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Postado em 25/09/2014 - 6:37
Rineke Dijkstra
Paula Alzugaray

Uma noite na vida de um clubber. Com esse recorte temporal e espacial específico, os retratos de adolescentes destacados de pistas de dança, realizados em foto e vídeo pela artista holandesa Rineke Dijkstra, constituem uma etnografia da noite

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Legenda: The Buzz Club, Liverpool, UK 4 de março, 1995 (fotos: cortesia da artista / Marian Goodman Gallery)

Rineke Dijkstra sempre buscou privar o retratado de uma posição de conforto. Para desafiar a segurança que uma boa pose tende a transmitir, a artista tem como objeto de sua pesquisa fotográfica situações em que seus retratados vivem estados transitórios, instáveis, de ambiguidade ou vulnerabilidade e tendem a baixar a guarda. A adolescência, período transitivo entre a infância e a idade adulta, fase de incertezas quanto ao corpo e à identidade, tornou-se seu grande tema. Assim se comportam diante de sua câmera os jovens banhistas com seus corpos em mutação, os toureiros após as lutas, as mulheres após darem à luz, ou as “disco girls” em progressivo descontrole e arrebatamento, deixando-se entregar ao prazer da dança.

The Buzz Club / Mystery World (1996-1997) é uma série de retratos em vídeo e foto realizada em clubes de Liverpool, na Inglaterra, e de Zaandam, na Holanda. A artista convidou frequentadores desses locais a se deslocarem para um estúdio improvisado e dançar a música techno da pista, audível através das paredes. O resultado traz grupos de pessoas com os mesmos códigos identitários, incorporados nas roupas, no estilo e na atitude. Dez anos depois, Dijkstra voltou a Liverpool e convidou os clubbers do inferninho The Krazyhouse (2009) a dançar a música de sua preferência em um cubo branco montado em uma sala do local. Captados com luz clara, uniforme, e recortados de seu contexto, os clubbers ostentam, afinal, um realismo que se aproxima ao dos documentos etnográficos.

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Beth, The Krazyhouse, Liverpool, Inglaterra 22 de dezembro, 2008 (fotos: cortesia da artista / Marian Goodman Gallery)

Ambos os trabalhos, que ganham edição da própria artista no portfólio de seLecT, configuram estudos sobre a desconstrução da pose. Da pintura de seus antepassados conterrâneos, como Rembrandt, que contribuíram para a afirmação do retrato como gênero pictórico, Dijkstra absorveu o talento para extrair a intensidade psicológica do modelo. Dessa forma, assistimos nestas páginas a um autêntico teatro das aparências. Com uma dramaturgia que parte da imagem construída que os retratados, segundo a artista, “escolhem revelar”, e avança em direção a corpos que gradualmente se desintegram e se deixam modificar pela atividade física e pelo êxtase, em estados alterados de consciência.

*Portfólio publicado originalmente na edição #19