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Postado em 19/01/2012 - 8:48
Quem vigia os vigilantes?
Nina Gazire

Foto de artista publicada na seLecT é deletada da página da revista no Facebook

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A foto da série Eu Quero Vestir Você, do artista Sean Fader, e que ilustrou o artigo O Fim do Virtual da nossa edição inaugural, foi deletada da página da revista no Facebook, por violar a declaração de direitos e responsabilidade desta rede social. Na foto apagada, Fader propõe um questionamento entre os limites e as noções de gênero em um mundo cada vez mais mediado e alterado pelas novas tecnologias. O artista parece vestir uma segunda pele, ou melhor, um segundo corpo nu _que seria um corpo feminino_ e no qual está incrivelmente confortável. 

Por lei, e dependendo de seu contexto, a nudez pode ser alvo para punição penal por atentado violento ao pudor. Os critérios para o apagamento de uma imagem no Facebook são amplos e variam conforme a situação. No caso da nossa foto é possível que ela tenha sido apagada por “pornografia”, por causa da nudez de um corpo ou por conteúdo que promova “automutilação, distúrbios de alimentação e consumo de drogas”, pelo fato do artista estar tomando uma taça de vinho. O Facebook é responsável pela exposição anual de 20% das fotos publicadas na internet, segundo dados do site 1000Memories. A pergunta, então, é como as imagens são selecionadas para apagamento?

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Algoritmos buscam por fotos pornográficas, rastreiam imagens inapropriadas da mesma forma que os robôs do filme Matrix detectam e eliminam a presença humana em seu sistema. Um outro modo de controle do qual o Facebook se vale são as denúncias feitas pelos próprios usuários que podem utilizar a ferramenta “denunciar essa foto” com apenas um clique. Em um mundo de conexão incessante e exposição excessiva, é ilusória a ideia de que vemos apenas aquilo que queremos. Mas quem controla aquilo que queremos ou podemos ver nessa falta de hierarquia e olhares exposta na rede? 

Por mais que não pareça, o Facebook é um ambiente privado. Privado não no sentido de que temos total controle sobre nossas contas pessoais, mas no sentido de que é um serviço oferecido por uma empresa e aceitamos seus termos de serviços. Como consumidores podemos cobrar da empresa melhorias, transparência, mas jamais saberemos o que ocorre nos bastidores deste Big Brother de controle capilar e automatizado. 

E aí, toda nudez será castigada? As propostas de subjetividades ambivalentes e gêneros fluidos, como as que o artista Sean Fader faz, devem ser enquadradas como pornográficas e obscenas? Essa é uma questão que encontra terreno fértil e potente no campo da arte, e pode ser mal interpretada ou achatada se for cerceada pelos poderes cibernéticos de algoritmos que usam padrões de reconhecimento para perscrutar aquilo que é considerado proibido, reproduzindo noções de moralidade e obscenidades ultrapassadas e que não passam pelo diálogo. É um modo punitivo e autoritário de lidar com o conteúdo. Até quando a nudez será a medida de peso para a perversão? 

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Para finalizar, fica aqui um paralelo com outro caso recente e semelhante ao que aconteceu com a foto do artista Sean Fader. Recentemente, o artista dinamarquês Frode Steinicke postou em seu Facebook uma imagem do quadro A Origem do Mundo, de 1886, de Gustave Courbet. O quadro seria um típico nu feminino romântico, não fosse a genitália retratada de maneira hiperrealista. Steinicke teve seu perfil excluído da rede social e o caso transformou-se em uma grande polêmica, com repercussão mundial. Milhões de pessoas manifestaram apoio ao artista e começaram a reproduzir a foto do quadro de Courbet em seus perfis. 

Segundo o Facebook, a foto do perfil foi censurada devido à violação de regras internas que caracteriza qualquer nudez como indevida. Porém, devido a repercussão, a empresa voltou atrás e devolveu o perfil a Steinicke. É válido transpor para o século 21 o dilema proposto pelo poeta romano Juvenal, em sua Sátiras, escritas no século 2: “Quem vigia os vigilantes?”.