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Representação do livro-obra Artur Barrio: SITUAÇÃO T/T, 1 (2ª parte) (1970). Coleção P.O.P. (Foto: Cortesia P.O.P)
Postado em 13/11/2017 - 4:40
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Resultado de pesquisa sobre arte latino-americana em coleções portuguesas, exposição encerra programa Lisboa Capital Ibero-Americana da Cultura – 2017
Marta Mestre

Em 1978, pouco antes de viajar de Paris, onde morava, para o Rio de Janeiro, Artur Barrio leu no jornal Le Monde que o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, um dos mais importantes da América Latina, havia sofrido um grande incêndio. O acontecimento histórico devastava a quase totalidade dos acervos e interrompia o programa Área Experimental, que, desde 1975, mobilizava uma geração de artistas que abraçava “qualquer proposta que investisse no risco conceptual, na invenção, na precariedade produtiva e no desafio aos espaços instituídos”.

Dias depois, já no Rio de Janeiro, Artur Barrio, artista selecionado para expor naquele ano na Área Experimental, recusa postergar sua exposição para um momento em que o museu tivesse superado o evento traumático e escreve um pequeno texto, no qual a considera realizada, mesmo que o projeto não tenha saído do papel. Esse episódio é o ponto de partida para Potência e Adversidade – Arte da América Latina nas Coleções em Portugal, exposição que apresenta extensivamente o universo da arte “latino-americana” presente nas coleções públicas e privadas em Portugal, e encerra o programa Lisboa Capital Ibero-Americana da Cultura – 2017, organizado pela Câmara Municipal de Lisboa.

Artigas (2014), da artista portuguesa Leonor Antunes, da Coleção Fundação de Serralves (Foto: Nick Ash)

 

Partindo de um núcleo de artistas históricos que atuaram em diversas geografias latino-americanas nos anos 1970, a exposição ocupa o Pavilhão Branco e o Pavilhão Preto, em Lisboa, de 11 de novembro até fevereiro de 2018, e ressalta, através de uma seleção de 40 artistas e mais de 80 obras, a multiplicidade de enunciados criativos e originais que os artistas têm vindo a formular, em especial os desdobramentos do “legado conceitual”, no atual contexto da crise do neoliberalismo e de uma realidade social e política marcada pela alternância de governos repressivos e de desigualdade.

Anos “quentes” de lutas sociais e de reivindicação dos processos descolonizadores, contra as ditaduras e a repressão no mundo, na década de 1970 despontaram importantes processos revolucionários que foram derrotados em várias partes do mundo. Contudo, essa derrota não os encerrou por completo, mas os manteve encobertos durante os anos 1980 e 1990, para voltarem hoje reelaborados por vários artistas, no contexto quer do mundo globalizado, quer da retomada de poderes conservadores, em diversos países da América-Latina.

O legado desses desdobramentos históricos conflui hoje para a retomada da “politização da arte”, o interesse pela micro-história a contrapelo das narrativas oficiais, a crítica ao projeto cultural do multiculturalismo, ou a ênfase na ideia de processo, e põe de lado a explicação redutora de um “Norte” que vê na arte produzida no “Sul” o resultado do embate entre força desorganizadora da natureza tropical e vontade racionalista da cultura de matriz europeia.

Com o intuito de extrapolar um recorte territorial, centrado na relação entre os artistas e suas culturas de origem, e de expressar a riqueza de pontos de contato nas coleções públicas e privadas em Portugal, a exposição inclui também artistas europeus cujos trabalhos foram marcados pela relação com as culturas indígenas da América Latina e/ou por pesquisas individuais que assumem influências de algumas culturas dessa geografia.