria do mexicano Patrick Charpenel que discute a natureza moral da crise econômica das sociedades contemporâneas – tema espinhoso que o curador tem o cuidado de permear de ambigüidades. Exemplo: a obra de Fernando Ortega, duas fotografias aparentemente idênticas de um piano, na realidade mostra registros do instrumento antes e depois de um cuidadoso processo de afinar as cordas. Moral da história: as aparências enganam e o mundo atual (a arte feita nesse tempo, inclusive) é mais complexo do que gostaríamos de admitir.

A coletiva inaugura o anexo da galeria Nara Roesler, espaço que vai sediar projetos curatoriais de média duração, imprimindo um perfil híbrido ao local. O Roesler Hotel é um projeto de diálogos transnacionais criado por Daniel Roesler em 2006, que trouxe ao Brasil individuais de nomes como Alberto Baraya, Sutapa Biswas e Melanie Smith, e que agora se firma como um programa institucional de periodicidade regular. Novo modelo de gestão de espaços comerciais? Conflito de interesses? É gritante a contradição de se deparar com a instalação de Claire Fontaine (coletivo anti-globalização sediado na França), um néon com a frase “Capitalism kills love” piscando no térreo, enquanto no primeiro piso está exposto (no acervo) um valioso Relevo Espacial de Hélio Oiticica. Paradoxo irremediável?

Especialmente tocante é o trabalho de Danh Vo, artista nascido no Vietnã do Sul e naturalizado dinamarquês. The Project, 02.02.1861 – Last Letter of Jean-Théophane Vénard to His Father before He Was Decapitaded (2009) consiste em uma cópia manuscrita da carta do missionário francês que o pai do artista vai reproduzir até a sua morte. Vénard (1829-1861) foi executado no Vietnã por proselitismo cristão. Com a transcrição periódica da carta, por um lado Dahn Vo garante ao pai uma renda fixa com a venda dos desenhos. Por outro, ele faz uma dupla evocação, da história colonial do Vietnã e de uma história de pais-e-filhos separados por 150 anos. Uma das cartas foi incluída este ano na coleção do MoMA. Até a exposição no Roesler Hotel, Danh Vo não havia exposto no Brasil, assim como Sharon Hayes ou Ana Torfs.

Será que o luminoso de Fontaine será lido no futuro não mais como hipocrisia, mas como um atestado da independência entre galeria e Hotel? O tempo dirá. No meio tempo, será desperdício não acompanhar a programação de alto nível deste novo espaço em São Paulo.

*Publicada originalmente na edição impressa #8.