Mesmo nestes tempos cínicos, quando causas sociais podem ser marketing pessoal, o roteiro é um amontoado de clichês. Artista famoso e bom-moço (ou bom-moço porque famoso) resolve ajudar os miseráveis. Close para o perfil preocupado do artista, fotografando o lixão do Gramacho (RJ), maior depósito de resíduos a céu aberto da América Latina. A câmera faz paralelo visual entre urubus e catadores. E por aí segue. Determinismo sociológico? Tragédia inevitável? Não, nosso herói vai agir. Mesmo sem capa vermelha nos ombros.
Piedoso, sim. Paternalista? Com certeza. Nesse gênero fílmico de ONG do bem, a comunidade miserável é apenas objeto passivo de uma ação. Nunca é o herói de sua própria história. Sobra para eles o papel de coadjuvantes, testemunhas maravilhadas da bondade do herói. Chorosos diante da redenção prometida. Foi assim no incensado filme Lixo Extraordinário, aventura de Vik Muniz na seara da benemerência midiática internacional. Com direito a indicação para o Oscar. Estatueta dourada a ser dividida com o líder dos catadores, Tião Santos, levado a tiracolo para garantir o exotismo latinoamericano necessário à ocasião. Com flor de lixo na lapela. Santo clichê, Batman!
A estatueta do Oscar não foi alcançada, mas as homenagens ao filme continuam. De minha parte, aperto o botão delete. Vik Muniz, autor de muitos trabalhos de qualidade, podia ter ficado sem esse equívoco no currículo. A estética da miséria nada acrescenta à sua obra. Tião Santos, no papel de um novo Marat (alusão à tela A Morte de Marat, do pintor francês Jacques-Louis David, de 1793), não está contando a sua história de vida como líder de sua comunidade. Cumpre, obediente, o roteiro para uma história que não é a sua. É a de Muniz. A complexidade da vida no Gramacho só pode ser entendida e contada pelos próprios catadores. Quando se entenderem protagonistas.