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Ilustração: Ricardo Van Steen
Postado em 08/03/2012 - 9:39
Ser jovem é ser belo?
Miriam Chnaiderman, Otávio Macedo e Luiz Felipe Pondé discutem a obsessão pela juventude e os prós e contras da infantilização da produção cultural
Monica Tarantino
Ilustração: Ricardo Van Steen

Há grandes investimentos tecnológicos na criação de tratamentos mais eficientes e rápidos para o rejuvenescimento facial e corporal. As novidades nesse segmento são temas frequentes de revistas e programas de tevê que sustentam: apagar as marcas da passagem do tempo o quanto antes seria a atitude mais inteligente. Para discutir esse fenômeno que varre o mundo, seLecT convidou a psicanalista, cineasta e ensaísta Miriam Chnaiderman, o requisitado dermatologista e especialista em rejuvenescimento Otávio Macedo, e o filósofo, professor universitário e colunista da Folha de São Paulo, Luiz Felipe Pondé. Por diferentes caminhos, os entrevistados revelam o que está na epiderme e no interior dessa questão.

Ouvir que você não parece ter a idade que tem soa como elogio, incomoda ou ambos?

Miriam Chnaiderman Quando alguém nos elogia, tranquiliza nossa relação com nossa imagem corporal. Complicado é que o parâmetro para o elogio seja aparentar menos idade e anular a presença de um corpo que envelhece. Se alguém me diz que não pareço ter a idade que tenho, isso não me soa como elogio. Acho que a grande questão é poder ter a idade que tenho e agradar, ser gostada.

Otávio Macedo Soa como um cumprimento e um reconhecimento, pois na maioria das vezes é verdade. Mas há situações em que é apenas um elogio simpático, baseado na crença atual de que mais jovem é melhor, o que, convenhamos, nem sempre é verdade.

Luiz Felipe Pondé Elogio. Mas não me preocupo com a idade e acho que não vou fazer nada para parecer mais jovem. Para os homens é mais fácil: a questão é continuar sendo capaz de penetrar as mulheres.

Usar os recursos da medicina e das indústrias da beleza e da moda para apagar as marcas do tempo é opção ou necessidade?

Chnaiderman É uma opção muitas vezes vivida como necessidade pelas pressões sociais. As marcas da passagem do tempo parecem assustar porque sinalizam a transitoriedade e a morte. Assim, o idoso passa a querer anular a presença do corpo envelhecido, movido pelo mito do corpo jovem a qualquer preço. Isso é muito violento. Outra coisa seria usar dos recursos atuais em prol do bem-estar e do envelhecer com dignidade. Aí a utilização dos recursos da medicina, das indústrias da beleza e da moda pode ser importante.

Macedo As marcas da passagem do tempo dão-se internamente. É a alma que envelhece e, neste caso, não há o que fazer. Resta a aparência, que, sim, é uma necessidade e não uma opção. Isso fica mais claro em relação aos dentes. Hoje, com os implantes, podemos ter uma terceira dentição. Ninguém julga que ter dentes limpos e bem tratados seja apagar as marcas do tempo. Mas há questionamento e até preconceito quanto ao tratamento da pele, do abdome, do corpo. O objetivo dos tratamentos de que dispomos é obter a melhor aparência possível, respeitando-se a idade e as condições de vida de cada um.

Pondé Quase sempre necessidade, se você não quer se sentir sozinho. É mais um traço da nossa cultura maníaca pela juventude e saúde. Acho isso tudo brega e está em toda parte.

Quais as consequências da corrida contra o tempo das novas tecnologias da medicina?

Chnaiderman O repúdio ao próprio corpo é apenas mais uma consequência do processo de depreciação de si mesmo. A identidade de qualquer pessoa depende, em grande parte, da relação que ela tem com seu corpo. Para se construir enunciados sobre a própria identidade, de modo a poder criar uma estrutura psíquica harmoniosa, é necessário que o corpo seja predominantemente vivido e pensado como local de vida e prazer. Muitas vezes a tatuagem, o piercing e o se cortar são modos desesperados de se sentir existindo.

Macedo Conquistamos algo sem paralelo na natureza, que é triplicar o nosso tempo de vida, em menos de cem anos. Uma aparência saudável – e não artificialmente jovem – é parte dessa vida excepcional que podemos ter hoje. Apostar que estamos corrompidos pelo culto da beleza é desprezar o bom senso e o progresso que temos conseguido. Nunca estivemos tão bem.

Pondé A juventude cada vez mais será um produto caro e não um estado biológico ou psicológico. O futuro é dos retardados afetivos, que associam afeto com felicidade e significado da vida com vida como balada. A lógica do capital vale nessa questão. Não é só o emprego, é a própria fisiologia que é a mercadoria. O velho é lento e por isso não valeria nada.

Qual é o impacto do privilégio à juventude na produção cultural e intelectual?

Chnaiderman Há uma infantilização da arte e da cultura. Freud falou do quanto a criação artística passa, necessariamente, por algo que tem a ver com o infantil. Na criação, o artista resgata o brincar. Isso é bem diferente do infantilizar o mundo. Resgatar a capacidade de brincar é parte da fruição e da produção artística. Mas não como prótese de um mundo perdido, e sim como abertura libertadora para possibilidades inusitadas de construção da vida.

Macedo Antes dos anos 1960, ser jovem era ser imaturo, incapaz e rebelde. A geração dos anos 1960 tornou ultrapassado tudo o que representava ser adulto e afirmou que ser jovem é que era bom. Isso transformou todos em eternos jovens e continua sendo um mantra em nossa civilização, embora já se perceba uma revisão nesses conceitos. A ideia não é negar o valor da juventude, mas afirmar que temos de manter o nosso espírito jovem.

Pondé Isso deixa os jovens de verdade perdidos. Eles não têm narradores de vida porque os pais querem ser filhos para sempre. Narrar a vida é dar significado a ela. Para isso você tem de ser adulto e bancar alguma certeza em um mundo em dissolução como o nosso. O difícil não é amar quando se é jovem, mas quando já se sabe que a vida nunca satisfaz nossos delírios de felicidade.

Quais aspectos chamam a sua atenção em uma cultura que preza cada vez mais a aparência jovem?

Chnaiderman A vida passou a ser descartável, na medida em que a morte violenta se banaliza nos noticiários cotidianos. Hanna Arendt, referindo-se a essa cultura que nos aprisiona, diz: “É a durabilidade que dá às coisas do mundo sua relativa independência diante dos homens que as produzem e as utilizam. Sua objetividade as faz suportar, resistir e durar, pelo menos por algum tempo, diante das vorazes necessidades de desejo de seus produtores e usuários vivos”. Esta é uma afirmação saudosista, na busca de uma estabilidade perdida. Hoje temos outros recortes, como o  nomadismo e a transitoriedade. Cildo Meireles, no documentário Cildo, afirma que a memória é o melhor lugar para uma obra de arte. A ausência de memória é a impossibilidade de criação. O apagamento das marcas do corpo confunde-se com o apagamento da memória.

Macedo Falar em corrida contra o tempo é um equívoco. Trata-se da busca pela conservação e pela saúde, fugindo do que pode nos dar um aspecto cansado, envelhecido e descuidado. A conquista disso envolve fazer ajustes no estilo de vida, como atividade física e nutrição adequada. As mulheres já perceberam isso e hoje a balzaquiana derrotada pelos anos não existe mais. O que existe são mulheres lindíssimas, sensuais, conservadas, cuidadas em seus 40, 50, 60, 70 anos, desejáveis e saudáveis. Este me parece o ethos mais atual da civilização.

Pondé Falar em corrida contra o tempo é um equívoco. Trata-se da busca pela conservação e pela saúde, fugindo do que pode nos dar um aspecto cansado, envelhecido e descuidado. A conquista disso envolve fazer ajustes no estilo de vida, como atividade física e nutrição adequada. As mulheres já perceberam isso e hoje a balzaquiana derrotada pelos anos não existe mais. O que existe são mulheres lindíssimas, sensuais, conservadas, cuidadas em seus 40, 50, 60, 70 anos, desejáveis e saudáveis. Este me parece o ethos mais atual da civilização.

Monica Tarantino escreve sobre medicina e saúde para a Istoé. Ganhou prêmios nessa área e é autora de PretoBrás, o livro de canções e histórias de Itamar Assumpção.

*Publicado originalmente na edição impressa #4.

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