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Cena de Cantares, coreografia de Oscar Araiz remontada pelo Balé da Cidade para espetáculo desta semana (Foto: Josi Monteiro)
Postado em 24/09/2013 - 7:20
Pintura corporal
Balé da Cidade de São Paulo apresenta último espetáculo da temporada do Theatro Municipal em que comemora seus 45 anos
Luciana Pareja Norbiato

“Sou muito influenciado pelas outras linguagens artísticas, em especial pela pintura”, afirma o coreógrafo Oscar Araiz, 72. É dele um dos enredos icônicos que compõem o programa que o Balé da Cidade de São Paulo exibe no encerramento de sua temporada do Theatro Municipal. 2013 tem gosto de festa: marca os 45 anos de criação da companhia.

A utilização de recursos visuais que incluem a composição de movimento inclusive por parte dos figurinos – longos vestidos e xales -, além de boa parte de solos, dão a tônica pictória de Cantares, de sua autoria. A peça evoca o universo feminino e hispânico por personagens de García Lorca. A música, a Rapsódia de Maurice Ravel, é executada ao vivo pela Orquestra Sinfônica Municipal, sob regência de Luis Gustavo Petri.

Araiz assume a influência da moderna Martha Graham em seu trabalho. Na prática, a questão da construção da cena quase como pintura salta aos olhos na resolução de conjuntos de movimento em momentos estáticos – e dramáticos – a exemplo das coreografias da norte-americana.

Outra peça histórica da companhia, Apocalipsis, de 1976, tem pegada jazzy nos gestos da mãos, na postura dos corpos e até na malha usada pelos atores, pintada manualmente pelo próprio coreógrafo, Victor Navarro, 68. Ao lado de Araiz, é dos nomes mais importantes da história da dança no Brasil.

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Cena de Apocalipsis, de Victor Navarro (Foto: Josi Monteiro)

“É ótimo porque uma remontagem atualiza a coreografia, ainda que ela conserve suas qualidades de época”, afirma Navarro. Mesmo que o perfume All That Jazz (musical de Bob Fosse de 1979) esteja lá e que a ópera-rock homônima de John McLaughlin conduza a dança na levada progressiva, só o fato de os bailarinos de hoje terem um corpo já modelado pela dança contemporânea traz novos dados para a cena.

“O pessoal hoje tem muito mais resistência, aguenta muito mais”, ele diz. E pra sequência avassaladora de jetés – os pulos com as pernas estendidas cruzando o ar – que todos os 20 bailarinos que compõem o número executam um atrás do outro, haja resistência. A imagem é de uma força intraduzível em texto.

Não por acaso a peça foi escolhida pela diretora artística do Balé da Cidade, Iracity Cardoso, para integrar a última apresentação no Municipal no ano do aniversário. A ideia é trazer momentos marcantes da companhia desde quando abandonou as sapatilhas de ponta para tornar-se contemporânea, em 1974. Só por isso, o espetáculo enche os olhos ao mesmo tempo que transmite a aura da trajetória da dança na atualidade.

A culminância dos estilos presentes nos dois precursores acontece na coreografia inédita Abrupto. (que se lê ao pé da letra: abrupto ponto), de Alex Soares, 32. Simultaneamente ao seu início de carreira como bailarino da companhia, fazia hora extra criando números por conta própria, até que teve uma de suas coreografias inseridas no repertório. Essa é a primeira coreografia que faz para música ao vivo, de orquestra.

Formado em cinema, Soares cria uma decupagem milimétrica de movimentos surgidos em contato improvisação. Os corpos, totalmente em relação, dependem um do outro para descreverem as sequências de passos. A remissão ao quadro-a-quadro do cinema não é então mero acaso. “É dessa formação que vem a construção da cena como se eu estivesse numa ilha de edição”, diz. E o efeito também leva à ideia de pintura ou de foto.

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Cena de Abrupto., de Alex Soares (Foto: Josi Monteiro)

“É uma imagem primeiro construída na cabeça, para depois ser internalizada pelo dançarino. Não há uma contagem, é algo que está na consciência física, na percepção de quem executa”, explica.

Embora singulares em seus momentos temporais e suas proposições estéticas, as três coreografias compõem um painel de época dinâmico, um panorama breve que pelos saltos temporais entre cada coreografia (Apocalipsis, de 1976; Cantares, de 1984, com atualização de 1990; e Abrupto., de 2013) faz notar as diferenças entre os momentos da dança contemporânea. Os corpos imprimem seu traçado no espaço e demarcam o campo de visão, aproximando conceitual e visualmente linguagens artísticas. Dessa forma, é fácil compreender porque as fronteiras entre as artes estão cada vez mais diluídas.